Disputa por Pampulha

Para ganhar votos do Partido da República (PR) na votação da
denúncia contra o presidente Michel Temer e dois de seus ministros por
obstrução à Justiça e organização criminosa, ontem, o governo cumpriu a
promessa feita ao ex-deputado Valdemar Costa Neto (PRSP), cuja sigla comanda a
Infraero. Temer retirou Congonhas do programa de privatização e reabriu o
aeroporto central de Belo Horizonte (Pampulha) a voos de longa distância,
operados por jatos — duas demandas da estatal. O ex-deputado foi condenado no mensalão.
A decisão foi mal recebida por políticos da bancada mineira e pelo consórcio
que administra o terminal de Confins, que passaria a disputar passageiros com o
de Pampulha. Ambos ameaçaram recorrer à Justiça contra a decisão. Os
administradores do aeroporto alegam que a medida afetará a credibilidade dos
leilões de infraestrutura do país, pois representa o “rompimento da segurança
regulatória”.

Decreto publicado ontem no Diário Oficial da União (DOU) não
incluiu Congonhas no Plano Nacional de Desestatização (PND). A privatização do
aeroporto havia sido anunciada em agosto, junto com outros 13 terminais do
Nordeste, de Mato Grosso, além de Vitória e Macaé. Também foi publicada uma
portaria do Ministério dos Transportes, reabrindo Pampulha, voltado, até então,
para voos regionais.

O leilão dos 13 aeroportos, no entanto, não será realizado
no mandato de Temer. De acordo com o último cronograma do Programa de Parcerias
de Investimentos (PPI), a licitação está prevista para março de 2019. Ou seja,
mesmo que os editais sejam lançados em novembro, conforme prevê o calendário,
quem assumir o país em janeiro poderá cancelar o certame.

Com a desistência da privatização de Congonhas, a equipe
econômica deixará de contar com R$ 6 bilhões para ajudar a fechar a contas em
2018. Segundo uma fonte graduada, a decisão vai forçar um corte adicional no
Orçamento de 2018, em valor semelhante à frustração da receita prevista.

GOL:
AUTORIZAÇÃO PARA VOAR DA PAMPULHA

Segundo estimativas oficiais, a reabertura do
aeroporto da Pampulha poderá retirar dois milhões de passageiros de Confins.
Segundo a Infraero, Pampulha chegou a contar com 3,2 milhões de passageiros em
2004 e sete empresas aéreas comerciais em operação. No ano seguinte, durante o
primeiro mandato de Aécio Neves (PSDB-MG) como governador de Minas Gerais, os
voos domésticos foram transferidos para Confins. No mesmo ano, Aécio autorizou
a construção da Linha Verde, via expressa que liga o Centro de Belo Horizonte
ao aeroporto de Confins. Em 2016, o número de passageiros por ano recuou para
300 mil, com apenas duas empresas aéreas. Este ano, há apenas uma. E quase 70%
do movimento são garantidos pela aviação executiva, não regular.

Confins recebe cerca de 10,5 milhões de passageiros por ano
e ainda busca se consolidar nas rotas internacionais. O aeroporto também tem
sido utilizado pelas companhias aéreas como hub (centro de distribuição de
rotas).

Os planos iniciais do governo, segundo técnicos, era
autorizar o aeroporto da Pampulha a receber jatos ao fim de um prazo de cinco
anos, quando o movimento esperado em Confins estivesse mais sólido. A
assessoria de imprensa da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) informou que
as companhias aéreas já podem apresentar pedidos de voos e começar a
comercializar bilhetes com destino na Pampulha.

O consórcio BH Airport — formado pelo grupo CCR e Zurich
Airport — que administra Confins, alega que o cenário não estava previsto
quando o consórcio fez estudos para disputar o terminal em leilão e alega que a
Anac deveria zelar pela integridade dos contratos assinados com o setor privado
para evitar desequilíbrios. Em nota, afirma que a reabertura de Pampulha
“condena” Confins à perda de conectividade, redução de opções de voos e aumento
de preço dos bilhetes. O grupo cita ainda conflito de interesses porque a
Infraero é sócia em Confins, com 49% de participação, além de ser operadora da
Pampulha.

“É necessária uma decisão firme, séria e imparcial por parte
do governo quanto a esse assunto, dada a sua relevância e os impactos que podem
ser causados ao mercado de infraestrutura do país. (…) Caso não seja revogada
a autorização publicada nesta quarta-feira (ontem), será obrigado a postular ao
Poder Judiciário a defesa de seus legítimos interesses”, diz a nota.

Os senadores Antônio Anastasia (PSDB-MG) e Aécio Neves
(PSDB-MG) protestaram no plenário do Senado contra a decisão. Anastasia
anunciou que serão tomadas medidas judiciais e acusou Temer de repetir a medida
provisória (MP) 579, aprovada no governo de Dilma Rousseff, que forçou a
redução de tarifas de energia e é considerada a origem da crise do setor. O
tucano disse, ainda, que a decisão colocava a segurança em risco.

— Isso é muito grave porque significará que, na medida em
que não temos em Belo Horizonte ainda movimento aéreo suficiente para sustentar
dois aeroportos, levaremos à precariedade de tudo aquilo que foi objeto de um
rigoroso trabalho de planejamento para dotar Minas de um aeroporto de porte
internacional — disse. — Oxalá que não haja problema de segurança no futuro e
que as autoridades que tomaram essa medida grave neste momento não se
arrependam, caso ocorra algum tipo de incidente aéreo no aeroporto da Pampulha.

Aécio também manifestou descontentamento com a medida do
governo:

— Quero ponderar aqui a impropriedade dessa portaria, que
representa um enorme retrocesso ao desenvolvimento de Minas Gerais. Equívocos,
quando são cometidos, têm de ser revistos.

Na opinião de especialistas do setor de aviação, a decisão
do governo tem motivações políticas e deverá fazer de Recife o terminal mais
disputado na próxima leva de aeroportos em leilão.

— Congonhas saiu porque a Infraero é feudo de um partido que
apoia o governo. É chamada de joia da coroa da estatal, junto com o Santos
Dumont — afirmou Respício Espírito Santo Júnior, professor de Transporte Aéreo
da UFRJ, que defende o fim da Infraero.

Para Alessandro Oliveira, especialista do Instituto
Tecnológico da Aeronáutica (ITA), há espaço para questionamento da decisão do
governo pelo consórcio BH Airport, de Confins:

— A companhia aérea sabe que vai ter um conjunto de
passageiros com outro perfil na Pampulha. Tende a ser um viajante mais
corporativo. É um aeroporto mais limitado, mas que pode ter voos rentáveis
porque é bem localizado. Terá aumento de demanda. Em tese, a BH Airport pode questionar
porque é evento não antecipado à época da concessão. Isso é chamado de risco
regulatório.

Ele pondera que a abertura de Pampulha a voos nacionais pode
beneficiar a capital mineira:

— A acomodação do mercado com a entrada de um novo aeroporto
vai trazer mais viagens. É possível que o preço da passagem caia. Vai ter mais
ociosidade, pode ter mais espaço para a concorrência. E isso sempre é bom.

Oliveira explica que o esvaziamento do aeroporto coincidiu
com uma fase de congestionamento em terminais centrais no país, com aumento da
demanda. A questão principal na ocasião era deixar mais voos para a aviação
regional.

Na prática, já há provas de que há demanda por voos na
Pampulha. A Gol pediu ontem mesmo à Anac autorização para operar voos regulares
no aeroporto mineiro. A Azul informou que está acompanhando as autorizações a
voos com aviões maiores no terminal e avaliará os próximos passos. A Latam não
tem voos previstos para o terminal, mas diz estar atenta às necessidades dos
clientes. A Avianca afirma que sempre avalia possibilidades que agreguem
resultados aos negócios e benefícios aos clientes.

Os preparativos para a reabertura da Pampulha aos voos
nacionais já vinham sendo feitos, como mostra o relatório anual da Infraero de
2016. Segundo o documento, no ano passado, a infraestrutura do aeroporto em
Belo Horizonte passou por adequações para atender aos requisitos para operações
com aeronaves de maior porte, como Airbus 318, Boeing 737-700 e Embraer-190. As
modificações incluem alterações em equipamentos de pista e reforma das
instalações do terminal de passageiros.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*