Fiscais do Ministério da Transparência e Controladoria Geral
da União encontraram indícios de superfaturamento de R$ 108 milhões em obras da
ferrovia Norte-Sul, um dos principais corredores ferroviários do país. Dois
relatórios aos quais o UOL teve acesso indicam irregularidades como pagamentos
em duplicidade, preços acima do valor de mercado e até o uso de madeira podre
na obra.
A ferrovia Norte-Sul é um projeto de infraestrutura que
começou há quase 30 anos, durante o governo do ex-presidente José Sarney
(PMDB). Atualmente, ela tem 1.575 quilômetros e liga as cidades de Açailândia,
no Maranhão, a Anápolis, em Goiás.
POD NOS TRILHOS
- Investimentos, projetos e desafios da CCR na mobilidade urbana
- O projeto de renovação de 560 km de vias da MRS
- Da expansão da Malha Norte às obras na Malha Paulista: os projetos da Rumo no setor ferroviário
- TIC Trens: o sonho começa a virar realidade
- SP nos Trilhos: os projetos ferroviários na carteira do estado
A ferrovia começou a ser construída em 1987. No decorrer dos
anos, a obra chegou a ser paralisada algumas vezes por diferentes motivos. Em
2013, por exemplo, o TCU (Tribunal de Contas da União) determinou a paralisação
das obras após verificar indícios de irregularidades. Além do trecho original
(entre Açailândia e Anápolis), foi adicionado um novo trecho, ainda em obras,
entre Anápolis e Estrela D’Oeste (SP).
Desde 2010, a obra já consumiu pelo menos R$ 11,7 bilhões. A
construção da ferrovia fica a cargo da estatal Valec, sob o comando do
Ministério dos Transportes. Consultada pela reportagem, a Valec informou que
está avaliando os relórios.
As irregularidades detectadas pelos fiscais da CGU foram
encontradas em dois trechos da ferrovia que, juntos, somam 545 quilômetros e
vão da divisa dos Estados de Tocantins e Goiás até a cidade de Anápolis.
Entre as irregularidades encontradas pelos fiscais estão a
baixa qualidade de trechos entregues por Torque/Azvi e Trial/SPA, consórcios
contratados pela Valec para realizar a obra.
Em um determinado trecho, os fiscais identificaram que a
madeira usada como dormente (peça no leito de uma estrada de ferro) estava
podre, apesar de ter sido inaugurado alguns meses antes. Em outro local, em que
foram usados dormentes de concreto, as peças estavam rachadas, apesar de o
fluxo na ferrovia ser baixo.
Em outro ponto, os fiscais verificaram que as empreiteiras
deixaram de colocar mantas de proteção nas encostas da ferrovia. Sem essa
proteção, as encostas ficam mais suscetíveis a erosão, colocando em risco a
operação da estrada de ferro. Num dos trechos, as chuvas chegaram a causar o
rompimento dessas encostas.
Os relatórios apontam que, apesar de alguns trechos terem
sido entregues pelas empreiteiras com irregularidades, a Valec recebeu e pagou
pelas obras, o que dificultaria medidas administrativas ou judiciais para que a
estatal obtivesse o ressarcimento dos valores ou a correção dos erros.
Os técnicos ainda apontaram que as irregularidades nas obras
resultaram em um atraso de dois anos para a conclusão dos trechos.
A CGU indicou ainda o superfaturamento no pagamento de
serviços que, segundo os técnicos, estariam acima do valor de mercado.
O órgão recomendou que a Valec inicie ações para obter o
ressarcimento dos R$ 108 milhões superfaturados nestes trechos, finalizados em
2016.
Falta de planejamento
e fraudes marcam história da ferrovia
Ao longo de 30 anos de obra, a ferrovia Norte-Sul ficou
marcada por episódios de falta de planejamento e corrupção.
Ainda em 1987, uma reportagem do jornal “Folha de S.
Paulo” indicou quem seria o vencedor da licitação para a construção do
primeiro trecho da ferrovia. A reportagem foi do jornalista Janio de Freitas,
colunista e membro do conselho editorial do jornal. Por meio de um anúncio de
classificado, o jornalista indicou quem seria o vencedos da licitação antes do
resultado oficial.
A VLI, concessionária que opera o trecho que vai de
Açailândia a Palmas, sofre com a falta de conectividade entre a ferrovia e as
rodovias brasileiras. Apesar de cortar trechos de Goiás, Tocantins e Maranhão,
novas frentes de exploração da produção de grãos, ainda faltam rodovias que
conectem a Norte-Sul aos principais produtores de grãos como Mato Grosso.
A corrupção também afetou a obra da ferrovia. Em fevereiro
deste ano, a PF prendeu o ex-presidente da Valec José Francisco das Neves, o
Juquinha. Ele é suspeito de ter recebido dinheiro de propina paga por
empreiteiras que atuaram na construção da ferrovia. Em entrevista à “Folha
de S.Paulo”, os advogados de Neves afirmaram que ele nega ter cometido
atos ilícitos.
Estima-se que o prejuízo causado à Valec tenha sido de R$
650 milhões. Só a construtora Camargo Corrêa, em seu acordo de leniência, se
comprometeu a devolver R$ 65 milhões aos cofres públicos.
Em julho deste ano, o ministro da Secretaria-Geral da
Presidência da República, Moreira Franco (PMDB), anunciou que o governo
pretende leiloar a concessão do trecho que vai de Porto Nacional (TO) a Estrela
D’Oeste (SP) por até R$ 1,5 bilhão. O leilão não foi realizado.
“Relatórios
estão sendo analisados”, diz Valec
Procurada pela reportagem, a Valec disse, por meio de sua
assessoria de imprensa, que “os apontamentos dos relatórios estão sendo
analisados” e que “todas as medidas necessárias serão tomadas após o
fim das tratativas com a CGU”.
A Valec disse ainda que os “apontamentos dos relatórios
já estão sendo respondidos” e que a “CGU solicitou novos
esclarecimentos que estão sendo analisados”.
A reportagem do UOL telefonou e enviou e-mails às empresas
que compõem os consórcios Torque/Azvi e SPA/Trail para obter um posicionamento
sobre o superfaturamento apontado pela CGU, mas até a publicação deste texto,
nenhuma resposta foi fornecida.
Seja o primeiro a comentar