Quem é a Scomi, a fabricante do monotrilho da Malásia

O paraense Halan Moreira deixou o
Brasil para estudar nos Estados Unidos e acabou iniciando sua carreira na
América do Norte no setor aeroespacial. Foi quando, numa visita a um fornecedor
em Cingapura, acabou conhecendo um pequeno veículo turístico que trafegava
sobre vigas. Perguntou ao seu anfitrião do que se tratava e teve como resposta
algo como: “é o monotrilho, mas este é pequeno. Você precisa conhecer o que
existe em Kuala Lumpur”.

A conversa narrada pelo executivo
marcou o início de seu interesse por aquele trem de ares futuristas, mas que
sempre era associado aos parques da Disney, nunca como uma opção de transporte
público. Não demorou para que Halan, já de volta ao Brasil, passasse a ser
representante da Scomi no país, uma das fabricantes desse tipo de trem no
mundo.

Hoje a pouco conhecida empresa da
Malásia está prestes a ter uma presença mais marcante no Brasil à medida que a
primeira linha de monotrilho que será operada com seu trem entra na reta final
de construção, a Linha 17-Ouro do Metrô de São Paulo. Além dela, a Scomi
participa também da concessionária VEM ABC, responsável por implantar e operar
a Linha 18-Bronze no ABC Paulista, e que deve começar a ser construída em breve
após um período de incertezas.

O blog conversou com Halan no
escritório da Scomi na zona sul de São Paulo (de onde é possível avistar a
futura estação Chucri Zaidan, onde passará seu monotrilho a partir de 2019)
para saber mais sobre os planos da empresa e também desmistificar vários mitos
a respeito do monotrilho.

 

– Halan, gostaria que você nos
contasse um pouco desse início da Scomi no Brasil e seu envolvimento com a
empresa.

 

Nossa empresa, a Bracell, se envolveu
com a Scomi no final de 2004 no que seria um relacionamento de representação
comercial. Em 2015 nossa empresa saiu de um status de representação comercial
para passar a ser sócio da indústria Scomi com objetivo de atender as Américas.
Ou seja, quando nós começamos a atender o estado de São Paulo já havia uma
necessidade de transporte de massa e também um conhecimento inicial sobre o
monotrilho. O que nós proporcionamos nesse primeiro contato foi dar uma
abrangência maior à tecnologia monotrilho ao abrir as portas da Malásia e da
Scomi para que eles conhecessem a operação do monotrilho no país.

 

– Quem é a Scomi?

 

A Scomi é uma empresa que atua em três
segmentos diferentes: transporte, marinho e energia, que envolve óleo e gás,
placas solares e sistema eólico. Na área de transporte são três divisões, a de
mobilidade onde ela é fabricante de monotrilho, de ônibus e de veículos
especiais como carros tanque, para uso em aeroportos, entre outros. Tem também
uma área de logística que é a Marin. Ela atua com embarcações, tem em torno de
95 navios que atendem mais do que tudo a indústria de óleo e gás, carvão
mineral para as termoelétricas da Indonésia. E na área de óleo e gás ela se
destaca em tecnologia única na fabricação de fluído para perfuração de petróleo
e no tratamento do lixo produzido por essa indústria pelo processo de
biorremediação transformando o material retirado do fundo do mar em
fertilizantes.

 

– E por que optar pelo modal do
monotrilho?

 

Ela viu uma deficiência na forma como
os corredores de ônibus eram operados na Malásia e em vários países onde a
demanda vinha crescendo e os cruzamentos nas vias são enormes. Para atender
essa demanda eles começaram a dar preferência aos corredores criando
congestionamentos nas cidades que ficaram impraticáveis. O primeiro ministro
pediu então que as empresas de mobilidade encontrassem uma solução porque já
havia duas linhas de metrô em construção mas que levariam ainda cinco anos para
serem completadas. Eles precisavam de algo rápido.

Foi aí que o monotrilho surgiu como
uma opção rápida e mais barata de transporte público. O projeto começou em 1996
e em 2003 a linha estava operando. A Scomi, que ainda não era fabricante de
monotrilho, formou uma parceria com a Hitachi, do Japão. Foi aí que ocorreu a
crise dos Tigres Asiáticos em 1998 e a obra, que tinha apenas pilares e vigas
construídos, parou. Como a Hitachi deixou de receber do governo acabou
abandonando o projeto.

Então, surgiu o desafio e uma
oportunidade para a Scomi, fabricar ela mesma o monotrilho. Mesmo sendo
estreante no segmento, a empresa decidiu inovar ao construir o primeiro
monotrilho com refrigeração a água do mundo. Até então os monotrilhos eram como
todos os trens convencionais, refrigerados a ar tanto que todas as linhas do
Japão, com exceção da última, são refrigerados a ar.

Para explicar melhor, esses trens são
elétricos e seus inversores esquentam. Para resfriá-los, assim como o motor,
antes você usava grandes ventiladores que geravam peso e vibração, era um
impacto grande no peso do trem. Em vez de carregar mais gente eu tinha que carregar
equipamento. Com a refrigeração a água ganhamos em performance, o que tornou
essa mudança foi fundamental, aponto de todos os fabricantes terem adotado esse
sistema.

Outra questão bem interessante da
Scomi é que ela tem o viés de operador, ou seja, o foco não era apenas vender o
trem, o ônibus, ela queria operar as linhas. Ela tinha essa característica de
vender e operar o monotrilho, mas em Kuala Lumpur ela perdeu essa operação com
a bandeira da integração tarifária que uniu todos os modais.

 

– O que governo da Malásia fez na
época?

 

Eles disseram o seguinte: será preciso
ter uma integração tarifária de todos os modais, que tinham operadores
diferentes. Com tantas empresas envolvidas, ninguém chegava a um acordo porque
todos queriam uma participação maior. Foi aí que o governo malaio decidiu
comprar todos os sistemas. Foi um investimento muito grande, mas a única
maneira que ele conseguiu para fazer isso. Quem não quisesse vender não era
obrigado, mas como a tarifa seria fixa, apenas com reposição da inflação,
passaria a ser um mau negócio. Um trecho de 10 km que custa 80 centavos paga a
operação e a manutenção. Se fosse uma empresa privada não daria lucro e não
teria como comprar mais trens ou expandir a rede. Teria de existir subsídios.
Por isso o governo comprou todas as linhas e fez a integração entre todos os
modais que acabou há cerca de dois anos.

 

Recentemente, a Scomi entregou seis
trens de quatro carros para o Metrô de Kuala Lumpur. Esses novos trens foram
importantes porque se tratam de composições modulares com foco em manutenção do
sistema. Por exemplo, se eu tenho que fazer uma manutenção no nosso monotrilho
não preciso mexer na cabine, coisa que ocorre em alguns concorrentes, por isso
nossa saia é diferente. Todos os nossos equipamentos que requerem manutenção de
rotina estão todos fora do trem. A gente minimizou a necessidade de os técnicos
estarem dentro do trem.

 

– Onde existem monotrilhos da Scomi no
mundo?

 

Temos na Malásia, como disse, e a primeira
linha na Índia. A segunda linha deve entrar em operação em 2019. Em Mumbai
existem alguns desafios onde ela é também sócia do governo na operação. Para
você ter ideia das dificuldades no país, havia um traçado projetado e liberado,
mas quando a obra chegou ao local já existia uma invasão de quase 20 mil
pessoas. Tiveram que resolver esse problema antes de dar seguimento à obra,
algo que é meio premeditado – assim que eles sabem que vai existir alguma obra
pública vão lá para tentar receber algum dinheiro do governo.

Também estamos participando de uma
licitação na Turquia e na Tailândia onde existem três linhas em edital. Além
disso, a Scomi participa de outros projetos como o do monotrilho de Chongqing,
na China. Eles usaram um projeto da Hitachi, mas queriam o motor refrigerado a
água e a Scomi foi escolhida para fornecê-lo.

 

– Os jornais da Índia relataram há
algum tempo problemas com a operação do monotrilho da Scomi. Eram peças que
caíam e falta de componentes de reposição. O que ocorreu?

 

A operação lá começou há cerca de um
ano. Nós tivemos na verdade problemas durante a obra. Uma peça da alimentação
elétrica se soltou, mas era relacionado à estrutura por onde passa o monotrilho
e não o trem em si. Foi um incidente sem gravidade que a construtora local teve
que sanar. Construtora essa que é a maior da Índia e que é do governo, o que
complica o relacionamento afinal é uma empresa que pertence ao seu cliente.

Vale dizer que o monotrilho se
assemelha muito a um avião. Se você entra numa estação de metrô convencional e
olha ali para a via vai ver fluídos que escorreram do trem, gotejamento, etc.
No monotrilho isso não existe porque seguimos as restrições da aviação para que
mangueiras e tubulações não vazem ou causem algum dano a quem está embaixo da via.

 

– Agora, falando um pouco sobre a
Linha 17. Qual é a parte da Scomi no projeto?

 

A Scomi responde pelos trens,
sistemas, track-switches (aparelhos de mudança de via), as bandejas por onde
passam os cabos e o sistema de sinalização também.

 

– Quem irá fornecer o sistema de
sinalização? A própria Scomi?

 

Esse sistema é muito específico.
Existem no máximo seis fabricantes que fazem o sistema CBTC, que será usado na
Linha 17. Nesse caso estamos trabalhando com a empresa que implementou esse
sistema no monotrilho de Chongqing, na China. Eu não posso revelar o nome dela,
mas ela está no maior monotrilho do mundo, que é dessa cidade chinesa.  Ele foi imprescindível para que a linha 3 de
lá fosse implementada por conta do baixo intervalo entre os trens, que hoje é
de 1 minuto e trinta segundos.

 

– E o da Linha 17 será de quanto?

 

O nosso tem projeto para 70 segundos,
mas o operacional será de até 90 segundos. Na China eles precisaram dele porque
vão atender um milhão de passageiros por dia e para isso é preciso aproximar os
trens de forma segura.

 

– Quando veremos a Scomi efetivamente
na construção do monotrilho?

 

A Scomi já está trabalhando desde o
primeiro dia. Começamos com a fabricação dos trens, mas hoje somos responsáveis
por toda essa integração. As portas de plataforma, por exemplo, são fornecidas
por nós. Na Linha 15, que é responsabilidade de outra empresa, a Scomi faz o
comissionamento e testes por ser especialista nesse sistema.

Aliás, logo poderemos ver de fato o
funcionamento do monotrilho no Brasil. E a gente está muito confiante que ele
será bem sucedido. Até aqui, com duas estações, não foi possível ter uma ideia
da sua capacidade. Para o usuário é muito mais prazeroso ver o seu trajeto lá
de cima e com tempo ele vai se sentir mais confortável estando lá em cima do
que embaixo.

Outro dado importante é a segurança.
Nunca morreu ninguém numa operação de monotrilho. São bilhões de pessoas
transportadas todos os anos no mundo e nunca tivemos uma fatalidade.

Mas a impressão para um leigo é que
existe algum risco, por exemplo, em ficar ao lado das portas. Diferentemente de
uma linha convencional, não existe uma canaleta de um dos lados. E se ocorrer
um defeito e essa porta abrir?

É por isso que existem vários sistemas
que não permitem que ela abra com o trem em movimento. Ela só ficaria aberta se
o trem por acaso saísse com ela aberta da estação e isso é raríssimo. Antes
disso o trem pararia por segurança.

 

– Como está a situação da construção
dos trens?

 

Hoje estamos com o primeiro trem
rodando em testes, que é o chamado cabeça de série e que serve como ambiente
para verificar falhas e mudanças necessárias que precisam ser feitas nos outros
trens. Por isso ele é o último a ser entregue geralmente.

O nosso desafio é que pelo contrato
nós temos de entregar o trem dentro do pátio de manutenção do Metrô. E nessa
entrega a empresa recebe 15% do serviço. O que ocorre é que a Scomi não tem
nenhuma gestão sobre a obra do pátio (que está atrasada), então quando eu
terminar o primeiro trem eu deveria receber.

Felizmente temos trabalhado muito
próximo do Metrô e eles estão sendo bastante conscientes sobre o passo a passo
para que a linha saia do papel. Nós temos uma obra civil e temos um sistema
para entregar. Mas como eu vou entregar um trem sem que as obras estejam
prontas? Se ele é entregue as garantias dos componentes começam a contar, os
elementos de borracha, por exemplo, tem que ser trocados um ano depois.
Portanto não seria inteligente nem sensato para ambos entregar um trem e ele
ficar parado esperando para ter uma via para ser usado.

Então, dentro do que é permitido nesse
contrato e negociando com nossos fornecedores, nós nos adequamos a esse novo
cronograma para maximizar o benefício que o Metrô terá em termos de garantia,
para ela seja “cheia”.

 

– Em julho do ano passado, vocês
comentaram que dois meses depois uma equipe do Metrô iria para a Malásia
conhecer o trem e que o primeiro deles seria embarcado em março, se não me
engano. Afinal, quando teremos o primeiro monotrilho da Scomi no Brasil?

 

O que mudou daquilo é que o Metrô
precisa nos dizer quando quer o trem. Não somos nós que decidimos. É preciso
esperar que o Metrô nos avise quando estará pronto aqui para receber o trem. A
composição que está na via de testes está com desempenho satisfatório,
atendendo todas as expectativas que nós tínhamos sobre ela. É bom saber que
nenhum trem é de “prateleira”, ou seja, a Linha 17, Linha 18, Kuala Lumpur,
Mumbai, nenhuma tem um trem igual ao outro. Existem semelhanças, mas o trem é
diferente porque depende do tipo de motorização, da configuração interna, a
distância entre as estações, quantas curvas eu vou ter no traçado e por aí vai.

Estamos bastante adiantados com o trem
da Linha 17 e existe a previsão de entrega neste ano (2018), mas aguardamos a
definição de uma data específica do Metrô.

Para isso acontecer então precisamos de
uma condição mínima no pátio…

Mas existem alternativas. Se existe
uma via em condições é possível testá-los nela. Mas hoje o pátio, embora não
seja um contrato que a gente participe (está nas mãos do consórcio formado
pelas construtoras Triunfo, DP Barros e TIISA), pelo que nossas equipes viram
em visita recente, o progresso tem sido incrível nesses últimos seis meses.
Então estamos confiantes que ele será entregue em breve.

 

– E quanto aos trilhos, sistemas e
outros aspectos da operação?

 

No monotrilho você tem dois trilhos, o
positivo e o negativo, um de cada lado da via. Para o trem andar ele precisa
ter contato com esses dois condutores elétricos, por isso que no monotrilho
existe uma tolerância muito restrita na dimensão da viga-trilho. Porque se o
trem perde contato com ela, deixa de funcionar.

Nossa parte nisso é instalar os cabos,
mas não a eletrificação (a cargo da Toshiba após o abandono da Isolux). Esse
trabalho já começou basicamente porque onde você instala as passarelas (de
emergência, para evacuação do trem em caso de pane) já é parafusado a estrutura
por onde correrão os cabos.

Em janeiro será possível notar um
trabalho maior por conta da instalação das bandejas por onde passarão muitos
desses cabos. Elas tiveram a fabricação concluída em novembro do ano passado,
para você ter uma ideia.

 

– E os track-switches são feitos pela
Scomi?

 

Exatamente, são desenhados por nós e
têm um funcionamento próprio, diferente de outros fabricantes. No nosso caso
eles têm uma operação mais simplificada para reduzir os custos de manutenção.

 

– Conheci três monotrilhos até hoje: o
da Linha 15 e o da Disney trepidam muito enquanto o de Chongqing mal se percebe
a diferença de um trem convencional. Como será o monotrilho da Scomi?

 

O monotrilho tem a combinação de duas
tecnologias chaves, uma é o trem, que ele segue a especificação muito próxima a
de um avião, e, claro, as tolerâncias em cima da viga que é como uma estrada.
Se eu tenho uma diferença, uma ondulação, isso vai ser sentido no conforto do
passageiro.

Existem diferenças técnicas nas vigas
de qualquer fabricante, mas elas não deveriam fazer um trem trepidar mais ou
menos. Elas são mais voltadas ao encaixe do seu material rodante. A Scomi tem
uma viga mais larga (80 cm) porque ela também é mais alta. A razão é que no
nosso trem a saia (lateral do trem abaixo da cabine de passageiros) leva muitos
equipamentos nela.

Uma vantagem do nosso trem é ter o
centro de gravidade mais baixo o que faz com que ele balance menos, mas essa
percepção (de balançar) é normal quando o trem está muito vazio. Um trem
convencional balança menos, mas o monotrilho chacoalha bem menos que os ônibus
nas vias das cidades.

No nosso caso, nós temos uma série de
fatores que devem impedir essa sensação de trepidação do trem mesmo vazio.
Começa pelo desenho do nosso trem: os principais componentes como os
inversores, que são pesados, sistema de refrigeração, motores ficam nas
laterais da composição e alguns centralizados e distribuídos que mesmo que o
trem esteja vazio o centro de gravidade permanece baixo.

A nossa viga aqui no Brasil foi vistoriada
pela Scomi para seguir as tolerâncias exigidas pelo projeto e foi considerada
dentro dos parâmetros esperados.

 

– Existe algum diferencial na
composição dessas vigas?

 

Existe mas não é na composição e sim
no processo de fabricação. Como você tem tolerâncias mecânicas no concreto é
muito difícil obter isso. Por essa razão é preciso ter formas especiais que são
o segredo para manter essas tolerâncias que são de 3 milímetros a cada quatro
metros.

Tenho certeza que a experiência dos
passageiros será positiva mesmo com ele vazio embora eu acredite que não haverá
vagões vazios nessa linha. Ela vai abrir com todas as estações funcionando
(oito referentes à fase 1 do projeto que prevê um total de 17 paradas) com uma
demanda de 300 mil passageiros por dia. E nós imaginamos que vai superar isso.

 

– Acredita-se numa demanda
equilibrada…

 

Sim, é uma linha que gostamos muito
porque ela deve operar cheia do começo ao fim, não só atendendo uma demanda
pendular. Ela terá pontos importantes de atendimento como a região do aeroporto
(Congonhas), Berrini, Morumbi (ligação com a estação da CPTM) até mesmo dessa
região residencial do Brooklin e Campo Belo. O que a gente viu em várias linhas
de monotrilho no mundo é uma valorização do entorno, ao contrário do que ocorre
com um corredor de ônibus que geralmente prejudica o comércio e afasta
possíveis moradores. É só lembrar da avenida Santo Amaro ou mesmo da Rebouças,
que já foi uma das mais caras de São Paulo e hoje ninguém quer ter negócio por
lá.

 

Fonte:

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