Pesquisa mostra importância do setor de transportes para crescimento das cidades

Passava um pouco das 15h, numa tarde ensolarada, com uma temperatura amena. Estava no centro do Rio e meu destino era o Museu do Amanhã, onde assistiria a uma palestra da pesquisadora australiana Fiona Cameron sobre Museus e o amanhã do clima. Embora eu more num bairro bem central, fico distante da rua onde passam os ônibus, o que me faz ter que usar dois transportes coletivos, às vezes três, para ir ao centro. Tinha acabado de descer do Metrô, na Cinelândia, e cheguei à estação VLT (Veículo Leve sobre Trilho), que me deixaria bem perto do museu.


Em condições normais, todo este trajeto não me tomaria mais do que dez, quinze minutos. E eu chegaria à palestra na hora certa. Mas logo percebi que iria me atrasar: de duas, só uma máquina que recarrega o cartão Riocard estava funcionando na estação, e eu precisava recarregar o meu. Tinha uma fila com cerca de 15 pessoas, e a fila não andava, dando conta de que a única máquina não estava funcionando bem.


Um funcionário, com uniforme do VLT, chegou ao local, de motocicleta. Cutucou uns botões, mas ele não era especialista. E anunciou que, daquele momento em diante, a única máquina que estava funcionando só aceitaria cartão de débito. Por sorte era esta a minha forma de pagamento. Algumas pessoas desistiram, saíram reclamando muito. Consegui me adiantar na fila e tudo se resolveu para mim.


Enquanto estava esperando, ouvi muitas queixas dos usuários. O VLT é uma rede de veículos leves sobre trilhos e foi apresentado, há três anos, como uma grande promessa para desafogar de carros as ruas do centro e facilitar a vida dos cariocas. A ideia é boa, os trens são bonitos e confortáveis, mas para funcionar direito é preciso uma boa parceria com a Prefeitura, o que não está acontecendo. E isto já vem sendo percebido pelos cariocas. Com exceção de dois turistas, as outras pessoas na fila onde eu estava não pouparam críticas, dando conta de que o episódio da máquina é corriqueiro, naquela e em outras estações.


Minha experiência ruim foi só com a fila, porque fui bem atendida quando pedi ao rapaz que envergava o uniforme da companhia para tentar agilizar o atendimento. Já no trem, comecei a pensar sobre a baita encrenca que deve ser administrar o transporte numa cidade grande, e lembrei-me que tinha acabado de receber a mensagem da assessoria de imprensa do instituto de pesquisa global WRI Brasil, com um estudo lançado dia 23 no Fórum Internacional do Transporte na cidade de Leipzig, na Alemanha.


A conclusão principal do relatório é que cidades com melhores opções de transporte possuem, também, mais chances de crescer. As estimativas do custo do tempo perdido nos congestionamentos, por exemplo, já variam entre 2% e 5% do Produto Interno Bruto (PIB) na Ásia e em até 10% do PIB em Pequim e São Paulo, diz o relatório, que faz parte de uma série de artigos que refletem sobre soluções para os grandes centros oferecerem mais qualidade de vida aos seus cidadãos.


A pesquisa constatou que, em Joanesburgo, na África do Sul, um residente médio tem acesso a 49% dos empregos em até 60 minutos de deslocamento ao utilizar qualquer modo de transporte. Já na Cidade do México, o residente médio tem acesso a apenas 37% dos empregos. Poucos habitantes nas duas cidades – entre 7% e 9%, respectivamente Joanesburgo e Cidade do México – têm acesso fácil a empregos e paga pouco pelos deslocamentos.


O documento sugere três ações específicas para promover acessibilidade multimodal: construir ruas democráticas e seguras; fazer um serviço de transporte que integre modos públicos, informais e privados e administrar o uso de veículos particulares nas ruas.


Repensar as ruas, seus usos e realizar adaptações para transformar as vias em locais mais seguros é importante para promover acessibilidade. A criação de faixas exclusivas para o transporte coletivo, de espaços dedicados a veículos não motorizados e a abertura de ruas apenas para pedestres têm tido bons resultados em cidades como Bogotá, Cidade do México e Buenos Aires. Essas ações também já obtiveram efeitos expressivos em São Paulo, diz o resumo do trabalho, que recebi por e-mail.


Andando pelas ruas do Rio, é possível que alguns cariocas tenham, na ponta da língua, soluções para seus problemas de transporte diário. É bem verdade que este serviço, aqui no Rio, já foi muito pior do que está hoje, mas também é verdade que poderia ser muito melhor do que é. A questão é saber se há vontade política para provocar tais mudanças. O desafio é grande, sim, mas quem se candidata a ocupar a cadeira de prefeito deve saber disso.


Vou à estante e busco em A Carta de Atenas (Ed. USP), escrito pelo arquiteto Le Corbusier (1887 – 1965) , fomentos para a minha reflexão. Trata-se de um documento histórico, do meio do século XX, com base em reuniões de arquitetos do Movimento Moderno do mundo todo nos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (Ciam). Para eles, uma cidade deveria organizar-se para satisfazer quatro necessidades básicas: habitar, trabalhar, recrear-se, circular.


Um trecho do documento (é bom lembrar, escrito no século XIX), lembra que O dimensionamento das ruas se opõe à utilização das novas velocidades mecânicas e à expansão regular da cidade. O problema é criado pela impossibilidade de conciliar as velocidades naturais, do pedestre ou do cavalo, com as velocidades mecânicas dos automóveis, bondes, caminhões ou ônibus. O pedestre circula em uma insegurança perpétua, enquanto os veículos mecânicos, obrigados a frear com frequência, ficam paralisados, o que não os impede de ser um perigo permanente de morte.


Voltando para os dias de hoje, Anjali Mahendra, coautora do relatório do WRI e diretora de Pesquisa no WRI Ross Centro para Cidades Sustentáveis, lembra que As cidades têm que deixar de priorizar um tráfego mais rápido e que acomoda mais veículos para privilegiar o acesso de todos, e isso exige uma integração muito mais forte entre as agências de planejamento de transporte e o planejamento urbano.


No fim e ao cabo, a grande questão atravessa os séculos e continua sendo acomodar as pessoas de grandes cidades. A meta deveria ser que elas pudessem circular sem amedrontamentos, e não estou falando só de assaltos ou de balas perdidas. Falo também de saber que vão conseguir se deslocar sem precisar se submeter, por exemplo, a uma longa e inquietante espera de ônibus no ponto. Até mesmo uma intranquilidade passageira, no caso que me ocorreu por causa da máquina que não funcionava, já transtorna.


O desafio, reconheço, é imenso. Segundo a pesquisa do WRI, 2,5 bilhões de pessoas irão se mudar para as cidades nas próximas três décadas. Noventa por cento estarão na Ásia e na África. À medida que a renda aumenta nessas regiões, a posse de carros e motos aumenta rapidamente. Em 2010, eram 2,5 novos registros de veículos motorizados a cada criança nascida na América Latina e três novos veículos a cada nascimento na Índia.


Há conhecimento técnico no Brasil para executar essas medidas, o que falta é uma combinação de liderança política e engajamento da comunidade na identificação e implementação dessas recomendações. Muitas cidades não vislumbram ainda todos os ganhos que a acesso mais amplo aos lugares pode gerar. Isto diz respeito a facilitar o acesso a empregos, serviços e outras oportunidades. Quando o cidadão prospera, a cidade toda ganha, aponta Luis Antonio Lindau, diretor do programa de Cidades do WRI Brasil.


Bons motes para reflexão.

Fonte: https://g1.globo.com/natureza/blog/amelia-gonzalez/post/2019/05/29/pesquisa-mostra-importancia-do-setor-de-transportes-para-crescimento-das-cidades.ghtml

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