Bancário apaixonado por trens projeta ‘cidade dos sonhos’: ‘me sinto uma criança’

Uma igreja e um hotel se destacam sobre a montanha, de onde
se podem ver casas, o sobrevoo de um balão e um povoado recortado por ferrovias
e trens de diferentes modelos. O cenário que remete à cidade dos sonhos de uma
criança compõe a maquete projetada pelo bancário Marco Túlio Branco Portugal,
de 50 anos, para dar vida a uma paixão que o acompanha desde a infância.

Com a estrutura de 16 metros quadrados que construiu sozinho
em casa, o ferromodelista de Ribeirão Preto (SP) concretiza o desejo de ser
maquinista.

Se o passatempo demanda trabalho e dedicação de adulto, por
outro lado, reanima em Portugal o que há de mais mágico em ser criança: a
imaginação.

“Eu me sinto uma criança, uma criança crescida. A sensação é
a melhor possível. Eu me desestresso, me esqueço de tudo”, diz o bancário, ao
tentar descrever seu mundo particular.

 

Paixão de criança

 

A ligação de Branco Portugal com os trens começou quando o
menino, apaixonado pelas ferrovias, fazia os pais o levarem à estação mais
próxima só para ver o trem passar. Quem fizesse a ele a clássica pergunta “o
que você vai ser quando crescer?”, ouviria “maquinista” como resposta.

O tempo passou, e o menino abriu mão do sonho para se dedicar
aos estudos. Virou advogado e, mais tarde, bancário. A paixão, que nunca tinha
sido esquecida, ganhou uma segunda chance há 36 anos quando ele começou a
colecionar as primeiras réplicas de trens.

“É necessário um controlador, alguns pedaços de trilho, que
é o básico quando se começa. Aí vem uma locomotiva e três vagões”, explica.

De lá pra cá, Portugal nunca mais parou. Começou pequeno,
com poucas locomotivas, até chegar à maquete que ocupa quase um cômodo inteiro
em sua casa. Para conseguir fazer tudo, teve que aprender técnicas de
marcenaria, paisagismo e urbanismo, além de exercitar a paciência.

“Vou pensando em detalhes, que casa vou colar, que figura
vou colar, que trem vou usar, que locomotiva vou usar pra puxar esse trem.
Imagino que o trem está carregado, mesmo que ele não esteja, que vou colocar a
locomotiva mais forte, porque vai pegar mais vagões pelo caminho.”

Isso sem contar as inúmeras viagens para conhecer e filmar
trens da vida real que o inspiram a remodelar sua cidade de tempos em tempos,
de Campos do Jordão (SP) a Bariloche, na Argentina. “Este ano, quando eu voltei
de Campos do Jordão, fui conhecer uma cidade de Minas chamada Jeceaba. Lá tem a
Ferrovia do Aço. Sempre foi um sonho meu conhecer”, exemplifica.

O resultado compensa. Todos os trens instalados, que levam
minérios, grãos, combustível e passageiros, são réplicas de veículos que
transitaram ou ainda transitam pelas ferrovias brasileiras, assim como a
garagem de locomotivas. “É uma cidade dos sonhos, um projeto do meu gosto, como
eu gostaria que fosse uma cidade para eu morar.”

Um cenário capaz de prender a atenção do bancário por até
cinco horas por dia nos fins de semana, quando ele coloca as máquinas,
automatizadas com controle sem fio, para rodar. “Gosto de videogame também, mas
não me transporto para dentro dele. Quando estou aqui eu me transporto para
dentro da minha ferrovia”, diz.

 

História em escala

 

A paixão de Portugal pelos trens em miniatura é alimentada
pelo trabalho desenvolvido em uma fábrica, que há 50 anos transporta a
realidade das ferrovias para dentro de lares mundo a fora. Naquela época, a
chegada do trem elétrico ao Brasil despertou no engenheiro civil Galileu
Frateschi o desejo de empreender no ramo do entretenimento e os brinquedos
conquistaram sua atenção. Aos poucos, bichos de pelúcia e peças educativas em
madeira foram deixados de lado e a empresa trilhou novos rumos.

“Havia outra fabricante no Brasil. A brinquedos Atma foi uma
empresa conhecida e ela tinha uma linha de trens elétricos. Nós começamos fazendo
pequenos acessórios para acompanhar uma marca que já existia no mercado. A Atma
faliu no início dos anos 80 e nós começamos a ampliar a gama de produtos”,
explica o diretor Lucas Frateschi, terceira geração da família na produção dos
trens em miniatura em Ribeirão Preto.

Com a fatia agregada, a oferta cresceu e chegou a 200 itens,
passando por trilhos, locomotivas, vagões de carga ou de passageiro, e até
peças que ilustram as cidades de faz de conta, como a de Marco Tulio. Os trens
seguem à risca os projetos originais de gigantes da ferrovia. Tudo
minuciosamente estudado e adequado à escala 1:87, conhecida mundialmente pelas
miniaturas.

“Apesar de não ser muito vista pelas pessoas comuns, o
Brasil tem uma história muito rica na ferrovia. Existe acervo, pessoas que
possuem catálogos, bibliotecas e que já trabalharam na ferrovia no passado. O
projeto de uma locomotiva aqui leva dois anos pra ser concluído. É uma produção
industrial, não é artesanal como muitas pessoas imaginam. Todo produto que você
vê na nossa linha são réplicas. Não tem nada inventado”, diz Lucas.

Em um passeio pelo estande é possível ver reproduções de
máquinas históricas, como a 3070-CPEF, a primeira locomotiva elétrica projetada
e construída no Brasil, em 1967, nas oficinas da General Electric do Brasil, em
Campinas (SP), para a Cia. Paulista de Estradas de Ferro.

Dentre as locomotivas mais charmosas estão os modelos do
século XX, da norte-americana Ten-Wheeler. Movidas a vapor, foram utilizadas
para transportes de passageiros a curtas distâncias e para puxar cargas. Chamam
atenção a pintura, as rodas, a chaminé, os eixos.

Quem fica tentado, pode começar a brincadeira com o kit
básico, que combina uma locomotiva, três vagões, um oval de trilhos e o
controlador de velocidade. A partir deste pacote, vendido a R$ 360, é possível
ampliar a ferrovia e construir maquetes do tamanho que couber na imaginação.

A fábrica da família Frateschi ostenta o curioso status de
única no setor em toda a América Latina. Por trás dos muros altos e discretos
dos galpões no bairro Vila Carvalho, 25 funcionários treinados trabalham, com
olhos atentos e mãos habilidosas, nos detalhes das peças vendidas em sete
países. Depois do Brasil, os principais compradores são os argentinos, que
possuem uma forte ligação com a cultura férrea.

Para Lucas, a chave para manter a atividade viva há tanto
tempo está na constatação de que o trem é um brinquedo clássico, capaz de
atrair jovens e adultos pela magia.

“Alguns clientes têm maquetes e a diversão deles é
interagir com os filhos. As crianças vão crescendo e vão se desinteressando
naturalmente por isso, mas o interesse pelo trem já foi plantado e a gente
acredita que, em algum momento, esses meninos voltam para brincar com os trens
por uma recordação do pai ou do avô.”

Em meio a avalanche de novidades tecnológicas e de
equipamentos eletrônicos, cada vez mais desejados por crianças, o empresário
acredita que os pais possam ser os grandes incentivadores da sobrevivência das
brincadeiras de antigamente.

“Hoje em dia, a criança é muito mais convidada pelo
adulto que se interessa e que enxerga uma utilidade mais lúdica no produto, no
sentido de interação, de fazer a criança pensar. Eu costumo chamar o trem
elétrico de produto do bem. Ele não faz mal pra ninguém, não pede pra matar
ninguém, não pede pra competir com ninguém. Poder oferecer um produto que, no
geral, encanta a família toda, é uma satisfação.”

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