Obra viária mais cara de SP, Rodoanel deve ser concluído com custo de R$ 26 bi

Quando o então governador de São Paulo, Mário Covas (PSDB),
lançou o edital do primeiro trecho do Rodoanel, em janeiro de 1998, a previsão
era entregar todo o anel viário metropolitano em oito anos ao custo de R$ 9,9
bilhões, em valores atualizados. Prestes a completar duas décadas, a construção
dos 177 quilômetros projetados para interligar as rodovias que chegam à capital
paulista deve ser concluída em agosto de 2018 pelo valor de R$ 26 bilhões, alta
de 163% que tornou a estrada que leva o nome de Covas a mais cara da história
do Estado.

Só o trecho norte, que está em construção desde 2013, deve
custar R$ 9,7 bilhões, segundo a gestão Geraldo Alckmin (PSDB), cerca de 30% a
mais do que o previsto para toda a obra. Com 44 quilômetros, a última alça do
anel viário sintetiza a sucessão de atrasos e acréscimos de custos que marcaram
a execução de todo o Rodoanel. Só os contratos com as empreiteiras, alvo de
investigação do Ministério Público Federal (MPF) por suspeita de
superfaturamento, tiveram reajustes de R$ 586 milhões, metade por causa da
lentidão das obras, que deveriam ter sido finalizadas no ano passado e vão
custar R$ 4,5 bilhões.

Já as desapropriações, apontadas pelo governo como o
principal entrave para o avanço da obra por causa de disputas judiciais,
custarão R$ 2,5 bilhões, mais do que o dobro do previsto. As desapropriações
também são investigadas por supostos desvios. Sucessivos aumentos fizeram com
que o trecho norte se tornasse o mais caro entre as quatro alças do Rodoanel.
Mas será o menos usado.

Segundo a Agência de Transporte do Estado de São Paulo
(Artesp), o trecho que vai conectar as rodovias Fernão Dias e Presidente Dutra,
deve receber uma média de 20 mil veículos por dia, 20% do fluxo do trecho oeste
(95,7 mil), inaugurado em 2002. Por todo o Rodoanel serão, em média, 192,2 mil
por dia – só nos 47 quilômetros das Marginais Pinheiros e Tietê, a taxa é de
mais de um milhão.

Custo-benefício. Para o engenheiro Horário Figueira, mestre
em Transportes pela Universidade de São Paulo (USP), a baixa demanda e o alto
custo colocam em xeque a eficácia do trecho norte, que deve retirar 18 mil
caminhões das Marginais. Segundo ele, ajudaria mais o metrô, como a Linha
6-Laranja, entre o centro e a zona norte. Essa obra tem custo similar (R$ 9,7
bilhões) mas beneficia 630 mil pessoas por dia. Com 15,3 quilômetros, a obra da
Linha 6 está paralisada há mais de um ano por problemas financeiros do
consórcio parceiro do Estado na construção. Um grupo asiático deve assumir a
obra em 2018.

Os R$ 26 bilhões do Rodoanel correspondem ao custo de 54
quilômetros de linhas de metrô, trem e monotrilho, que atenderiam 1,6 milhão de
pessoas. O cálculo considera o total previsto para a Linha 6 e outras três
linhas de transporte sobre trilhos atualmente contratadas pelo Estado na
capital.

“Se o Rodoanel tivesse sido feito quando foi concebido pela
primeira vez, na década de 1960, talvez tivesse ajudado a reordenar a mancha
urbana. Hoje a função é limitada e a demanda é por transporte de massa. Se é
para reduzir trânsito nas Marginais, nada melhor do que fazer linhas de metrô”,
diz ele.

Moradora da Brasilândia, zona norte, a desempregada Taís
Peixoto, de 32 anos, lamenta que a obra a ser concluída em 2018 seja o trecho
do Rodoanel que passa por trás de sua casa. A Linha 6 de metrô reduziria em
mais da metade o tempo até o centro. “Tive de deixar um emprego na 25 de Março
porque demorava duas horas para ir e duas para voltar. Não tinha com quem
deixar meu filho.”

Novo trecho. Com mais de dois anos de atraso, o governador
Geraldo Alckmin (PSDB) promete entregar o trecho norte do Rodoanel em 2018 em
duas etapas, a exemplo do que fez nos trechos oeste, em 2002, e leste, em 2014,
quando também comandava o Estado. Em março do ano que vem, último mês de
Alckmin no cargo caso ele dispute a eleição presidencial em 2018, deve ser
aberto o trecho entre a Avenida Raimundo Pereira de Magalhães e a Rodovia
Fernão Dias. Em agosto, deve ser aberto o trecho até a Dutra e a ligação até o
aeroporto de Guarulhos.

Custo. Responsável pela construção de três dos quatro
trechos do Rodoanel, a Desenvolvimento Rodoviário S/A (Dersa), estatal
controlada pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB), afirma que uma série de fatores
contribuíram para os sucessivos aumentos de custo da obra em relação ao
planejado há 20 anos.

A empresa destaca que os estudos do anel viário disponíveis
à época ainda eram preliminares e estavam limitados a “diretrizes de traçado”,
especialmente para os trechos sul, leste e norte. “Até mesmo a extensão total
da rodovia ainda não era bem conhecida. O anúncio (feito em janeiro de 1998)
informa 161,6 km e o Rodoanel terá 176,5 km de extensão total”, diz. Só o
trecho leste foi construído pela iniciativa privada por meio de contrato de
concessão.

A Dersa cita ainda que “não havia plantas de valores
confiáveis” para estimar custos das desapropriações na época e que o
desenvolvimento da região metropolitana no período, com aumento da mancha
urbana, “resultou na valorização de muitas dessas áreas em porcentuais bem
maiores que o da inflação”.

Além disso, o surgimento de ocupações irregulares exigiu
“programas sociais cada vez mais robustos para o reassentamento de famílias” e
“a legislação ambiental também sofreu revisões e se tornou mais rígida”, demandando
“soluções construtivas mais complexas e, via de regra, mais custosas”, como o
sistema de drenagem para conter eventual derramamento de carga tóxica no trecho
sul.

Ainda por causa da lei ambiental, segundo a Dersa, também
foram necessários controles de assoreamento, monitoramento da qualidade das
águas e presença de mais especialistas, o que reduziu a eficiência dos
trabalhos e elevou despesas.

Segundo o presidente da Dersa e secretário estadual de
Logística e Transportes, Laurence Casagrande, esses fatores fizeram com que o
trecho norte do Rodoanel se tornasse a rodovia “mais cara do País” em
construção. “É a mais cara porque é a mais difícil, a mais complexa. Ela está
espremida entre o que sobrou da zona rural e o Parque da Cantareira, cheio de
ocupações irregulares. Isso leva a um gasto altíssimo com desapropriação,
reassentamento, compensação ambiental e com a própria obra, que tem mais de 6
km em túnel.”

Sobre as suspeitas de desvios nas desapropriações, ele diz
que o governo é vítima de um esquema de fraudes. Em relação às suspeitas de
superfaturamento nas obras, ele afirma que as revisões de custo foram
necessárias e que colabora com as investigações.

Falha. Para o advogado Fernando Vernalha, especialista em
infraestrutura, a maioria dos casos de aumento de custos decorre de falhas no
projeto. “Não dá para minimizar a complexidade de uma obra desse porte, mas se
o projeto básico é bem feito você reduz o risco de intercorrências”, afirma.

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