Enquanto os técnicos do Planalto elaboram as regras das licitações que colocarão nas mãos da iniciativa privada a partir deste ano nove concessões de rodovias, doze empreendimentos ferroviários, dois aeroportos e um trem de alta velocidade, além de terminais portuários, companhias especializadas já se preparam para disputar os contratos.
Subsidiárias de grupos de engenharia e construção ainda dominam o cenário, mas os negócios chamam atenção também de outros setores, como o sucroalcooleiro, em que atua a Cosan. Com faturamento de R$ 25 bilhões, a empresa está investindo em ferrovias e terminais portuários por meio da subsidiária Rumo Logística. “Os grupos têm interesse nesse negócio e cada vez mais veem a cadeia logística de forma integrada”, diz Julio Fontana, presidente da Rumo.
A empresa tem interesse em mais contratos de ferrovias e portos, mas observa com atenção a modelagem econômico-financeira dos empreendimentos. “As empresas têm um dispêndio de capital alto. Se não houver uma taxa de atratividade adequada do negócio, não haverá candidato à concessão”, afirma Fontana.
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Em leilões anteriores, o governo defendeu retornos mais baixos, cerca de 6%. Mas as empresas têm conseguido manter a taxa em dois dígitos, identificando economias em obras e ganhos de receitas.
O retorno “ideal” varia de acordo com o risco de cada negócio. “Não tenho uma fórmula mágica, determinando que eu só entro no investimento a ‘xis por cento’ de retorno. Cada projeto recebe uma avaliação”, diz Gustavo Rocha, presidente da Invepar – empresa controlada por fundos de pensão, que atua em rodovias, mobilidade urbana e conquistou em 2012 o aeroporto de Guarulhos, o principal do país. Com R$ 905 milhões de receita líquida anual, a empresa quer mais projetos nos setores em que atua e busca terminais portuários.
Em meio a tantas oportunidades, as rodovias são vistas pelo mercado como um setor mais seguro para os investimentos em infraestrutura, por terem um ambiente regulatório mais conhecido e estável – além de proporcionar geração contínua de caixa. O governo irá conceder nove rodovias, que demandarão investimentos de R$ 42 bilhões ao longo dos contratos – sendo R$ 23,5 bilhões em cinco anos. Embora o Planalto tenha adicionado regras mais rígidas nesses editais para evitar atrasos em obras, o que provoca receio por parte das empresas, o interesse por esse negócio continua.
Vencedora do último leilão do setor, em 2012, o grupo especializado em concessões EcoRodovias – controlado pela companhia de construção CR Almeida – mantém as estradas como seu negócio principal e vai concentrar esforços na conquista de dois novos projetos neste ano. “Quando você tem um pacote muito grande, acaba escolhendo ativos que têm mais lógica”, diz Marcelino Rafart de Seras, presidente da EcoRodovias.
Com R$ 2 bilhões de faturamento anual, a empresa tem concessões importantes, como a Imigrantes – que liga a cidade de São Paulo ao porto de Santos, o maior do país. Ela também se prepara para a disputa de aeroportos em parceria com o grupo alemão Fraport, especializado no setor.
Embora seja um modelo recente no país, a concessão dos terminais recebe forte interesse. A prova foi o último leilão do setor, em 2012. Quase 30 grupos e fundos, divididos em 11 consórcios, disputaram os projetos. O ágio em relação ao preço mínimo estipulado chegou a 673%. Passaram para as mãos da iniciativa privada os terminais de Guarulhos (SP), Campinas (SP) e Brasília (DF). As empresas assumiram a operação e as obras de expansão começaram em 2012. Para este ano, o governo já anunciou oficialmente a concessão de dois projetos – Galeão (RJ) e Confins (MG) – que demandam investimentos de R$ 11,4 bilhões ao longo dos contratos.
Enquanto em alguns negócios há um ambiente de maior segurança, em ferrovias os executivos têm dúvidas sobre as regras dos empreendimentos, que serão novas. O governo anunciou que haverá dois tipos de licitação para cada trecho: uma empresa será a concessionária da infraestrutura e terá como responsabilidade manter a via. Outras empresas poderão utilizar a estrada de ferro e pagar um “pedágio” à concessionária.
É um modelo diferente dos contratos do setor, firmados nos anos 1990, em que uma mesma empresa cuidava da infraestrutura e operava os trens. Principal companhia do modelo antigo, a América Latina Logística (ALL) vai analisar a regras dos próximos contratos e tem interesse em expandir sua atuação principalmente como transportadora de cargas. Hoje, a companhia fatura R$ 3,6 bilhões ao ano em suas operações logísticas.
Outras empresas estão interessadas nas ferrovias, devido a uma vantagem: como o modelo é novo, é pequena a possibilidade de concorrência acirrada – o que pode acarretar retornos mais atrativos. A lógica atraiu para o modal as atenções da CCR, maior empresa de capital aberto atuante em concessões de infraestrutura de transporte, com R$ 5 bilhões de faturamento ao ano.
Controlada pelos grupos oriundos da construção pesada Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Soares Penido, a CCR está de olho também em rodovias, aeroportos e no projeto do TAV. Mas avalia que tantos projetos sendo licitados num mesmo ano desafiam as empresas. “Vai causar um desafio de demanda. Vai ter muito consumo de energia, cimento, aço, asfalto, mão de obra… Mas achamos que é por aí mesmo”, diz o presidente da CCR, Renato Vale.
Segundo os especialistas, outro desafio é a necessidade de capital privado. “Há vários projetos de infraestrutura, mas não há capital para tudo”, diz o presidente mundial da espanhola Abertis, Francisco Reynés. Em entrevista recente ao Valor, ele informou que a companhia atuante em rodovias, aeroportos e comunicação irá concentrar a operação brasileira em suas nove estradas conquistadas e tende a não demonstrar forte apetite nos próximos leilões.
O governo lançou medidas para facilitar o desembolso privado, como a redução de 6% para 5,5% ao ano da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) – que é usada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Além disso, o Planalto incluiu obras do setor no Programa de Sustentação ao Investimento (PSI) do banco de fomento – uma iniciativa que antes era restrita a máquinas, equipamentos e inovação.
Um terceiro estímulo visto com entusiasmo pelos executivos são as chamadas debêntures incentivadas, que devem favorecer o mercado de capitais. O instrumento concede benefícios fiscais a investidores de infraestrutura e começa a ser usado em escalas maiores pelas empresas. A concessionária de rodovia Auto Raposo Tavares (da Invepar), por exemplo, concluiu em janeiro uma captação de R$ 380 milhões ao custo de 5,8% mais inflação. A previsão inicial era de 8% mais inflação.
“O que temos visto são indicações positivas, que há capital e que ele está disponível para investimentos de infraestrutura a uma taxa atrativa. Mas tudo depende da qualidade do projeto”, diz Paulo Cesena, presidente da Odebrecht TransPort. Com R$ 1,5 bilhão de faturamento anual, a companhia de concessões atua em rodovias, terminais portuários e mobilidade urbana.
Tem interesse em expandir a atuação atual e conquistar aeroportos, ferrovias e ainda irá analisar o TAV. “Este é um ano para resgatar um espírito de confiança pleno. Por isso, deve haver a disponibilização de informações técnicas por parte do governo da forma mais transparente possível, para termos projetos bem desenhados. O Brasil tem pressa pra fazer investimentos”, afirma Cesena.
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