Sucesso da Camargo Corrêa gera ciúmes e medo, diz presidente

A falta de projetos de infraestrutura no Brasil tem provocado desespero entre as construtoras atingidas pela Lava Jato. A Camargo Corrêa, porém, não é uma delas, o que provoca ciúmes e medo entre as concorrentes. A avaliação é de Januário Dolores, presidente da Camargo Corrêa Infra (CC Infra), braço criado pela construtora para cuidar de seus novos projetos.

“Temos uma situação privilegiada, porque não temos dívida. E a maioria dos grandes concorrentes está com um endividamento imenso”, afirmou o executivo, em entrevista ao Valorno escritório da empresa.

Esta é a primeira experiência de Dolores no setor de construção. Em meados de 2017, ele deixou o comando da multinacional GE Hydro – onde trabalhou por mais de 40 anos – para ocupar uma diretoria na empreiteira. Há cerca de um ano, foi escolhido para a presidência.

Com onze obras na carteira atualmente, a companhia prevê fechar 2019 no azul, após um prejuízo de R$ 52 milhões em 2018. O faturamento bruto, de R$ 606 milhões no ano passado, deverá subir para R$ 1,8 bilhão, estima a empresa. No entanto, uma verdadeira retomada da infraestrutura dependerá da aprovação da reforma da Previdência, segundo o executivo.

Para ele, as polêmicas do presidente Jair Bolsonaro (PSL) não impedirão as reformas, mas têm provocado atrasos. “Como cidadão posso criticar o governo, mas, como executivo, tenho que aprender a conviver”, diz.

Valor: Por que decidiu sair da GE e vir para a Camargo?

Januário Dolores: Meus últimos anos como executivo de multinacional me desgastaram muito, fiquei doente. Chegou num ponto em que tinha que decidir se continuava naquele ritmo e morria, ou se parava de trabalhar. E decidi parar. Me pediram quatro meses para a transição, mas, quando estava no segundo, recebi uma ligação sobre a oportunidade na Camargo. Me encontrei com o Décio [Amaral, ex-presidente da CC Infra] e falei de cara: ‘Se estiverem procurando alguém que saiba fazer acordos, não sou a pessoa’. Mas ele disse: ‘não, é exatamente o oposto. Vamos pilotar a transformação da construção civil’.

Valor: O que mudou na Camargo Corrêa desde então?

Januário: O grupo tomou decisões difíceis para um empresa de 80 anos, como trazer executivos de fora da construção para cuidar da joia da coroa. Deve ter sido dolorido. Mas viramos a página e hoje temos uma companhia que acha que integridade não é mérito, é obrigação. Sinto também uma diferença na agilidade de fazer as coisas, na simplificação dos processos. Além disso, as empreiteiras têm fama de serem uma fábrica de reclamações. Nós não queremos ser mais assim. A mentalidade antiga das empreiteiras era: se um problema é identificado, espera acontecer e depois resolve, cobrando caro por isso. Hoje, queremos que o cliente tenha o retorno do investimento que espera. Essa é uma mudança enorme.

Valor: O fato de o cliente ser cada vez mais privado estimula isso?

Januário: Sim. Na verdade, é um preparo para trabalhar cada vez mais com o setor privado.

Valor: Quando o Brasil retomar as obras de infraestrutura, como ficará o mercado de construção pós-Lava Jato? A Camargo chegará perto de ser o que já foi?

Januário: A ambição hoje não é ser a maior, é ser a empresa de escolha, a “top of mind”, especialmente dos clientes privados. Isso pode nos dar uma rentabilidade mais alta. Nos últimos anos, após a Lava Jato, empresas menores entraram em projetos maiores e se desenvolveram. Elas vão competir. Companhias chinesas também entraram no mercado, e sei que tem grupos da Europa olhando empresas no Brasil para fazer uma composição. Como o mercado não reagiu, esse movimento ainda não aconteceu.

Valor: Quando veremos uma retomada da economia?

Januário: Se aprovar a reforma da Previdência muita coisa vai acontecer. O principal fundamento do capitalismo é a confiança, que hoje não existe. Ou aprova e o Brasil equilibra as contas, ou o país vai quebrar. Se quebrar, tem menos demanda de energia, menos emprego. Ninguém vai botar dinheiro em infraestrutura em um país que está na direção errada. Se aprovarmos a Previdência e, logo a seguir, a reforma fiscal, o ano de 2020 pode ser promissor. Agora, a Previdência não vai gerar recurso para o governo a curto prazo. Não dá para esperar que o poder público comece a investir em infraestrutura de imediato. Não vai ser a curto prazo. O que vai acontecer é melhorar o ambiente, a confiança.

Valor: Dá para resolver o gap de infraestrutura do Brasil sem investimento público?

Januário: Uma parte, mas nem todo projeto que é necessário para o país tem atratividade para o setor privado. Tem estradas que não adianta querer conceder. O próprio saneamento básico [tem projetos difíceis]. Porém, se começar pelos projetos privados, aquecendo a economia, gerando mais impostos, isso pode acelerar o processo.

Valor: Qual sua avaliação do governo Bolsonaro?

Januário: Presidente da República a gente escolhe só na hora em que estamos votando. Como executivos, temos que conviver, saber interpretar a direção que está dando para o país e tirar o melhor proveito. Olho o Brasil hoje e acho que tem uma evolução em muitas coisas. Em outras coisas eu, como cidadão, não concordo. Agora, como executivo, tenho que aprender a conviver com esse governo, assim como terei que aprender a conviver com o próximo – se não for ele mesmo, né? Como cidadão posso criticar, como executivo não.

Valor: As polêmicas do presidente atrapalham a agenda econômica ou há um descolamento?

Januário: Acho que as coisas poderiam ter sido mais rápidas. Poderia ter aprovado a Previdência no primeiro semestre. Mas as coisas estão acontecendo.

Valor: Em 2018, a CC Infra teve prejuízo de R$ 50 milhões. Como está o desempenho neste ano?

Januário: Teremos um faturamento de 2 a 2,5 vezes maior do que o volume de 2018. Neste ano, o resultado até julho já é positivo. É uma composição de faturamento maior e execução melhor dos projetos que estão na carteira que vai permitir o resultado positivo. Neste ano, vamos investir 1% do faturamento em inovação e adotamos um sistema que permite um monitoramento completo dos projetos, que tem aumentado muito a eficiência.

Valor: O que provocou o maior faturamento em 2019?

Januário: Iniciamos neste ano a construção das linhas de transmissão que ganhamos em 2017 [contratados pela EDP e pela Vinci Partners ].

Valor: Neste ano, vocês venceram uma licitação muito disputada do governo baiano, de uma extensão do metrô de Salvador. A competição teve inclusive questionamentos judiciais das concorrentes [ Queiroz Galvão e Odebrecht ]. O imbróglio já está resolvido?

Januário: Foram algumas ações, que estão andando na Justiça. Mas o empreendimento está evoluindo, 70% do projeto básico já foi aprovado. Tudo indica que vai caminhar.

Valor: Uma das reclamações das concorrentes é que vocês são acionistas da CCR, que opera o metrô da Bahia, e que teriam sido beneficiados. Outra crítica feita é que o preço ofertado por vocês teria sido baixo demais e não seria viável.

Januário: Quem é acionista da CCR é a Mover [holding da Camargo Corrêa Infra]. Nosso contato com a CCR não é diferente de nosso contato com a Arteris [que é cliente da CC Infra]. Pedi uma avaliação profunda em busca de indícios de benefício, e a conclusão foi que a acusação não procedia. Se tivesse, a gente teria abandonado o projeto. Acho que cada vez mais podemos levar pedrada no telhado, porque estamos evoluindo muito em excelência operacional e integridade. Isso tem gerado ciúme e medo nas outras.

Valor: Então a oferta de vocês para o projeto é viável, sem necessidade de futuros aditivos?

Januário: Aditivos, exclusivamente se aparecerem condições que não eram possíveis de serem antecipadas, porque acontece.

Valor: O que essa disputa acirrada mostra? É sintoma de falta de projetos de infraestrutura no país, há um certo desespero no setor?

Januário: Acho que é principalmente o desespero pela falta de projetos. Nós temos uma situação privilegiada, porque nós não temos dívida. As companhias que estão endividadas precisam negociar com os credores, e se não mostrarem que têm capacidade para pagar, gera-se um problema imenso. A falta de projetos começa a causar desespero em quem está muito endividado. E a maioria dos grandes concorrentes está com dívidas imensas.

Valor: A Camargo Corrêa assinou recentemente o acordo de leniência com a Advocacia Geral da União (AGU) e com a Controladoria Geral da União (CGU) [que prevê o pagamento de R$ 500 milhões aos cofres públicos até 2038]. O grupo tem caixa para pagar?

Januário: As dívidas contraídas no âmbito da Lava Jato, a construtora [controladora da CC Infra] tem como pagar. Obviamente que hoje a CC Infra é o veículo gerador de caixa do grupo. A partir de 2024, que é quando começamos a pagar a leniência, já teremos um tamanho bom e vamos ter que contribuir com o pagamento da dívida, mas não é algo preocupante. O valor é pequeno perto do tamanho que prevemos ter em 2024.

Valor: Que projetos de infraestrutura estão no radar?

Januário: Tudo o que aparecer no setor de mobilidade urbana. Temos uma experiência enorme em metrô. Hidrelétricas, embora não vá haver novos projetos no Brasil, ainda há em outros países da América Latina. Ferrovias também é um negócio que vai ter bastante concessão. Para o leilão de geração de energia deste ano, estamos preparando dois projetos de usinas térmicas a gás natural, e temos outros de linhas de transmissão. Nosso foco são empreendimentos complexos, nos quais conseguimos ser competitivos. Projetos de aeroportos, por exemplo, só interessam se forem ‘greenfield’ [construídos do zero]. Em rodovias, aqueles que tiverem alguma complexidade, com túneis, pontes.

Valor: Qual a perspectiva para o setor de saneamento, que tem passado por discussões para ampliar investimentos?

Januário: Como construtora, há interesse. Como operadora não. Em nenhum segmento. Vamos trabalhar como construtora, a curto prazo. Pode ser que no futuro, quando tivermos um caixa enorme à disposição, aí a coisa seja diferente. Mas nos próximos cinco anos, pelo menos, seremos uma construtora.

Fonte: https://www.valor.com.br/empresas/6397605/sucesso-da-camargo-correa-gera-ciumes-e-medo-diz-presidente

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*