Sintomas do La Niña tiram produção de grãos do eixo

Para todos os efeitos, “oficialmente” não há La Niña. Mas as
variações climáticas associadas ao fenômeno estão no radar dos produtores
agrícolas de diversos países desde o fim do ano passado e prometem provocar
novas surpresas nos próximos meses.

Em regiões dos Estados Unidos e da Argentina, por exemplo, a
interferência tem sido negativa para as lavouras de grãos e sustentado os
preços na bolsa de Chicago. No Centro-Oeste brasileiro, em contrapartida, tudo
indica que o reflexo mais marcante será uma safra de soja maior que a prevista
inicialmente – talvez um novo recorde histórico seja batido.

Para que o La Niña se torne “oficial”, é preciso que durante
três meses consecutivos as temperaturas nas águas superficiais do oceano
Pacífico equatorial fiquem abaixo da média, o que ainda não aconteceu. Mas
poderá acontecer, o que por si só surpreende especialistas, sobretudo depois do
intenso El Niño observado na temporada 2015/16.

Ocorre que o oceano estava fornecendo calor e, mais
rapidamente do que o normal, essa transferência de calor foi interrompida e
logo houve um resfriamento, o que começou a desencadear as mudanças que
preocupam ou animam os agricultores.

Segundo Ricardo de Camargo, professor do Departamento de
Ciências Atmosféricas do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências
Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP), é difícil prever qual será a
dimensão dos efeitos do La Niña, dadas as mudanças constantes no sistema
atmosférico.

“É como se estivéssemos tentando entender um sistema que
está evoluindo para prever o próximo passo, mas o ‘próximo passo’ tem sido
sempre uma novidade”.

Como têm sido marcantes nos EUA, no Brasil e na Argentina,
três grandes produtores de milho, trigo e soja, as surpresas têm elevado a
volatilidade desses grãos na bolsa de Chicago. Nada capaz de provocar
valorizações expressivas, mas o suficiente para evitar quedas bruscas em tempos
de estoques globais relativamente elevados.

Conforme Ricardo de Camargo, se as condições de La Niña no
Hemisfério Sul se mantiverem até o outono, que terá início em 20 de março,
“sintomas” como a falta de chuva no extremo sul do Brasil e no norte da
Argentina tendem, sim, a se agravar.

Marco Antônio do Santos, agrometeorologista da Rural Clima,
não acredita que isso vá acontecer. Mas joga o foco em outro aspecto associado
a mudanças recentes no regime de chuvas: ainda que regulares, as precipitações
têm sido insuficientes para abastecer a contento os reservatórios sobretudo no
Norte e no Nordeste do Brasil.

Patrícia Madeira, meteorologista da Climatempo, diz que as
precipitações deverão se manter elevadas no Nordeste pelo menos até março, mas
também não acredita que o volume será suficiente para reverter o quadro de
escassez.

Oscar Cordeiro, diretor de regulação da Agência Nacional de
Águas (ANA), concorda que, mesmo que haja uma boa quantidade de chuvas, em
muitos casos ainda haverá reservas mais baixas que o habitual. “Para boa parte
dos reservatórios, não é suficiente somente um período de chuvas muito forte. É
preciso, na verdade, uma sequência de bons anos para eles voltarem a encher”.
Assim, não há perspectiva de que as atuais medidas de restrição de uso da água
no Nordeste sejam revertidas.

Atualmente, os agricultores próximos da bacia do São
Francisco estão impedidos de praticar irrigação às quartas-feiras, e a vazão
dos reservatórios segue reduzida. Em Sobradinho (BA), ela já foi reduzida a 550
metros cúbicos por segundo ante 1.300 antes da crise hídrica. “Estamos
esperando para, justamente, avaliar o comportamento dos reservatórios nos
próximos meses e decidir se alteraremos ou não essas restrições”, afirma
Cordeiro. 

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