Frederico
Bussinger
Consultor.
Foi presidente da Companhia Docas de São Sebastião (CDSS), SPTrans, CPTM e
Confea. Diretor da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), do
Departamento Hidroviário de SP e do Metrô de SP. Presidiu também o Conselho de
Administração da CET/SP, SPTrans, Codesa (Porto de Vitória), RFFSA, CNTU e
Comitê de Estadualizações da CBTU. Coordenador do GT de Transportes da Política
Estadual de Mudanças Climáticas (PEMC-SP). Membro da Comissão Diretora do
Programa Nacional de Desestatização e do Conselho Fiscal da Eletrobrás.
POD NOS TRILHOS
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“Insanidade é
continuar
fazendo
sempre a mesma coisa
e esperar
resultados diferentes”
(Albert
Einstein)
“O segredo do
sucesso não é prever o futuro.
É prover, no
presente, certas condições
para
prosperar no futuro que não pode ser previsto”
(Michael
Hammer)
O
PLS-261/2018 está na pauta da 43ª Reunião da Comissão de Assuntos Econômicos –
CAE do Senado Federal (dia 11/DEZ – incidentalmente, “Dia do Engenheiro”).
De autoria de
José Serra (PSDB-SP), com relatoria de Lúcia Vânia (PSB-GO), ele “Dispõe sobra
a exploração indireta, pela União, do transporte ferroviário em infraestruturas
de propriedade privada”. Objetivamente, e no essencial, o longo texto (32
páginas; 8 capítulos; 69 artigos) regulamenta outorgas de ferrovias por meio de
autorizações (prescindindo de licitação).
Para tanto,
introduz alterações no Decreto-Lei nº 3.365/1941 (Desapropriações); Leis nº
9.503/1997 (CTB); nº 10.233/2001 (CONIT e Agências); e nº 12.379/2011 (SNV).
Do modelo
proposto, encampado pela relatora, vale destacar alguns elementos do seu DNA:
i) separação, explícita, entre transporte (serviço) e infraestrutura (art. 1º)
– com diversas implicações e possibilidades atualmente não exploradas; ii)
ampliação do enquadramento constitucional dos “serviços de transporte
ferroviário”: hoje eles são “serviço público”, competência originária da União
(art. 21, XII, d da Constituição Federal). Passariam também a poder ser
“atividade econômica” (art. 7º do PLS; balizado pelos art. 170ss da CF); iii)
formalização por contrato de adesão (art. 15); iv) autorização sem prazo
definido (art. 19); v) desapropriações arcadas (pagas) e conduzidas pelo
autorizatário (art. 46ss); vi) possibilidade de agregação de algumas receitas acessórias
(art. 62ss); vii) possibilidade de exercício de atividades conexas (art. 42).
Esses
elementos, assim como uma descrição sistematizada do PLS, constam da parte
inicial do didático Parecer da relatora: vale ler!
Contextualizando
Em termos
estritamente formais, o objeto ora sendo regulado não chega a ser uma inovação:
o art. 21, XII, d, da CF, já prevê “autorização” como instrumento para
exploração indireta dos “serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre
portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de
Estado ou Território”. Na prática, porém, a despeito da possibilidade
constitucional, o habitual, nos marcos da CF/88, é outorgar-se ferrovias e/ou
serviços ferroviários por meio de concessões. E, essas, precedidas de
licitações.
Por outro
lado, vale também o registro que, apesar de autor e relatora enunciarem como
paradigma a reforma ferroviária americana do início dos anos 80 (“Staggers Rail
Act”) – o que procede, o modelo proposto em muitos aspectos retoma aquele que
vigeu desde meados do Século XIX (a partir do Decreto nº 641/1852, baixado por
D. Pedro II) e durante a Velha República: só a partir da CF/1934 é que
“exploração… de vias-férreas …” passou a ser “competência privativa da
União” (art. 5º; VIII). Antes disso, como na CF/1891, a competência da União e
Estados se limitava a “legislar sobre” (art. 13).
Mais que um
registro meramente histórico, esse resgate é importante para lembrar que foi,
sob aquele modelo, que ferrovias foram implantadas e se desenvolveram
aceleradamente no Brasil. A título de comparação, quando da celebração do 1º
Centenário da Independência, em 1922 (quase 100 anos atrás!), o Brasil já
contava com algo como 29.000 km ferrovias (33.000 km em 1934); aproximadamente
a malha total hoje existente. Portanto, um modelo exitoso; não?
Copo meio
cheio; meio vazio:
Além da
utilização da “autorização” (ora regulamentada pelo PLS), há diversos outros
aspectos institucionais, econômicos e culturais que diferenciam os USA e o
Brasil; e que podem ajudar a explicar o porquê do renascimento das ferrovias
americanas nas últimas 4 décadas; processo bem mais amplo e profundo que as
reformas brasileiras dos anos 90.
Todavia o PLS
já é um avanço: mesmo se aprovado tal como apresentado, apenas com as alterações
propostas pela relatora, ainda que mantidas as demais variáveis constantes, as
alternativas por ele viabilizadas já significarão importante contribuição ao
desenvolvimento das ferrovias no Brasil.
Mas seu
alcance pode ser ainda maior no concernente a: i) aumento da participação do
modo ferroviário na matriz de transportes (com benefícios energéticos,
logísticos, urbanos e ambientais); ii) ampliação do ambiente concorrencial em
bases isonômicas (efetivando o desiderato do art. 8º, VIII); e, principalmente,
iii) efetivação do potencial da ferrovia (modo estruturante) para
desenvolvimento regional (economia e ocupação territorial); na linha dos
“Corredores de Desenvolvimento” propugnados, p.ex, pelo Banco Mundial: a
ferrovia não leva (e traz) só gente e carga; leva também riqueza e
desenvolvimento!
Para tanto,
os ajustes necessários não são muitos. Nem tão complexos, nem conflitam com a
lógica e a estrutura do PLS:
a) Tráfego
mútuo e direito de passagem (art. 17, 28 e 39): fundamental o vice-versa. Ou
seja: até mais importante que garanti-los na ferrovia autorizada, é desta nas
ferrovias concedidas (estruturantes; espinha dorsal da malha/sistema;
geralmente com acesso aos portos).
b)
Autorização por prazo indefinido (art. 19ss): é corrente a superestimação da
influência de prazo contratual para a atratividade de investimentos. Sugestão
para os reverberantes acríticos de bordões: considerando-se a taxa de juros
brasileira (mesmo com as reduções recentes), nosso Risco-País e risco cambial,
calcule, p.ex, o impacto na TIR do aumento do prazo de concessão de 25 para 35
anos; de 35 para 50, de 50 para 100 anos. Pode se surpreender!
c)
Articulação ferrovias-urbanizações (art. 43ss): lógico que os projetos
(“brown-field” ou “green-field”), a serem autorizados, precisam ser
compatibilizados com os Planos Diretores – PD municipais e Planos de
Desenvolvimento Urbano Integrado – PDUI nas regiões metropolitanas: é o mínimo!
Mas seria desejável ir além: considerando serem ferrovias reconhecidamente modo
de transporte estruturante (como, aliás, o histórico de ocupação do território
nacional o comprova!), tais planos poderiam ser revistos para maximizar a
apropriação de benefícios e compatibilizar os impactos, inevitáveis, dos
projetos nascentes (contribuindo para efetivação dos objetivos do art. 8º; I).
d)
Autorregulação (art. 47ss): considerando que o referencial é o modelo
americano, lembrar que nos USA há agências de regulação. E não apenas uma, mas
2: “US. Department of Transportation – DOT” (regulação de segurança) e “Surface
Transportation Board – STB” (regulação econômica).
e)
Financiamento (art. 62): grande avanço do PLS é o reconhecimento e
possibilidade de utilização das receitas acessórias diretamente associadas. Mas
por que desconsiderar participação na riqueza potencialmente gerável pela
implantação de uma ferrovia; na linha dos “Fundos Soberanos” (alias, algo
previsto já no diploma legal de D. Pedro II)?
f)
Malha/Rede/Sistema (art. 66ss): importante a periódica atualização e divulgação
da composição do Subsistema Ferroviário Federal – SFF. i) Entretanto, a prévia
e explícita inclusão das ferrovias, objeto do PLS (autorizadas), no SFF em
muito facilitaria o macro-planejamento da malha/rede/sistema (PNV, PNLT, PNL,
etc), modelagem e outorgas, articulação e gestão operacional das diversas
ferrovias/trechos e, inclusive, estabelecimento de condições e gestão de
tráfego mútuo e direito de passagem; ii) Também, por que não Nacional (ao invés
de Federal)? Ao menos em tese não há (ou pode haver) ferrovias estaduais e municipais
(art. 67)?
g)
Classificação ferroviária (art. 67): já estão previstas as classificações
geográfica, institucional e patrimonial. A adição de uma classificação
funcional seria de grande importância para fins de planejamento e gestão do
SFF, e, também, para monitoramento de segurança e regulação. Para tanto, por
que não se adotar algo similar ao previsto para as suspensão nacionais? Ou
seja: Expressa (subdividida em Classe I e II), arterial (III e IV), coletora
(V), local (VI) e particular (VII). Pelo contexto do PLS, ao menos as 3 últimas
classes se enquadrariam perfeitamente ao universo a ser abrangido. Em
particular, quando para revitalização dos tais “trechos abandonados”
(“brown-field”). Não são/seriam eles, funcionalmente coletores, locais ou particulares?
Tais
sugestões, todavia, não são impeditivos para aprovação do Parecer da relatora
pela CAE; visto que o PLS passará, ainda, posteriormente, pela Comissão de
Serviços de Infraestrutura – CSI e a Comissão de Constituição e Justiça – CCJ;
fóruns mais específicos e onde tais questões poderão ser avaliadas com maior
profundidade; sem comprometer a celeridade do processo.
Riscos e
oportunidades
Ah! Todos os
potenciais ganhos na adoção dos instrumentos introduzidos pelo PLS, pelo
Parecer da relatora e, eventualmente, pelos ajustes acima sugeridos podem ficar
comprometidos com novos procedimentos que passaram a ser utilizados para o
licenciamento ambiental de projetos infraestruturais (art. 26; III e IV). Mais
particularmente os “green-field”; e mais particularmente, ainda, aqueles no
Centro-Oeste e Amazônia.
As
vicissitudes para o licenciamento da “Ferrogrão” (ferrovia ligando MT ao PA),
desde a suspensão de Audiências Públicas, no final de 2017, até a sua recente
paralisação judicial é pedagógico: está detalhadamente explicado pela
Recomendação nº 12 do MPF à ANTT.
Em síntese; a
base é a OIT nº 169 e a “Declaração Americana sobre Direitos dos Povos
Indígenas”, com ameaças de responsabilização por “improbidade administrativa”.
Isso visando a que o processo inclua uma série de “Consulta e Consentimento
Livre, Prévio e Informado – CCLPI” com todos os “povos interessados” (19
identificados).
Tal processo
aparenta ser imprevisível; principalmente porque pauta, processo decisório e
cronograma, como o título indica, é definido, autonomamente, por cada um deles
– sem participação dos poderes públicos. Também porque há necessidade do “sim”
de todos eles; o que, convenhamos, é estatisticamente bastante improvável!
Há
controvérsias, entretanto, se os dois documentos foram ou não “recepcionados”
pelo arcabouço jurídico brasileiro. Também quanto às suas abrangências; tema
sobre o qual o Acórdão nº 2.723/2017-Plenário do TCU expressa uma outra visão.
Texto longo, centrado no setor elétrico, o posicionamento pode ser assim
sintetizado: “As comunidades indígenas não têm soberania sobre o seu
território, e sim prerrogativa de uso. Quem tem de decidir o que é possível ser
feito em terras indígenas é o Congresso Nacional” (itens nº 137-139, e
222-223).
O aspecto
positivo é que, em se superando tais barreiras, a maior parte dos instrumentos
que seriam introduzidos com a conversão do PLS são tão “destravantes”, e tão
abrangentes, que poderiam vir a ser aplicados também às concessões.
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