Para uns, um
“visionário”, para outros um “guru” da infraestrutura e da
logística, que combinava a visão estratégica com o saber do engenheiro. Assim
era Eliezer Batista, figura polêmica e celebrada no país e no mundo,
responsável pela transformação da Vale na gigante que ela é hoje. Homem
modesto, de hábitos simples, como bom mineiro que era, da cidadezinha de Nova
Era, da Zona da Mata, gostava mesmo era de prosear e de se cercar de mapas para
realizar os estudos geopolíticos. Batista morreu ontem, aos 94 anos, no Rio,
sem ver realizado seu maior sonho: a integração das economias do continente sul
americano.
“Juntos
[os países da região] somos mais respeitados e somamos as maiores riquezas
minerais e agrícolas do mundo, além de ser a nossa região a que detém as
maiores reservas de água do planeta. A água será o grande problema do
milênio.” Batista gostava de realçar as riquezas da região. Além da água
em abundância, chamava a atenção para a biodiversidade local, a mais rica do
mundo. A América do Sul era vista por ele como o celeiro da humanidade.
“Nossa riqueza mineral é colossal, temos minério de ferro, cobre, bauxita,
ouro. Vivemos num continente que uma vez interligado com logística econômica
vai ter uma influência no mundo muito superior a que tem hoje. O que é preciso
é tocar projetos. Desamarrar sinergias.”
Antes de se
tornar personalidade cultuada e procurada por dirigentes de grandes empresas e
pelos mais diversos governos, Batista foi funcionário da Vale e, em 1961, aos
36 anos, se tornou o primeiro presidente saído dos quadros da mineradora. Entre
1962 a 1964 foi também ministro das Minas e Energia do governo João Goulart.
Durante o golpe militar de 1964, teve cassado seus direitos políticos e foi
preso por ter sido encontrado em sua casa uma fita contendo gravação onde
conversava em russo com o Marechal Tito, herói de guerra e presidente da antiga
Iugoslávia. “Acharam que eu era comunista porque tratava bem os operários
e falava russo.”
Perseguido
político, deixou a Vale. Retornou como presidente em 1979, cargo que exerceu
até 1986. Nesse período, transformou a companhia. Mas, sua contribuição à
mineradora começou muito antes de ser vítima dos militares. No início dos anos
60, ainda na presidência da empresa, Batista projetou a construção do porto de
Tubarão (ES), para escoar o minério das minas de Itabira (MG) através da
ferrovia Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM). Ele ajudou a projetar e a
construir a ferrovia, antes dos anos 50.
Depois de
fazer o ginásio no colégio dos padres franciscanos, em São João del Rey, de
onde foi expulso no fim do curso porque era considerado um
“iconoclasta”, Batista viveu parte da juventude em Curitiba, onde
além de ser um pioneiro da cultura hyppie, como gostava de lembrar, se formou
engenheiro civil e arquiteto. “Eu só pensava em trabalhar em engenharia.
Eu gostava de engenharia ferroviária… Depois fui ver isso mais tarde nos
Estados Unidos, onde estagiei.” Quando voltou ao Brasil, se envolveu na
construção da EFVM, porque os americanos, por ocasião da segunda guerra,
precisavam do minério de ferro de Itabira, onde controlavam as minas.
Batista foi
convidado por Antonio Dias Leite, que assumiu a mineradora entre 1967/1968,
para trabalhar no exterior, ajudando a construir o mercado europeu para receber
o minério da Vale. Eliezer aproveitou bem a recuperação dos países do velho
continente e do Japão, após a guerra. “A ideia era dar um salto
qualitativo”. E para chegar lá, juntou o interesse japonês de reerguer sua
siderurgia com a necessidade do Brasil de ter mercado para seu minério de
ferro.
A
concretização desse relacionamento custou-lhe um alto preço. Sua saúde ficou
abalada para sempre, em decorrência das 178 viagens de avião que fez a Tóquio,
em várias das quais permanecia somente dois dias lá. Eram voos de mais de 20
horas, em Constellations (aviões que apresentavam grandes variações de pressão
nas cabines), que lhe renderam quatro tromboses.
A relação de
confiança do Japão com o Brasil resultou na entrega da medalha do Sol Nascente
e gerou, para o lado brasileiro, as siderúrgicas da Usiminas, da Companhia
Siderúrgica de Tubarão (CST), as usinas de pelotização com os japoneses,
Albrás, Alunorte, Cenibra e o desenvolvimento e exploração da maior província
mineral do continente, a de Carajás, no Pará.
Para
fortalecer a mineradora, Batista criou a Vale Internacional, abrindo uma sede
da empresa em Dusseldorf. Na sua segunda gestão à frente da mineradora, no
governo João Figueiredo, tocou o projeto do Grande Carajás. “Tomei um pau
danado, diziam que eu era louco, que aquilo não ia dar certo. Com Carajás,
inibimos uma série de projetos que seriam construídos fora do Brasil.
Terminamos o projeto um ano antes do previsto e economizamos US$ 1 bilhão, o
que deu a Vale a reputação que permanece até hoje, de empresa séria, que faz
coisas corretas.”
Nos anos 90,
Batista chefiou a Secretaria de Assuntos Estratégicos no governo Collor, onde
começou a dar luz ao projeto do gás da Bolívia, o que implicava na construção
do gasoduto, outra ousadia do “visionário”. No fim da vida, se
dedicou a formular políticas de infraestrutura e logística para governos e
empresas. Com 80 anos, ainda frequentava diariamente seu escritório do 6º andar
da Federação do Estado do Rio de Janeiro (Firjan).
Nos anos
mais recentes, voltou à cena com a carreira empresarial de um dos sete filhos
que teve com a alemã Juta Fuhrken, o empresário Eike Batista. Alçado ao posto
de homem mais rico do Brasil e um dos mais ricos do mundo, Eike foi dono de
empresas de petróleo, mineração, logística e construção naval, que juntas
formaram o que se convencionou chamar de Grupo X. No auge do sucesso, Eike não
poupou elogios ao pai, citado sempre como grande exemplo de empresário e homem
de negócios com visão de longo prazo. Mesmo com a derrocada de Eike nos
negócios, o prestígio de Eliezer Batista seguiu intocado no mundo empresarial.
A Vale
divulgou uma nota na noite de ontem lamentando a morte de Batista.
“Eliezer Batista, que um dia recebeu a alcunha de ‘Engenheiro do Brasil’,
bem que poderia ser conhecido por: O construtor da Vale”, destacou em sua
nota a mineradora.
– Fonte: http://www.valor.com.br/empresas/5603483/eliezer-batista-o-construtor-da-vale-morre-aos-94-anos
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