“É besteira dizer que não gostamos do setor privado”

A ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, tornou-se uma especialista em infraestrutura e é hoje um dos rostos do governo na defesa do modelo de concessões de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Mesmo com as dificuldades do primeiro leilão, que não atraiu interessados para a BR-262 (MG/ES), a ministra avalia que o modelo proposto é equilibrado e garante: é “besteira” a visão de que o governo procura limitar os ganhos de investidores.


Ela reconhece, no entanto, que será preciso recuar. No processo de diálogo com a iniciativa privada, o governo não descarta retirar do programa trechos que antes seriam concedidos, caso não seja possível viabilizar investimentos com tarifas módicas de pedágio. “O que deixa uma concessão de pé é a capacidade e a concordância do usuário em pagar aquela tarifa”, diz Gleisi. Segundo ela, se o volume de investimentos e uma taxa de retorno adequada aos empresários forem incompatíveis com esse nível de pedágio, a opção será ampliar a capacidade das rodovias por meio de obra pública. Essa avaliação já está sendo feita com a BR-101, na Bahia, e pode alcançar outros lotes. “Temos que lançar [os editais] no mercado, saber a reação e sentir se elas são exequíveis ou não nesse modelo.”


Gleisi critica as concessões feitas durante o governo Fernando Henrique Cardoso, mas também tem observações sobre os pedágios muito baixos instituídos no governo Lula. Quanto às críticas do economista tucano Edmar Bacha, que apontou a falta de competitividade do atual modelo de concessões, a ministra é taxativa: “É sempre bom fazer uma autocrítica antes de apontar o dedo”.


Paciente para explicar cada detalhe dos leilões de infraestrutura, ela muda o tom para falar das empresas aéreas, que têm buscado socorro do governo. Gleisi diz que o Palácio do Planalto já fez “um esforço grande” para ajudá-las e ressalta que não há pressa em anunciar novas medidas. “Desoneramos a folha de pagamento, suspendemos o aumento de taxas de navegação aérea e retiramos tarifas de aeroportos regionais. Infelizmente, o retorno que tivemos das empresas foram demissões, enxugamento de rotas e aumento das passagens.”


A seguir, os principais trechos da entrevista que a ministra deu ao Valor em seu gabinete:


Valor: O governo lançou o programa de concessões há mais de um ano e o primeiro leilão de rodovias ficou longe do sucesso esperado. O modelo está errado?


Gleisi Hoffmann: O modelo é adequado. É resultado de uma análise dos processos de concessões de rodovias que tivemos até agora. As primeiras concessões, no governo Fernando Henrique, tinham foco na arrecadação. Vendia-se o direito de explorar uma rodovia, sem necessariamente uma preocupação com o investimento e o nível de serviço. Temos hoje pedágios caros. A segunda fase de licitações de rodovias, para se contrapor a esse modelo, adotou o critério de menor tarifa. Conseguimos pedágios baratos, mas não necessariamente retorno em termos de investimentos necessários para melhorar algumas rodovias.


Valor: E agora?


Gleisi: Buscamos um modelo equilibrado. O que deixa uma concessão de pé é a capacidade e a concordância do usuário em pagar aquela tarifa. E não necessariamente a TIR. Deu-se muito foco à taxa interna de retorno.


Valor: O que a senhora quer dizer com “muito foco à taxa de retorno”?


Gleisi: Primeiro, falava-se que não queríamos que o empresariado tivesse lucro e que não gostamos da iniciativa privada. Isso é uma besteira. É como se ficássemos em torno de uma mesa discutindo como ferrá-los. Óbvio que não! Todas as nossas discussões eram e são para ter um modelo equilibrado, com retorno ao investidor, mas com sustentabilidade na tarifa.


Valor: O ministro Guido Mantega errou ao enfatizar as variáveis financeiras?


Gleisi: Não, de forma alguma. As questões financeiras foram muito bem equacionadas: o project finance, taxas de juros, garantias e até mesmo a reavaliação da TIR. O fato de as empresas se dedicarem a um estudo mais refinado depois da publicação dos editais é que faz com que estejamos vendo alguns problemas agora. Às vezes, a capacidade das empresas de estudar concomitantemente essas concessões e nos dar retorno sobre a realidade também é limitado. Ninguém havia investido tempo, dinheiro, energia antes do lançamento dos editais.


Valor: É por isso que o leilão da BR 262 não teve interessados?


Gleisi: Tivemos três problemas. O primeiro foi a realização de leilões concomitantes. Nesse primeiro lote, houve um interesse maior na BR-050, mas a BR-262 era uma concessão atrativa. Outro ponto é que a rodovia está no Espírito Santo, um Estado com histórico de contrariedade com pedágios. Isso foi reforçado com as manifestações do governador e da bancada. Em terceiro, acredito que houve falhas de comunicação. Pelo menos uma resposta dada pela ANTT teve impacto [na avaliação dos investidores].


Valor: A senhora se refere ao risco de o Dnit não concluir sua parte nas obras e não haver como reembolsar o investidor?


Gleisi: Sim. Se uma obra pública não é feita e compromete o processo, isso é responsabilidade do Estado, o que gera a possibilidade de reequilíbrio econômico do contrato. Foi de fato uma resposta equivocada [da ANTT].


Valor: A senhora considera que um pedágio de R$ 12, como previsto na BR-101 (na Bahia), terá a concordância dos usuários?


Gleisi: O modelo está correto, mas pode ser que não consigamos encaixá-lo para algumas rodovias porque têm pedágio muito alto ou porque não poderão remunerar o investidor como ele quer. No caso da BR-101, o próprio ministro César Borges pediu para deixá-la para o final, a fim de termos uma avaliação melhor. Se chegarmos à conclusão de que é impossível fazer concessão, vamos migrar para obra pública.


Valor: Há intenção em rever trechos de algumas concessões?


Gleisi: Não é impossível reavaliar isso, mas precisamos de um tempo para todas as respostas. Estamos ouvindo as empresas, o mercado, as construtoras. O ministro César Borges está coordenando esse processo.


Valor: É possível que rodovias saiam do plano de concessões?


Gleisi: É possível uma avaliação como essa. Temos que lançar [os editais] no mercado, saber a reação e sentir se elas são exequíveis ou não nesse modelo. Se a combinação de capex [volume de investimentos] e de taxa de retorno requer uma tarifa que onera demais o usuário, então a concessão não se viabiliza.


Valor: A duplicação das rodovias em cinco anos é “cláusula pétrea”?


Gleisi: Não diria que ela é cláusula pétrea, mas é importante para que se possa responder às necessidades do país. Temos estradas em que a demanda já requer duplicação em prazo imediato. Não dá estender os investimentos em 10 ou 15 anos. Não teria aderência à realidade.


Valor: As empreiteiras também criticam a ausência de previsão para riscos de contingência. O governo estuda permitir correções na tarifa em caso de eventos inesperados?


Gleisi: A contingência tem impacto na tarifa. É preciso calcular esse impacto. Alguém tem que pagar e precisamos de muita cautela para fazer esses cálculos. Se é uma concessão, quem paga é o usuário.


Valor: Qual será a próxima rodovia a ser leiloada?


Gleisi: O TCU nos informou que deve apreciar os processos de novos lotes nesta ou na próxima quarta-feira. Se o tribunal liberar nesta semana, talvez possamos lançar em seguida o edital da BR-060 ou o da BR-163. Aí, são 30 dias até o leilão.


Valor: O consórcio vencedor da BR-050 não incluiu nenhuma das grandes empreiteiras. Por quê?


Gleisi: Elas têm um portfólio maior de obras que já estão tocando e são empresas mais alavancadas. Quando entram em um processo como esse, têm uma margem e precisam de uma garantia maior. O Consórcio Planalto, com nove empresas, p

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