Resposta à covid-19 e crise política afastam estrangeiro

Solange Srour: combate à pandemia e aos seus efeitos foi desorganizado — Foto: Silvia Zamboni/Valor

Enquanto EUA e Europa começam aos poucos a reabrir a economia após o efeito da covid-19 e dão os primeiros sinais de retomada, o Brasil deve ter dificuldades para engatar esse processo e se aproveitar da incipiente melhora do cenário externo. Combinado ao acirramento das tensões no cenário político, isso pode afastar o investimento estrangeiro do país. Em abril, o fluxo do que se investiu em atividades produtivas caiu a US$ 234 milhões, muito abaixo dos US$ 5,1 bilhões do mesmo mês de 2019 (ver Investimento direto tem pior abril em 25 anos, diz BC).

Como os países desenvolvidos foram atingidos pela doença antes de grande parte dos emergentes, era esperado que pudessem abrandar mais cedo as medidas de isolamento social e, assim, iniciar a normalização da atividade. A retomada da economia brasileira, porém, pode ser mais lenta não só porque o país foi um epicentro tardio do novo coronavírus, mas também porque a falta de coesão na adoção de medidas de quarentena deve atrasar a reabertura. Para completar, a crise política aumenta a incerteza e, com isso, diminui a previsibilidade sobre a trajetória das contas públicas, combinação negativa para o investimento externo.

De acordo com o consenso de mercado do boletim Focus, o PIB brasileiro vai recuar 5,89% em 2020 e crescer 3,5% em 2021, o que resultaria em perda de média de 1,2% em cada ano. Assim, o Brasil ficaria atrás de 155 de 190 países, considerando os prognósticos do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a amostra, segundo o pesquisador Marcel Balassiano, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

Para Solange Srour, economista-chefe da ARX Investimentos, o Brasil deve ficar para trás na retomada pós-pandemia porque o combate à covid-19 e aos seus efeitos econômicos foi desorganizado. “Fomos atingidos pelo mesmo choque, mas diferentemente do que vimos em outros países, aqui tivemos uma ‘contragestão’”, diz ela, referindo-se ao embate entre Executivo e governos regionais sobre a adoção do isolamento.

Na visão de Solange, o Brasil deve também atrair menos investimento estrangeiro direto que outros países, enquanto o investimento em portfólio deve ser de curto prazo, para aproveitar os ativos financeiros baratos. “Estamos com uma insegurança jurídica muito grande”, diz, mencionando a discussão de projetos no Congresso que tabelam juros e congelam preços. “Mesmo que essas medidas fiquem restritas ao período de pandemia, são uma quebra de contrato relevante, e o investimento direto vai demorar a vir por causa disso.”

“O investidor estrangeiro já estava com o pé atrás num quadro sem covid-19, e temos crise política e incerteza mais elevada. Esse cenário segue desfavorável”, concorda Juan Jensen, sócio e economista da 4E Consultoria. Para Jensen, a retomada, porém, será tão gradual como a de outros países. “Só teremos desempenho pior que a média se entrarmos num cenário pessimista de um novo processo de impeachment.”

Coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, Armando Castelar avalia que a retração do investimento estrangeiro direto será generalizada. O Brasil, porém, deve ser mais lento na reabertura de sua economia, porque a doença ainda parece estar longe de ser controlada aqui. “Acabamos no meio do caminho, que foi ter medidas de restrição de atividade, mas sem extrairmos o benefício integral delas”, diz Castelar. A curva de contágio já teve momentos piores, quando a alta diária nos casos chegou a 10%, pondera. Agora, essa taxa está em 6%, mas reabrir totalmente a economia só é possível quando há uma estabilização entre 1% e 2%, observa ele.

Para piorar esse quadro, mesmo antes da covid-19, a incerteza elevada já vinha atrapalhando a retomada, destaca Castelar, o que se acentuou com as tensões políticas recentes e deve prejudicar o processo de recuperação. Segundo o Indicador de Incerteza do Ibre/FGV, o Brasil registrou o nível mais alto num grupo de 21 países em abril e, em maio, a prévia do dado brasileiro sugere acomodação nesse patamar.

“A incerteza alta é inimigo número um de decisões de investimento. Nesse ponto, o Brasil é o patinho feio da história”, diz Bráulio Borges, economista-sênior da LCA Consultores. Borges pondera que, no primeiro semestre, a retração do PIB no Brasil não deve ficar em descompasso ante o resto do mundo. A dúvida é se o ritmo de reação será pior ou melhor. Segundo Borges, há elementos que apontam em ambas as direções. Como fator positivo, ele menciona o pacote de estímulo à economia que, no Brasil, é maior do que a média global como proporção do PIB. Do outro lado, várias medidas que o compõem se mostraram ineficazes, como a linha de crédito para empresas, que teve praticamente nenhuma demanda, ponderou.

Se não é possível cravar que o Brasil terá reação econômica mais lenta, o país está claramente atrás de outros na quantidade de informações sobre o vírus, critica. “O Brasil é um dos poucos países em que não temos a mínima ideia de qual é o ritmo de testagem da população, e essa informação é crucial para planejar o início da flexibilização.”

Fonte: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/05/27/resposta-a-covid-19-e-crise-politica-afastam-estrangeiro.ghtml

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