Governo estuda medida para destravar investimentos em ferrovias pelo país

O governo promete destravar os
investimentos em ferrovias em 2018 e tem pela frente o desafio de evitar a
concentração no setor. Além de viabilizar a concessão da Norte-Sul (FNS), cujo
edital foi aprovado ontem pela Agência Nacional de Transportes Terrestres
(ANTT), pretende, ainda este ano, antecipar as renovações de cinco
concessionárias que operam no país. Comum às duas propostas está a equalização
do direito de passagem, utilização da infraestrutura de uma operadora por
outras.

Especialistas alertam, entretanto, que
o risco de formação de cartel nas ferrovias é grande, porque existem apenas
duas operadoras controlando os trilhos que desembocam nos portos: Vale e Rumo.
Investidores estrangeiros até tentaram fazer consórcios com essas duas empresas
para disputarem o leilão da Norte-Sul sem sucesso, o que levantou a suspeita de
que haja intenção dessas empresas de darem lances para aumentar o controle da
malha de Norte a Sul, criando um duopólio no país.

“O cartel está em formação e é preciso
que o direito de passagem esteja bem claro no edital da Norte-Sul”, alertou o
consultor e ex-presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(Cade), Ruy Coutinho. Segundo ele, o Cade precisará ficar de olho se o edital
garantirá o direito de passagem e a livre concorrência. “O Cade não só pode
como deve intervir se ficar caracterizado algum tipo de obstrução para novos
competidores. O governo tem de se preocupar em ampliar a concorrência no leilão
da Norte-Sul, assim como evitar a formação de cartel”, afirmou.


Competição


A Associação Nacional de
Transportadores Ferroviários (ANTF) refuta a ideia de que existe duopólio no
país. “As concessionárias são empresas de capital aberto, com composição
acionária bastante pulverizada, e possuem diversos players como acionistas —
entre eles, em alguns casos, entes públicos e importantes investidores
internacionais”, afirmou a entidade, acrescentando que “em pouquíssimos casos
as concessionárias competem entre si, embora sofram forte concorrência de
outros modais, sobretudo do rodoviário, mas também do hidroviário.”

Para Coutinho, qualquer tentativa dos
operadores atuais para evitar a concorrência, como cobrar mais caro pelo
direito de passagem, poderá ser enquadrada na lei antitruste. “O custo não
pode, de forma alguma, inviabilizar a operação de um novo concorrente”,
alertou.

O ex-presidente da ANTT e da Empresa
de Planejamento e Logística (EPL) Bernardo Figueiredo, representante da
Ferrovias Russas (RDZ), que está de olho na FNS, demonstrou preocupação se a
renovação dos contratos com as atuais concessionárias não incluir cláusulas
obrigando investimentos para ampliar a velocidade média das vias. “Atualmente,
é muito baixa, principalmente, nos trechos da Rumo, de apenas 15km/h”,
criticou.

Para ele, VLI, empresa de logística da
Vale, e Rumo têm vantagens competitivas na disputa da FNS porque são donas dos
trilhos que levam aos portos. “Qual o estímulo que uma empresa entrante tem
para melhorar a eficiência se, ao chegar na malha por onde precisa passar, sua
velocidade vai despencar? Não se pode garantir uma prorrogação por mais 40 anos
para andar a menos de 20km/h”, questionou.


Modernização


Segundo o secretário especial do
Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Adalberto Vasconcelos, na
antecipação da prorrogação, as concessionárias serão obrigadas a modernizar a
malha e garantir o direito de passagem. Ricardo Medina, especialista em
infraestrutura do L.O. Baptista Advogados, alertou que equacionar a questão do
compartilhamento de infraestrutura foi um dos entraves para o lançamento do
edital. “O processo foi complicado, mas, na última audiência pública, foi
discutido que o poder concedente poderia participar das negociações”, disse.

O superintendente de ferrovias da
ANTT, Alexandre Porto, admitiu que, durante as audiências, o órgão regulador
chegou a ser acusado de “muito intrusivo” ao tentar incluir cláusulas sobre
tarifas. Sobre a baixa velocidade do setor, ele explicou que ela é medida pelo
tempo de carregar o trem, andar na malha, descarregar e voltar para origem.
“Isso é a velocidade média comercial e procede a informação que é baixa em
algumas malhas. Mas vamos buscar melhorar os indicadores por meio de investimento
da contrapartida das prorrogações.

O diretor executivo da ANTF, Fernando
Paes, esclareceu que, das cinco concessões que demonstraram interesse pela
renovação (veja quadro ao lado), a Malha Paulista, da Rumo, está em estágio
mais avançado porque foi a única que passou pela audiência pública da ANTT. “O
que se percebe é que, nesse primeiro processo, há um rigor maior, o que é
natural e, em grande medida, justifica o dilatamento de alguns prazos
estabelecidos de início dentro do cronograma do PPI”, disse. “A renovação é uma
novidade, um processo complexo, que exige estudos. Mas as propostas das
empresas têm um plano de investimentos consistente e extremamente necessários
para solucionar gargalos como o do acesso ao Porto de Santos”, acrescentou.

Paes afirmou ainda que, para mitigar a
baixa velocidade, “diversas ferrovias vêm modificando seus trens, aumentando o
número de vagões e a capacidade”. “As concessionárias têm se esforçado. Mas
novas restrições municipais, como a proibição de trens noturnos, agravam a
situação. A consequência são mais congestionamentos e eventual cascata ao longo
de toda linha”, explicou. Paes ressaltou que há trechos com ocupação superior a
80%, criando gargalos nas principais rotas. “A boa notícia é que receberão
melhorias com a renovação para deixarem de ser problemáticos”, completou.

 

Empresas interessadas

 

As atuais concessionárias de ferrovias
demonstram interesse nas renovações. Prometem investimentos para aumentar a
eficiência do setor e garantem que direito de passagem não é e não será um
problema. Além disso, os novos contratos, segundo o especialista em
infraestrutura Miguel Neto, sócio-sênior do Miguel Neto Advogados, devem ser
mais rigorosos para garantir o cumprimento dos compromissos. “As operadoras
também querem mais eficiência.”

A Rumo informou, em nota, que
protocolou o pedido de prorrogação do prazo de concessão da Malha Paulista, que
terminaria em 2028, por mais 30 anos. “Estão previstos mais de R$ 6 bilhões em
investimentos até 2023, que permitirão elevar a empresa a um novo patamar. A
curto prazo, teremos um aumento de capacidade de transporte ferroviário, que
passará dos atuais 35 milhões de toneladas/ano para 70 milhões de toneladas
anuais. Na prática, isso representa maior volume de exportação, tarifas de
transporte menores para quem exporta, menos caminhões nas estradas e ganhos
para o meio ambiente.”

Em audiência pública por 75 dias, o
projeto recebeu 436 contribuições. “Os aprimoramentos são positivos e
necessários para lidar com o aumento da demanda de trens da Ferrovia Norte-Sul
(FNS)”, disse. O projeto garante o direito de passagem de até cinco pares de
trens da FNS. “A Malha Paulista é uma ferrovia de passagem. Depende de cargas
que vem de outras linhas. Menos de 20% das cargas são originados na sua área de
concessão”, explicou. Sobre a velocidade, a empresa afirmou que “não pode ser
usada como critério para se avaliar a eficiência e a produtividade”. De acordo
com a companhia, os R$ 6 bilhões de investimentos vão permitir aumento de 27%
na velocidade média.

 

Sustentabilidade

 

A MRS informou estar focada na
renovação, mas não descarta participar do leilão de FNS. Segundo Gustavo
Bambini, diretor de Relações Institucionais da MRS, caso faça uma proposta,
“será suportada em termos concretos de mercado, isto é, dentro de uma visão de
sustentabilidade de longo prazo com relação a investimentos versus demanda”. A
companhia, que tem integração com VLI e Rumo, encara o direito de passagem com
tranquilidade. “É prática corrente”, destacou.

Os pontos centrais para o
desenvolvimento da MRS são a ampliação da capacidade de produção em áreas
estratégicas, como a Baixada Santista, por conta da demanda crescente, e a
redução das interferências urbanas. Segundo Bambini, a MRS também não considera
a velocidade comercial média um critério absoluto de performance. “A empresa
foi a única ferrovia nacional que apresentou melhoria, e não redução, nesse
indicador”, disse. Procurada, a Vale preferiu ser representada pela ANTF. (SK e
RH)

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