Gargalos para exportação de soja preocupam União

O caos logístico, que provoca atrasos de 30 a 40 dias nos embarques das commodities agrícolas nos portos brasileiros, levou o governo a criar um grupo de trabalho interministerial para buscar soluções de curto prazo. O grupo também deverá propor ações para orientar as iniciativas pública e privada nos investimentos direcionados às alternativas de escoamento que propiciem melhorias no desempenho do transporte de grãos produzidos no País. Caberá ao grupo “identificar, relacionar e viabilizar” as potenciais fontes de recursos para o desenvolvimento das ações.


A portaria sobre a criação do grupo de trabalho, assinada pelos ministros da Agricultura, Antônio Andrade, dos Transportes, César Borges, e da Secretaria Especial de Portos, José Leônidas de Menezes Cristino, foi publicada na edição de quinta-feira da semana passada no Diário Oficial da União. O grupo será formado por representantes da Secretaria de Portos (SEP); dos ministérios da Agricultura e dos Transportes; das agências nacionais de Transportes Terrestres (ANTT) e de Transportes Aquaviários (Antaq); da Empresa de Planejamento e Logística e da Confederação Nacional do Transporte (CNT).


Para o paranense Amador Trindade Filho, o trabalho sempre começa ao anoitecer. Mais que uma preferência pessoal, este caminhoneiro com 12 anos de estrada opta pela noite para o início da jornada de 2.450 quilômetros de Lucas do Rio Verde (MT) a Paranaguá (PR) por um motivo simples: fugir do caos das estradas que, durante o dia, ficam entupidas de caminhões como o dele, também levando soja ao porto. As viagens são mais rápidas, mas o risco é sempre maior: em todas presenciou pelo menos um acidente nas rodovias. “Saindo à noite ganho quatro, cinco horas, pois muitos caminhoneiros param para dormir e a estrada fica mais livre. De dia não há espaço para todos, há filas. À noite a viagem rende mais”, diz Trindade.


Ele escolheu a profissão para ganhar cerca de R$ 4 mil por mês, o dobro do recebido por motoristas das cidades. Trindade poderia viajar sob a luz do sol e reduzir em 20% os três dias que gasta no trajeto, se as estradas fossem bem conservadas, com acostamento e até duplicadas. Mas o que ocorre é o contrário: para passar pelos 20 quilômetros do Anel Viário de Cuiabá, ele gasta três horas na estrada esburacada. Com acidentes, esse tempo chega a incríveis nove horas. Apesar de ser um contorno de capital, a situação piorou muito com o jogo de empurra entre governos. Agora, diz o estado do Mato Grosso, a solução virá. E, para ser mais rápido, usará o sistema de licitação especial para a Copa. A promessa é que a estrada fique melhor no fim de 2014.


Essa situação, reclamação recorrente de diversos caminhoneiros, resulta em acidentes e mortes. Trindade conta que nunca fez uma viagem sem ver um caminhão capotado. No ano passado, foram 278 mortes no estado, o equivalente a um Boeing lotado. Nos primeiros meses de 2013, já são 73 vítimas fatais, 20 delas, caminhoneiros. Ele não perde apenas tempo e corre riscos: também perde dinheiro. Os transportadores lembram que 15% do frete da soja vão para pneus e manutenção. Se a estrada fosse boa, esse percentual seria de apenas 3%, que é a média mundial do setor.


Com a infraestrutura precária, o Brasil perde, apenas com milho e soja, R$ 8 bilhões por ano, segundo estudos da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) e de especialistas em logística — cerca de R$ 6,6 bilhões com a soja e R$ 1,4 bilhão com o milho. Esse prejuízo equivale a 13% do montante exportado com os dois produtos em 2012. Isso reduz a competitividade das duas lavouras, que representarão 86% da safra recorde de 184 milhões de toneladas de grãos do país, prevista para este ano. “O agronegócio, apesar de fundamental para o saldo comercial brasileiro, não é prioridade para o governo. Com estes problemas de transporte perdemos competitividade e, ao mesmo tempo, temos alimentos caros e pessoas que ainda passam fome no País”, afirma Glauber Silveira, presidente da Aprosoja-Brasil.


Tal prejuízo está ligado à escolha dos caminhões como principal meio de transporte de longa distância. Percorrer as estradas dos quatro estados até o porto deixa evidente esse erro. Em muitos trechos, caminhões, cada vez maiores — já há veículos de nove eixos que levam 50 toneladas de soja — andam em filas que parecem trens sobre o asfalto. No fim da viagem, os problemas nos portos. Falta de investimento e burocracia levam a cancelamentos de contratos e desperdícios com esperas. “Há duas medidas a curto prazo que podem atenuar o caos logístico. Uma delas é que os portos funcionem 24 horas. A outra é a construção de armazéns. Eles podem ficar prontos em seis a oito meses e permitiriam que os produtores reduzissem a quantidade de soja vendida antecipadamente. Com a venda antecipada, o produtor põe na estrada o grão assim que colhe, aumentando o congestionamento e tornando os caminhões, na prática, silos sobre rodas”, diz Kátia Abreu, presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).


Há duas semanas, o governo determinou que os portos de Santos, Rio, Vitória, Suape, Paranaguá, Rio Grande, Itajaí e Fortaleza funcionem ininterruptamente. Mas não é incomum navios ficarem dias a fio esperando um local para atracar nos terminais brasileiros. “Os problemas estão nas estradas, armazéns, ferrovias, hidrovias, manutenção. Não temos corredores exportadores. O nosso déficit de investimento é de R$ 400 bilhões. Mesmo que todo o pacote do governo (concessões de rodovias, ferrovias e aeroportos) saia do papel, as melhorias só serão sentidas em três ou quatro anos”, diz o senador Clésio Andrade (PMDB-MG), presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT). Para completar o cenário, a propina é generalizada em toda a cadeia, dizem caminhoneiros. No porto de Paranaguá, “se não pagar R$ 2,00 para o cara que abre a lona na hora da triagem da soja, ele a deixa de um modo que acaba fazendo com que ela se rasgue — disse um caminhoneiro que pediu para não ser identificado, lembrando que passam por lá mil caminhões por dia.


Brasil perde vantagem competitiva na hora de escoar a soja


Rivais na produção de grãos, Brasil e Estados Unidos protagonizam disputa desigual pela liderança do agronegócio. E a logística, da disponibilidade de silos à escolha dos modais para escoar a safra, é o principal fator contra os brasileiros. O resultado é que, apesar de produzir com eficiência, o País não é estratégico na formação dos preços globais. Situação agravada com a falta de política agrícola que influencie os rumos do mercado de commodities, dizem analistas.


A logística para escoar a soja é um exemplo da desigualdade. No Brasil, 82% da soja são transportados por rodovias, 16% por ferrovias e 2% por hidrovias; nos EUA, 15% são escoados por rodovias, 35% por ferrovias e 40% por hidrovias. Com economia de escala menor e más condições das estradas, o peso do frete no valor da tonelada de soja é bem maior aqui: 44%, contra 26% nos EUA. “As rodovias são competitivas para distâncias de até 500 quilômetros, mas nossas carretas percorrem mais de dois mil quilômetros para levar a soja até o porto. Não garantimos economia de escala para diluir os custos fixos”, diz Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Logística da Fundação Dom Cabral.


Outro problema que o Brasil enfrenta é a falta de armazéns. A capacidade de armazenagem corresponde a 80% da safra. Nos EUA, é de 120%. Essa deficiência cria uma situação perversa, sobretudo no caso da soja. Como os EUA estocam o grão, conseguem controlar sua oferta no mercado e, assim, ser um país estratégico na formação de preços. A Bolsa de Mercadorias de Chicago, principal praça para comercialização de matérias-primas e referência internacional das cotações, reflete em grande parte o que acontece no mercado norte- americano.


No Brasil, os produtores precisam escoar a produção rapidamente para que ela não apodreça, o qu

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