Afora milagres, o pandemônio mundial vai fazer com que o governo arrecade menos. Com menos receita e a perspectiva incerta do que vai ser o mundo daqui a algumas horas, que dirá meses, haverá contenção de despesas por precaução, “contingenciamento”.
É razoável especular que o governo federal perca uns R$ 20 bilhões da receita esperada para este ano, o equivalente a dois terços do gasto anual em Bolsa Família, baixa devida ao crescimento menor do PIB e da receita com petróleo.
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Seria um impacto extra da crise que começou com o novo coronavírus. Haverá outros.
A tormenta pode levar empresas importadoras de insumos a baixarem a produção (por falta ou encarecimento deles) e provocar retranca no crédito bancário. Pode assustar famílias que nos últimos anos fizeram aplicações financeiras mais arriscadas e muito mais, pois a alta rápida do dólar abala ânimos em geral.
Um aperto duradouro no gasto público, ainda que provisório, tende a tirar mais um tico do crescimento previsto, já baixo e caindo. A gritaria nos ministérios e nas ruas pode reprisar a de 2019 (lembre-se do protesto contra a suspensão de gastos em educação, por exemplo). Haverá mais sugestões de suspender o teto constitucional de gastos federais.
Nas estimativas da Instituição Fiscal Independente (IFI), a redução de 0,1 ponto percentual no crescimento tira entre R$ 1,5 bilhão a R$ 2 bilhões da receita bruta do governo federal. A IFI é um órgão de acompanhamento e avaliação das contas públicas ligado ao Senado.
Considere-se que a previsão de crescimento do PIB caia dos 2,4% (estimativa inicial do governo para o ano) para 1,6% (número para o qual convergem grandes bancos e consultorias); calcule-se tal impacto sobre a receita líquida federal. Dá uns R$ 11 bilhões.
Mas a coisa pode ser pior. Com o tombo do preço do barril de petróleo, deve cair a receita com as participações em “exploração de recursos naturais” (concessão de exploração de petróleo, por exemplo, o grosso).
Nas contas de um grande banco, apenas por causa do petróleo a redução da receita federal pode ser de R$ 10 bilhões caso o petróleo continue cotado a US$ 36 o barril e o dólar fique perto de R$ 4,80 (para o governo federal, as perdas seriam de R$ 4 bilhões. O resto do prejuízo recairia sobre estados e municípios).
Este jornalista, porém, ouviu estimativas maiores de perdas com a receita do petróleo: de R$ 20 bilhões (cálculo de outro bancão) ou mesmo R$ 30 bilhões, acredita um analista das contas públicas.
No ano passado, a média do preço do barril foi de US$ 64 (o tipo Brent); ainda em fevereiro, de US$ 55. Houve um colapso desastroso. Em 2019, a receita bruta com “exploração de recursos naturais” foi de R$ 64,7 bilhões, dos quais R$ 38,8 bilhões foram transferidos para governos regionais.
Trata-se aqui de tentativas preliminares de fazer projeções e apenas sobre as contas públicas. Há outros impactos a considerar.
O pânico no mercado mundial tende a diminuir a inclinação de investir no Brasil, em particular em novos negócios ou concessões, especificamente de petróleo, embora se trate de um investimento em que se leva em conta o prazo de uma década.
Começam a pipocar exemplos de empresas brasileiras com dificuldades de refazer estoques de matérias primas e peças importadas. De início, a desvalorização rápida do real desestimula a compra de máquinas e equipamentos importados.
Uma queda muito grande da confiança do consumidor, mesmo na ausência de limitações práticas impostas pela possível disseminação da Covid-19 no Brasil, pode prejudicar o ânimo das empresas de demandar crédito -ou dificultar a concessão de empréstimos. Segundo bancos, isso ainda não está no radar. Mas pode entrar, caso esta crise aguda dure mais um mês ou dois.
O Ibovespa, que mede a variação das principais ações brasileiras, perdeu toda a valorização que teve desde o início do governo de Jair Bolsonaro. Altas de taxas de juros de longo prazo e a evaporação de parte da Bolsa tendem a baixar a confiança de famílias mais remediadas.
Enfim, trata-se de chutes informados preliminares, ressalte-se. Quase todo mundo da finança foi pego de calças curtas e sem galochas na tempestade que se seguiu à queda histórica dos preços do petróleo. As recentes revisões para baixo do crescimento da economia, que não têm semanas, terão de ser requentadas -ou, melhor, resfriadas sob balde de gelo. Mas, apesar da pancada, sabe-se ainda muito pouco do futuro desta crise.
*Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).
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