Conclusão da Ferroeste custa R$ 10 bilhões; mas há como salvar a ferrovia?

Era novembro de 1987. O então governador Alvaro Dias
anunciou a criação da Ferroeste, uma empresa que iria construir a “ferrovia da
produção”. Os jornais publicaram um mapa, com o traçado planejado: do interior
do Mato Grosso do Sul até Paranaguá, sob medida para escoar a safra agrícola.
Do projeto original, só metade foi construído – 250 km de trilhos ligando
Cascavel a Guarapuava. O restante virou promessa que nunca saiu do papel.
Chegamos a outubro de 2017. A Ferroeste começa a fazer uma série de audiências
públicas para relançar toda a obra, a um custo estimado de R$ 10 bilhões. Mas
será que desta vez é para valer?

O governo estadual diz que sim, que este é o melhor momento
para a construção da ferrovia em todos os anos da Ferroeste, criada
oficialmente em março de 1988. Para tanto, conta com um trunfo na manga – no
caso, um parecer jurídico da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) de fevereiro de
2017. O documento diz que o Paraná pode fazer uma concessão dentro do seu
limite territorial independentemente do aval da União. Além disso, aponta a
possibilidade legal para a empresa fazer uma subconcessão do trecho que opera.

Esse parecer (03/2017), portanto, dá autonomia para o
governo estadual, controlador da Ferroeste, conduzir a expansão da malha da
maneira que achar melhor. Até então, era esperada a autorização do governo
federal. Em 2015, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) negou o
pedido para uma nova concessão no Paraná, alegando que isso poderia prejudicar
a atual concessão do trecho Guarapuava-Paranaguá, operado atualmente pela Rumo
Logística. Mas, antes disso, o governo federal já havia apoiado o projeto, como
forma de atender os anseios do agronegócio do Oeste do Paraná e do Mato Grosso do
Sul.

“A ANTT achava que se permitisse a expansão da Ferroeste
poderia ter problemas na Justiça. Mas, como o estado do Paraná não participou
de tratativas anteriores, não tem nenhum impedimento para fazer”, explica o
secretário de Infraestrutura e Logística do Paraná, Pepe Richa. Segundo ele, a
PGE fez um estudo detalhado, que dá segurança jurídica para o modelo atualmente
em discussão. O secretário diz acreditar que, politicamente, não haverá
entraves à expansão da Ferroeste.

A aposta na iniciativa privada para tocar a obra também é um
fato novo. Por muitos anos se esperou verba da União para a construção da malha
ligando Cascavel a Dourados (MS) – trecho federal concedido à Ferroeste, que
nunca saiu do papel. A recente aquisição do Terminal de Contêineres de
Paranaguá (TCP) pela gigante de operações portuárias China Merchants por R$ 2,9
bilhões animou o governo, que vê nas empresas estrangeiras potenciais
investidoras da expansão da malha ferroviária. A obra toda, quando iniciada,
deve levar 10 anos para ficar pronta. Até lá, vence o atual contrato da Rumo
com o governo federal, em 2027, e por isso a Ferroeste avalia que não haverá
concorrência com outra ferrovia.

 

Obstáculos

 

Entretanto, há várias barreiras a serem superadas. Pelos
estudos conduzidos pela PGE, a Ferroeste concluiu que terá de fazer duas
licitações separadas: uma para subconceder o trecho federal entre Dourados a
Guarapuava, atualmente sob concessão da Ferroeste, e outra para uma nova
concessão estadual entre Guarapuava e Paranaguá. No primeiro caso, é necessário
construir 350 km de trilhos; no segundo, 400 km de trilhos. O “fatiamento” da
obra, porém, foi criticado em audiência pública realizada em Curitiba pela
Ferroeste na última segunda-feira (9).

“Isso é uma armadilha, não pode licitar separado”, disse o
ex-governador Mário Pereira, atual coordenador do Conselho Político da
Associação Comercial do Paraná (ACP). Para ele, há o risco de se repetir a
situação vivida hoje pela Ferroeste, que depende da Rumo para que sua carga
chegue até o Porto de Paranaguá.

Em resposta durante a audiência, o diretor-presidente da
Ferroeste, João Vicente Bresolin Araújo, afirmou que não há intenção de
“recriar” uma situação como a enfrentada hoje com a Rumo. Segundo ele, o Estudo
de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) da obra vai garantir os
termos da interoperabilidade entre os dois trechos. Mas será inevitável fazer
duas licitações, acrescentou.

Pelo cronograma original da Ferroeste, até janeiro deve ser
lançada uma Proposta de Manifestação de Interesse (PMI), para contratar a
empresa responsável pelo EVTEA, que deve custar cerca de R$ 25 milhões. Esse
estudo, que deverá ser concluído no prazo de 270 dias, vai definir o traçado da
obra, levando em conta a demanda, os custos, as necessidades ambientais e as
soluções de engenharia disponíveis. E serão necessários ainda o Estudo e o
Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima). Como não estarão prontos, a intenção
era de incluir um termo de referência para ser considerado no EVTEA.

Esses prazos, porém, podem sofrer alterações. Conforme o
engenheiro florestal Pedro Dias, diretor da consultoria Cia. Ambiental, o ideal
é que o EVTEA e o EIA/Rima sejam feitos em paralelo. “Não vai poder licitar o
projeto sem a Licença Prévia ambiental, e para tanto precisa do EIA/Rima.
Verificando a questão ambiental e de engenharia ao mesmo tempo, engrandece o
projeto”, afirmou durante a audiência realizada em Curitiba. Uma novidade de
engenharia, por exemplo, com reduzido impacto ambiental, é o sistema
“cantitravel”, em que as estacas de sustentação são cravadas de forma aérea,
com um maquinário originalmente usado em obras portuárias. Essa tecnologia foi
usada no Rodoanel em São Paulo.

A diretoria da Ferroeste pareceu gostar da sugestão.
Entretanto, o gerente de projetos da Secretaria do Planejamento e Coordenação
Geral (SEPL), Murilo Noronha da Luz, que coordenou estudos sobre a expansão
ferroviária, observou que o EVTEA é que vai definir o traçado da obra, e que
somente após isso poderá ser feito o devido relatório de impacto ambiental.
“Mas, definido o traçado, os dois estudos podem correr juntos. Pode haver um
certo atraso inicial, mas que vai dar um ganho de tempo mais para a frente”,
acrescentou.

A Ferroeste só vai fechar o edital da PMI após concluídas as
audiências públicas. A última foi realizada nesta segunda-feira (16), em
Dourados (MS), onde houve grande apoio político ao projeto. A premissa é
conceder toda a construção e operação para a iniciativa privada, sem uso de
recursos públicos. “Este é um projeto audacioso, claro que sim. Mas precisamos
pensar no futuro. Toda tarefa nossa é preparar nosso estado para daqui 50 anos.
Ou começa agora ou passa o tempo”, avalia o secretário de Planejamento, Juraci
Barbosa Sobrinho.

 

Demanda

 

Como 2018 é ano eleitoral, as licitações para as obras de
fato só serão feitas em 2019. A expectativa da Ferroeste é deixar tudo pronto
para que que o próximo governador dê continuidade à expansão. Será difícil não
abraçar o projeto: o setor produtivo do Paraná em peso apoia a iniciativa. “Além
de ser importante, é estritamente necessária, porque nossas cooperativas estão
se expandindo para o Mato Grosso do Sul e hoje somos 100% dependentes da atual
ferrovia”, diz Nelson Costa, superintendente-adjunto do Sistema Ocepar
(Organização das Cooperativas do Paraná). A expectativa é que a nova ferrovia,
com bitola mista ou larga, permita a utilização de trens rápidos – a velocidade
média na Malha Sul do Brasil foi de 11,8 km/h em 2016.

Segundo João Arthur Mohr, secretário-executivo da Federação
das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), chegaram até o Porto de Paranaguá
cerca de 10 milhões de toneladas de mercadoria por trem em 2016, dos quais 9
milhões da malha Norte (Maringá e Londrina) e apenas 1 milhão do Oeste. Por
causa da deficiência ferroviária, o transporte rodoviário ganhou espaço ao
longo do tempo. Em 1980, o modal ferroviário transportava 32% da carga que
chegou ao porto; em 2015, a participação caiu para 19%. Enquanto isso, os
caminhões passaram de 52% para 75% do total movimentado. Os dados constam do
Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto de Paranaguá (PDPZO).

Para Mohr, há três grandes vantagens na malha férrea em
relação à rodoviária: a questão econômica, já que o frete custa entre 20% a
30%; a questão de segurança, pelo fato de diminuir o número de caminhões nas
estradas; e a questão ambiental, já que a emissão de carbono é menor, tal como
o impacto na construção da ferrovia – a área de domínio é bem menor. Ele
reconhece as dificuldades para que os novos trilhos saiam do papel, mas diz que
é possível, se houver união do operador ferroviário, do setor produtivo, dos
governos e de algum grande investidor, possivelmente estrangeiro. “Sabemos que
o governo não tem recursos para aportar, mas pode pensar em alguma isenção de
imposto ou outra facilidade”, observa. “O importante é a obra sair. O Paraná já
tem um agronegócio de primeiro mundo, não pode ficar com uma ferrovia do século
19”, diz.

 

Rumo quer carga do
Oeste e do Mato Grosso do Sul

 

Os planos da concessionária Rumo Logística – que tem
contrato para operar a malha ferroviária do Paraná até 2027 – representam a
principal ameaça para o projeto de expansão da Ferroeste. A Rumo já solicitou à
ANTT a renovação do contrato de concessão e tem planos de captar a carga
agrícola do Oeste do Paraná e do Mato Grosso do Sul.

Ainda não há prazo para a ANTT definir a questão. A Rumo
conta com isso para, em troca, fazer investimentos e ampliação da malha atual
em valores estimados em torno de R$ 5 bilhões. O diretor comercial da
concessionária, Luis Neves, diz que esses planos trariam os maiores benefícios
para a sociedade. “Recapacitar a atual via exige um investimento bem menor e um
tempo bem inferior do que fazer uma nova”, observa.

Segundo Neves, a empresa planeja negociar um direito de
passagem com a Ferroeste, para captar a carga do Oeste do Paraná. Em relação ao
Mato Grosso do Sul, a intenção da Rumo é ampliar um ramal a partir de Maringá
em direção ao Noroeste, chegando a Porto Primavera (MS). A malha, porém,
continuaria com bitola métrica, tida como tecnologia defasada. “Precisamos de
base e trilhos que aguentem mais toneladas por eixo. As novas máquinas, que já
compramos, puxarão mais carga com mais velocidade. Isso que vai aumentar a
capacidade”, afirmou. Mesmo mantendo a bitola, a Rumo planeja chegar a 50
milhões de toneladas transportadas.

A empresa está apresentando seus planos para todos os
envolvidos e deve fazer uma apresentação de seus planos na audiência pública da
Ferroeste em Dourados, (MS), nesta segunda-feira (16). “Acreditamos na
renovação e estamos nos esforçando muito para ser um concessionário eficiente,
que traga soluções e capacidade para atender a demanda dos clientes”, afirmou o
executivo da Rumo. A empresa considera que a União não terá interesse em se
desfazer do seu patrimônio férreo, e que a malha atual continuará a ser
explorada. “A viabilidade econômica da ferrovia depende fundamentalmente de
escala. Se nós tivéssemos duas ferrovias, haveria problema de escala nas duas”,
acrescentou.

 

Leia também: Cadê a
Transnordestina?

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*