Vivências ferroviárias

HELOISA TOLLER GOMES
Professora de Literatura, licenciada em Letras Anglo-Germânicas, com mestrado em Literatura Brasileira e doutorado em Letras pela PUC-RJ

Durante a maior parte de minha vida, fui espectadora próxima e participante ativa, enquanto usuária, da vida ferroviária em nosso país. Isto porque a Revista Ferroviária marcou presença fortíssima na casa de minha infância e de meu irmão Gerson, assim prosseguindo durante toda a adolescência e em grande parte de nossa mocidade.

Ao aceitar o grato convite para escrever esse artigo, pensei logo em evitar o sentimentalismo fácil, embora genuíno, das reminiscências familiares. Mas não posso deixar de me referir, brevemente e com muito prazer, à origem desse apego ao trem bem antes de conhecermos a Revista: ele deve ter nascido com o fantástico “trenzinho elétrico” que tínhamos em casa, sempre em incessante processo de complicada construção, para delícia das crianças que éramos, Gerson e eu, e para compreensível impaciência de nossa mãe; também às frequentes viagens de trem (sem horários confiáveis, é claro) da Central do Brasil a Governador Portela, hoje distrito de Miguel Pereira, na Serra do Tinguá. Fazíamos baldeação em Japeri – na Baixada Fluminense, palco do genial “Assalto ao Trem Pagador” de 1962 e da célebre ocorrência policial que motivou o filme. Naquele percurso serra acima apreciávamos a fantástica paisagem, tornada acessível, em seus perfumes e ruídos característicos, através das curvas e meandros desenhados pela valorosa Maria Fumaça.

Permito-me, ainda, lembrar algumas referências históricas que dizem respeito à família Toller Gomes e à Revista Ferroviária. Antes mesmo de meu nascimento, meu pai, Jorge de Moraes Gomes, fundou a Revista Ferroviária com seu cunhado, o engenheiro Rubem Vaz Toller, cuja vida profissional tomaria depois outros rumos. A Revista Ferroviária passou a ser o ganha-pão de nossa pequena família, contando com o entusiasmo crescente e apaixonado de nosso pai. Durante seus anos iniciais no jornalismo, Gerson trabalhou ao lado dele. No final da década de 1980, Gerson assumiu o comando da Revista, modernizando-a, expandindo-a e dando-lhe o formato básico que ainda hoje mantém, com o mesmo empenho pela questão do transporte ferroviário que herdara do pai atrelado à sua valiosa experiência de jornalista.

O discurso jornalístico e técnico elaborado pela Revista em suas diferentes fases tem ininterruptamente acompanhado e discutido a questão do trem no Brasil em seus projetos, ganhos e perdas, aspirações e acontecimentos relevantes. A Revista e sua equipe têm explicado o trem no Brasil e ao Brasil, voltando-se também para o transporte ferroviário em outros países e continentes. Com isso, ao longo das décadas, alargou seu âmbito de ação alcançando relevância nacional e internacional no setor ferroviário e de transportes. A Revista realçou e realça a importância do trem na vida brasileira, compreendendo o transporte de indivíduos, de famílias, de cargas, atravessando os municípios e estados da federação.

Faltaria consistência, porém, a essas evocações e considerações se elas se fechassem em si mesmas, sem dar lugar à importante indagação que ocorre, certamente, a todo leitor interessado na problemática ferroviária no Brasil.

Como se vê, hoje, o futuro do trem no país? Como a concessão à iniciativa privada, atualmente na ordem do dia, poderá modernizar a malha ferroviária e implementar uma ampliação adequada às reais necessidades de integração nacional, beneficiando o processo produtivo e o escoamento das exportações?

Este é o grande desafio que se apresenta, após muitos anos sem o planejamento estratégico adequado, com os interesses políticos e grande parte dos empresários voltados basicamente para as rodovias, como bem se sabe, desde a época da construção de Brasília. Enquanto 65% das estruturas de transporte no Brasil são rodoviárias, apenas 15% dessas estruturas ainda pertencem atualmente ao âmbito ferroviário – que é responsável por milhares de empregos diretos e indiretos.

Considerando que abril será o mês do ferroviário, e junto ao maior símbolo ferroviário do Brasil no Rio de Janeiro, a Central do Brasil (imortalizado no grande filme de 1998 do mesmo nome), lembremos que desde 1854, quando foi inaugurada a primeira ferrovia no país, o trem vem prestando seus inestimáveis serviços ao Brasil. Uma modernização eficaz que beneficie a população brasileira se impõe e com urgência, nesta primeira metade do século XXI.

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