Crise impõe restrições e paradas a obras no país

Para José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção, uma das preocupações será a revisão dos contratos afetados pela pand~emia. Foto: Ana Paula Paiva/Valor

A pandemia tem provocado transtornos e restrições a obras de infraestrutura em diversas regiões do país. O setor comemora o fato de que, em geral, as medidas de isolamento não impediram completamente o andamento de projetos – o que não significa, porém, que não há impacto, e que não haverá necessidade de revisões contratuais no futuro.

Desde que a crise se agravou no país, passaram a surgir decretos municipais e estaduais criando limitações a obras. Muitas vezes, é por meio da Justiça que são impostas restrições nos canteiros de obras – como no número de funcionários por alojamento ou por turno de trabalho. O resultado é o aumento de custos, atrasos e, em alguns casos, a interrupção temporária de obras, segundo construtoras e advogados ouvidos pela reportagem.

Um dos agravantes para as obras de infraestrutura é que, em geral, demandam um número alto de funcionários, que acabam vindo de diversas regiões do país e de centros urbanos, afirma Rômulo Mariani, sócio do escritório Baraldi Mariani Advogados. Como esses empreendimentos estão em áreas mais isoladas, há um temor grande de contaminação. Em uma cidade pequena, qualquer caso de covid-19 já gera uma repercussão enorme, diz.

Um exemplo extremo disso ocorreu, na última semana, em uma obra da Andrade Gutierrez. A empresa teve que interromper a construção de uma linha de transmissão do grupo Equatorial, entre a Bahia e o Piauí, após uma reação popular violenta contra funcionários que haviam contraído a doença. Moradores de Campo Alegre de Lourdes (BA) chegaram a atear fogo ao alojamento dos trabalhadores.

Depois do episódio, as obras foram interrompidas, no dia 28 de maio, por um prazo inicial de 15 dias. Os funcionários infectados estão cumprindo quarentena nos alojamentos da empresa, enquanto os demais foram levados à suas cidades de origem, informou a Andrade Gutierrez, que lamentou o episódio de violência. Tanto a construtora quanto a Equatorial também ressaltaram as medidas de prevenção que têm sido adotadas.

Embora menos dramáticos, há uma série de outros episódios de obras afetadas pela pandemia.

Hoje, os Estados mais impactados são Pernambuco, Sergipe, Paraíba e Piauí, segundo mapeamento da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic). Outras regiões já flexibilizaram restrições, como Ceará, Santa Catarina, Goiás e Maranhão.

Em São Paulo, houve um episódio logo no início da crise em que a Justiça determinou a interrupção de obras de duplicação da rodovia da Concessionária Tamoios, da Queiroz Galvão. A liminar, obtida pela prefeitura de Caraguatatuba (SP), foi revertida em poucos dias, mas medidas de segurança adicionais tiveram que ser adotadas.

Em Santa Catarina, a construção de uma linha de transmissão da EDP, sob responsabilidade da Camargo Corrêa Infra, também sofreu uma parada no mês de maio devido à pandemia. A obra começou a ser retomada no dia 25 de maio e hoje opera com 50% de sua mão de obra. A companhia afirma que tomou uma série de medidas preventivas, que vão desde a aferição da temperatura de todos funcionário no início dos turnos até o reforço na higienização de todas as instalações usadas pelos empregados.

A Rumo também teve projetos impactados. Sua subsidiária de logística, a Brado, teve que adiar a construção de um terminal de cargas no município de Imperatriz, no Maranhão. A própria construção da ferrovia Norte-Sul teve que passar por grandes adaptações para evitar aglomeração – os turnos de trabalho passaram de cinco para 30.

Apesar do impacto em diversos canteiros, a avaliação geral do setor de construção é positiva, segundo José Carlos Martins, presidente da Cbic. Com o tempo, foram criadas regras de segurança, e as atividades da construção foram retomadas. Claro que há uma redução, mas no caso de obras de infraestrutura ela não é significativa, afirma.

Na avaliação dele e das construtoras, uma das preocupações ainda está por vir, com a perspectiva de revisões dos contratos, diante de eventuais atrasos e do aumento significativo de custos registrados pelas empresas.

Será uma discussão grande. É preferível, tanto para as empresas quanto para os governos, criar uma norma geral sobre a repactuação do que discutir individualmente cada caso, possivelmente na Justiça, diz ele.

Outro possível impacto de longo prazo que começa a preocupar o setor é a crise fiscal que se anuncia, avalia Fernando Vernalha, sócio da VGP Advogados.

Há um temor quanto à capacidade dos governos, principalmente municipais e alguns estaduais, de honrarem com pagamentos. Pode haver uma nova onda de obras paradas no país, o que significaria novas disputas por conta da suspensão de contratos, afirma.

Fonte: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/06/05/crise-impoe-restricoes-e-paradas-a-obras-no-pais.ghtml

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