Perto de completar dois anos, a financeirização dos fundos regionais de desenvolvimento começa a destravar os repasses para investimentos no Norte e no Nordeste do país. Decretos assinados em novembro de 2012 pela presidente Dilma Rousseff alteraram de contábil para financeira a natureza do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE) e Fundo de Desenvolvimento da Amazônia (FDA). A mudança livrou os fundos da dependência de espaço fiscal da União, derrubando em mais de 80% o prazo médio para liberação dos recursos.
Responsável pela gestão dos fundos, juntamente com a Sudene e a Sudam, o Ministério da Integração Nacional informou ao Valor que o prazo médio para saque no FDNE caiu de 231 dias para 20 dias após a financeirização. No FDA, a redução foi de 168 dias para 30 dias.
A maior agilidade no fluxo aguçou o interesse das empresas pelo instrumento. Em abril, a carteira de pedidos do FDNE somava pouco mais de R$ 10 bilhões, valor cinco vezes maior que o total empenhado pelo governo para o fundo em 2014. Diante disso, o ministério pediu ao Tesouro um aporte adicional de R$ 5 bilhões na dotação orçamentária do FDNE.
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Apesar de terem sido criados em 2001, os fundos regionais de desenvolvimento só começaram a liberar dinheiro em 2006, ainda assim a conta-gotas. De natureza apenas contábil, FDNE e FDA recebiam dotações no Orçamento da União, mas na hora do desembolso efetivo dependiam de um espaço fiscal que nem sempre estava disponível. Assim, a liberação efetiva dos recursos se arrastava por meses, obrigando as empresas interessadas a recorrer a empréstimos-ponte, mais caros, para tocar adiante os investimentos.
O modelo das operações também era complexo. O tomador fazia uma emissão de debêntures e deixava os papéis sob custódia dos bancos operadores. Na hora do pagamento, o investidor tinha a opção de resgatar tudo ou emitir 50% do montante devido em ações. “Tudo isso gerava dificuldades para as empresas. Mas o principal entrave era mesmo o fiscal”, lembra o secretário de Fundos Regionais e Incentivos Fiscais do Ministério da Integração, José Wanderley Uchoa.
Um exemplo de transtorno foi vivido pela ferrovia Transnordestina, quem tem no FDNE seu principal financiador. A demora nos repasses das parcelas era constantemente mencionada por executivos da CSN, dona do projeto, para justificar os atrasos nas obras. Procurada, a empresa preferiu não se pronunciar sobre o novo modelo do fundo.
A solução encontrada pelo governo foi transferir para os bancos federais o risco dos empréstimos, o que eliminou a necessidade de espaço fiscal. Para aumentar as garantias, o governo decidiu incluir o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal na operação, que até então era tocada apenas por Banco do Nordeste e Banco da Amazônia.
Com a financeirização, a inadimplência é assumida pelos bancos, que também ficam com a remuneração das operações, de 2,5%. Os empréstimos custam entre 6% e 7,5% ao ano, com pagamento em 12 anos. A carência é de um ano após a entrada em operação dos empreendimentos. Os investimentos em infraestrutura pagam taxas menores.
Além de FDNE e FDA, há ainda o FDCO, voltado à região Centro-Oeste, que ainda está em fase preliminar. Os fundos de desenvolvimento são voltados a operações de mais de R$ 50 milhões, ou a empresas com faturamento superior a R$ 35 milhões por ano. Para transações menores, existem os fundos constitucionais Finor (Nordeste) e Finam (região amazônica).
Entre os pleiteantes, há empresas vencedoras de concessões de rodovias, de saneamento, fabricantes de equipamentos eólicos, mineradoras e uma montadora de automóveis. Recentemente, o governo decidiu excluir dos possíveis beneficiários as empresas de geração e transmissão de energia. Com grande número de projetos no Nordeste, sobretudo eólicos, o setor poderia, sozinho, absorver todo o dinheiro dos fundos. “Essas empresas já têm um funding importante com o BNDES “, afirma Uchoa.
Fiat, Braskem e Odebrecht estão entre os grandes tomadores dos fundos após a financeirização. O Valor apurou que a montadora italiana tomou R$ 800 milhões com o FDNE para a construção de uma fábrica para 200 mil carros por ano em Pernambuco. A empresa não comentou a informação até o fechamento desta edição.
Em 2013, dos R$ 2,022 bilhões alocados no FDNE, pouco mais de R$ 1,1 bilhão foram para a indústria e R$ 433 milhões, para infraestrutura. Os R$ 471 milhões restantes atenderam a projetos ligados ao turismo. No FDA, de R$ 1,39 bilhão, a indústria absorveu R$ 1,26 bilhão. Infraestrutura ficou com R$ 136 milhões.
O objetivo do governo é que os fundos cresçam e fiquem independentes. Nesse sentido, a financeirização também mudou uma regra pela qual o Tesouro recolhia, no fim do ano, os recursos que não fossem emprestados, bem como as remunerações e resultados das operações, que agora voltam para o fundo.
A projeção atual é que o FDNE chegue a 2025 com um saldo de R$ 46 bilhões em carteira e R$ 5 bilhões em operações anuais. Para o FDA, são esperados R$ 32 bilhões de saldo e R$ 3,7 bilhões em empréstimos.
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