Indefinições sobre o frete ainda travam comercialização de soja

Nunca no
Brasil o plantio de soja evoluiu em um ritmo tão acelerado quanto nesta safra
2018/19, o que fará com que a colheita comece a ganhar força em meados de
janeiro. Com a demanda externa pelo grão aquecida, principalmente por parte da
China, as vendas antecipadas também deveriam estar muito mais avançadas. Mas,
segundo analistas, as incertezas que ainda cercam o tabelamento dos fretes
rodoviários no país frustram essa expectativa. Até agora, pouco mais de 30% da
colheita total prevista foi comercializada, ante uma média histórica para o
período calculada pela consultoria Safras & Mercado, por exemplo, em 44%.

Ocorre que as
tradings reduziram o ritmo dos negócios por causa da tabela. Editada para
servir de pá de cal sobre a greve dos caminhoneiros que paralisou o país no fim
de maio, a MP 832, que estabeleceu a nova política de preços mínimos para o
transporte rodoviário de cargas, resultou em uma disputa político-jurídica que
até agora não foi solucionada. Dezenas de ações judiciais interpostas e pedidos
de liminares questionam o tabelamento, e as dúvidas em torno de sua validade –
e, portanto, acerca das punições previstas para quem não cumpri-lo – tornam o
horizonte nebuloso e geram negócios apenas “da mão para a boca”.

Sem certeza
sobre terem ou não que respeitar os valores definidos pela Agência Nacional de
Transporte Terrestre (ANTT), as tradings tendem a continuar retraídas.
“Para enxergar melhor quanto custará o transporte, as empresas vão
preferir negociar às vésperas da colheita. São as tradings que ficam com o
risco de o valor do frete subir ou descer, então elas estão cautelosas”,
diz André Nassar, presidente-executivo da Associação Brasileira das Industrias
de Óleo Vegetal (Abiove).

A associação,
junto com outras entidades do agronegócio e a Confederação Nacional da
Indústria (CNI), questiona a tabela da ANTT na Justiça. Nassar observa que,
quando a MP foi editada, ficou definido que a agência precisava publicar a
tabela em cinco dias, o que foi feito. No entanto, quando a tabela foi aprovada
pelo Congresso, foi estabelecido que sua criação teria que ter caráter técnico,
com a participação de transportadores e dos donos das cargas, por meio de
consulta pública. “Além disso, os custos operacionais levados em conta no
cálculo têm que estar explícitos. Nada disso ocorreu após a lei e é por isso
que liminares da Justiça estão permitindo que as empresas não cumpram a
tabela”, diz.

Segundo
representantes de produtores, tradings e transportadores, de fato ninguém está
seguindo os valores previstos na tabela. Em meio à chuva de liminares, decisão
do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a cobrança
de multas a quem não cumprir a tabela, o que já motiva manifestações pontuais
de caminhoneiros em algumas regiões. “Para os produtores, a tabela só
trouxe problemas. Eles querem vender, mas as tradings não querem comprar”,
diz Antonio Galvan, presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de
Mato Grosso (Aprosoja-MT).

No Estado,
segundo cálculos do Instituto Mato-grossense de Economia Aplicada (Imea), as
vendas antecipadas de soja alcançaram 35% de uma produção estimada em 32,45
milhões de toneladas, ante 60% da média histórica para o período. “E foi
tudo até maio, antes da greve dos caminhoneiros”, afirma Galvan. Em Goiás,
diz Ênio Jaime Fernandes Júnior, diretor da Aprosoja-GO, a negociação chegou a
25% da colheita projetada, ante uma média de 50%.

Independentemente
do que poderá ocorrer nas rotas mais longas, dizem os dois dirigentes, o
transporte em distâncias curtas (da fazenda ao armazém da trading, por exemplo)
continuará sendo um “mundo paralelo”. “Quando vamos colher,
acertamos diariamente o preço com um caminhoneiro autônomo, e esse preço leva
em conta distância, combustível e até se o motorista vai almoçar na
fazenda”, afirma Galvan.

Para ele, a
tabela de fretes pode até favorecer as grandes transportadoras, mas não os
autônomos “que têm que trabalhar de qualquer jeito” e não vão poder
fazer greve de novo pois não têm fôlego financeiro”.

Nesse cenário
de indefinição, o preço do frete para o transporte de grãos no momento está bem
abaixo do previsto na tabela em todas as rotas. Entre Sorriso (MT) e Paranaguá
(PR), sai hoje por R$ 288,50 a tonelada, segundo levantamento da EsalqLog. Na
tabela, o preço mínimo nessa rota é de R$ 419,60 (ver tabela). Em curtas
distâncias, a diferença é menor. De Sorriso a Rondonópolis (MT), o frete está
hoje em R$ 111,96 por tonelada, enquanto a tabela prevê R$ 117,41. No pico da
colheita de milho, em julho, eram R$ 138,06, e em março, R$ 134,48 a tonelada.

“Como
sempre ocorreu, os preços sobem com o aumento da procura, na época de safra e
caem na entressafra. A tabela distorceu até isso”, disse Fernando
Bastiani, pesquisador da EsalqLog. Para 2019, independentemente da tabela, a
EsalqLog calcula que os preços médios do frete para transportes de cargas
agrícolas subirão entre 6% e 7%, sobretudo em razão do ajuste do diesel. Em
janeiro, a NT&C Logística, entidade que representa empresas transportadoras
de carga, deverá divulgar um estudo sobre o aumento dos custos do setor em 2018
e quanto deverá ser o reajuste médio dos preços.

E, mesmo com
a tabela estabelecendo preços acima dos praticados, a NT&C é contra sua
utilização. “Preferimos o mercado livre, com crescimento econômico. Se
isso ocorrer, a demanda sobe e é isso o que importa”, afirma o presidente
da entidade, José Hélio Fernandes.

Já a
Associação de Transportadores de Carga de Mato Grosso (ATC) defende a tabela.
“Voltamos a ter um equilíbrio financeiro”, diz Miguel Mendes,
diretor-executivo da associação, que representa companhias de menor porte.
“O mercado ficou distorcido com o tempo e o valor do frete ficou sendo
determinado por meia dúzia de empresas em cada setor. Nos grãos, as tradings
pagam o que querem, no transporte de combustível são apenas duas ou três
empresas. Para levar produtos congelados, idem, só JBS e BRF. Transportadoras e
caminhoneiros ficaram sem poder”.

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