Os principais candidatos à Presidência da República receberam da Confederação Nacional da Indústria (CNI) nos últimos dias um documento com sugestões de mudanças no programa de concessões federais em infraestrutura. O documento, obtido com exclusividade pelo Valor, engloba diferentes setores – mas mapeia preocupações principalmente sobre as ferrovias e a capacidade de a União subsidiar os investimentos.
Anteriormente, o receio sobre as licitações no segmento ficou concentrado no “risco Valec”, já que a estatal – que é alvo de desconfianças do setor privado por ter figurado em meio a denúncias de corrupção, entre outros problemas – será responsável por remunerar o investimento do futuro concessionário durante todo o prazo de contrato (35 anos). Mas, mesmo que esses pagamentos recebam garantia do Tesouro Nacional, por exemplo, o receio permanece – transformado em uma espécie de “risco Tesouro”. “Sem dúvida, o risco financeiro existe, mas é um equívoco associá-lo à Valec. O risco não é de a estatal não ter capacidade de pagamento, porque certamente não terá, mas sim da incerteza quanto à capacidade e ao comprometimento da União de alocar recursos orçamentários, independentemente das vicissitudes enfrentadas pelas contas públicas ao longo do tempo”, informa o documento.
A entidade ainda defende que a antecipação de receitas da Valec aos concessionários ainda no período de obras (15% do valor devido ao longo dos contratos) não é suficiente. “A alternativa capaz de atrair esses investidores seria a emissão pelo Tesouro Nacional, em favor da Valec, de títulos da dívida pública com uma escala de vencimentos compatível com o fluxo esperado de subsídios a serem desembolsados ao longo do tempo. Essa alternativa não parece viável, no entanto, por seu impacto imediato no montante da dívida pública da União”, diz a CNI.
Quando lançado, há quase dois anos, o programa de concessões estimava R$ 90 bilhões em investimentos totais em 12 trechos de ferrovias. Hoje, no entanto, o governo tem focado as discussões somente em sete lotes. Um deles está mais avançado e deve ser o primeiro a ser licitado. Trata-se da linha entre Lucas do Rio Verde (MT) e Campinorte (GO), na região produtora de grãos, com 883 quilômetros de extensão e custo estimado em R$ 5,3 bilhões, segundo o governo.
As restantes seis linhas que estão sendo debatidas têm valor calculado em R$ 30 bilhões pelo Ministério dos Transportes. Serão, portanto, R$ 35 bilhões nessa primeira fase. A maior parte desse investimento ficará concentrada nos primeiros cinco anos dos contratos, prazo em que a construção deve ser concluída. O concessionário investe e recebe trimestralmente do governo durante as obras uma antecipação de até 15% das receitas totais a que tem direito. Depois, a Valec compra toda a capacidade de movimentação da ferrovia e começa a fazer o restante dos pagamentos à empresa. No decorrer dos anos, espera-se que clientes privados cheguem para movimentar cargas e comprem cotas de movimentação da Valec, diminuindo gradativamente a necessidade de bilionários subsídios públicos.
Com exceção do primeiro trecho a ser licitado, os interessados podem manifestar interesse em fazer os estudos de engenharia das ferrovias até o dia 29 de julho. A partir daí, o governo autoriza as empresas para o trabalho. Elas terão de seis a oito meses para fazer os estudos.
Na visão da CNI, há também receios sobre a legislação que versará sobre as ferrovias. Apesar de estarem enquadradas no modelo de concessões simples, o modelo é “inequivocamente”, diz a entidade, um regime de parceria público-privada (PPP) – por ter risco garantido pela União. Outro receio são as várias companhias concorrentes movimentando trens sobre os mesmos trilhos, o que poderia estimular a eficiência na visão do Planalto – uma visão que não é unânime. “A avaliação da experiência da Grã-Bretanha, a mais antiga, e de outros países europeus, indica que o livre acesso de operadores independentes à infraestrutura ferroviária não gerou o nível de concorrência que era esperado, frustrando assim o objetivo central do modelo”, diz o documento.
A análise feita pela CNI teve a consultoria de Eduardo Augusto Guimarães, ex-secretário do Tesouro. A entidade ouviu a opinião de investidores de logística e de empresas relacionadas ao setor industrial. Nos portos, a principal recomendação é a privatização ou concessão das Companhias Docas, responsáveis por gerir os espaços onde operam os terminais e contratar serviços de dragagem e sinalização, por exemplo. “As Companhias Docas precisam melhorar a eficiência. Na Bahia, por exemplo, um navio demora 40 dias para atracar. Uma privatização ou concessão resolveria o problema”, afirma Wagner Cardoso, gerente-executivo de infraestrutura da CNI.
Para Cardoso, as licitações de aeroportos têm sido “excelentes”. Mas a CNI sugere que, nos próximos leilões, a estatal Infraero não tenha uma fatia dos consórcios. Hoje, ela fica com 49% de participação – enquanto as empresas privadas ficam com 51%. “Nas próximas licitações, esse mecanismo poderia ser substituído pela destinação a essa companhia [Infraero] de uma parcela da contribuição variável anual paga pela concessionária.” Sobre as rodovias, Cardoso acredita que as licitações estão bem encaminhadas, mas sugere mais PPPs. Em licitações de petróleo e gás, as recomendações versam sobre eliminação da obrigatoriedade de participação da Petrobras em exploração.
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