A queda dos investimentos no quarto trimestre de 2019, de 3,3% ante os três meses anteriores, reforçou entre parte dos analistas a percepção de que a economia terá dificuldades para sustentar um crescimento muito além de 1% em 2020. A combinação de incertezas relacionadas ao impacto do coronavírus e ao andamento das reformas, num quadro de capacidade ociosa elevada, tem efeito negativo sobre as decisões de investimento.
Uma hipótese para a queda da formação bruta de capital fixo (FCBF, medida do que se investe em máquinas e equipamentos, construção civil e inovação) no fim do ano é que indústria passou por intenso ajuste de estoques “e, no caso específico de veículos pesados, o desempenho foi muito fraco”, diz Flávio Serrano, economista-chefe do banco Haitong. Soma-se a isso a queda de 2,5% da construção no último trimestre, o que seria uma “devolução” do desempenho registrado pelo setor nos meses anteriores, afirma ele.
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Ao longo do ano, outros fatores penalizaram o humor dos investidores, como a incerteza sobre andamento das reformas, em especial a tributária, e a paradeira da indústria de transformação. Além disso, o dólar alto encarece a importação de bens de capital, parte importante na composição do investimento.
“O investimento tem elementos favoráveis muito reais, o juro está mais baixo e o mercado de capitais está ‘bombando’. Mas o câmbio está tornando mais cara a importação de bens de capital”, afirma Fernando Honorato, economista-chefe do Bradesco.
Segundo ele, parte do cenário para os investimentos está ligada não só ao ambiente global mas também há efeitos da baixa produtividade brasileira. “Como a indústria de transformação não andou, essa perna do investimento também não cresceu.”
De queda de 0,8% no primeiro trimestre, o investimento passou para alta de 2,6% nos três meses seguintes; avanço de 1,3% de julho a setembro; e então recuo de 3,3% no fim do ano, sempre em relação os três meses anteriores. Com isso, a FBCF encerrou 2019 com alta de 2,2%, inferior à taxa de 3,9% em 2018. Segundo Alberto Ramos, diretor de pesquisa para América Latina do Goldman Sachs, o indicador ainda está 27,8% abaixo do pico, no segundo trimestre de 2013, e em igual nível do primeiro semestre de 2008.
A taxa de investimento em proporção do PIB avançou de 15,2% para 15,4% entre 2018 e 2019, mas segue bem abaixo da casa de 20% verificada de 2010 a 2013. “Uma retomada mais contundente do investimento deve continuar figurando como maior desafio para o crescimento”, diz, em relatório, a gestora Guide Investimentos.
No acumulado de 2019, o desempenho do investimento foi sustentado pela construção, que passou de queda de 4,4% em 2018 para alta de 1,9%. O segmento de máquinas e equipamentos, ligado à atividade industrial, mostrou forte desaceleração: subiu 0,9% em 2019, contra avanço de 15,2% no ano anterior. O primeiro representa 44% da FBCF, e o segundo, 40%. O segmento “outros”, que inclui os investimentos em pesquisas, desenvolvimento e tecnologia da informação, acelerou a taxa de crescimento de 4,4% para 7,1%. A participação desse item, porém, é de 16% na FBCF.
O novo coronavírus é um elemento que torna mais urgente as mudanças no regime tributário, afirma José Ronaldo de Souza Jr., diretor de macroeconomia do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). “Estava em curso uma retomada mais ou menos em linha com o que esperávamos, mas esse fator exógeno [coronavírus] tem um impacto, mesmo fazendo a melhor condução de política econômica possível”, disse. “As reformas são a parte controlável e vão depender da interação entre o governo e o Congresso.”
Honorato diz que a aceleração das concessões e as reformas vão garantir um crescimento sustentado no médio e longo prazos, mas não descarta um PIB mais forte mesmo antes dessas mudanças. Para ele, a composição do PIB está mais saudável, embora a taxa de crescimento em 2019, de 1,1%, tenha ficado abaixo do 1,3% em 2017 e 2018. “Há indícios claros dessa nova combinação de política econômica adotada desde 2016, de contração do gasto público e aceleração da demanda privada.” (Colaborou Anaïs Fernandes)
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