Um dos principais gargalos do desenvolvimento econômico e social do Brasil hoje é a infraestrutura, que está bastante defasada, afetando a produtividade, competitividade e a qualidade de vida dos seus cidadãos. Na área de transportes, por exemplo, se projetos definidos no Plano Nacional de Logística fossem devidamente executados em tempo e de forma eficiente, o custo do transporte seria reduzido em cerca de R$ 54,7 bilhões anuais a partir de 2025. No saneamento, a infraestrutura precária (ou deficitária) afeta de forma cruel os mais pobres: o sistema nacional de informações sobre o saneamento indica que mais de 35 milhões de brasileiros não possuem abastecimento de água tratada e quase 100 milhões não têm acesso à coleta de esgoto.
Estima-se que o Brasil precisa no mínimo dobrar os investimentos em infraestrutura nos próximos 20 anos para enfrentar esses gargalos. O aporte de recursos nesse montante pode ajudar a posicionar a economia numa trajetória mais positiva, com aumento adicional do PIB de R$ 2,8 trilhões na próxima década e a criação de mais 2 milhões de empregos até 2030 em relação ao modelo de desenvolvimento atual, como indica o relatório Uma Nova Economia para uma Nova Era, lançado em agosto pelo WRI Brasil. Para que funcione, tais investimentos necessitam incorporar os critérios modernos de infraestrutura de qualidade, incluindo devidamente temas sociais e ambientais. Fazê-lo é factível, é racional, e é uma grande oportunidade para o Brasil superar a profunda crise em que se encontra.
Infraestrutura de qualidade é um conceito já consolidado pelo G-20, o grupo das vinte maiores economias globais. Seus princípios envolvem um planejamento consistente, acompanhado de uma implementação tutelada por uma governança participativa, regras públicas claras, instituições robustas, integração entre diferentes esferas de governo, capacidades para decisões informadas e esforços anticorrupção.
Também exigem integrar variáveis ambientais e climáticas, que são fundamentais por pelo menos três motivos. Primeiro, os biomas do Brasil são capital natural necessário ao funcionamento da economia nacional. Por exemplo, aproximadamente 70% do PIB brasileiro vem de áreas que recebem chuvas ou água da Amazônia – cujas florestas estão em risco de danos irreversíveis. Em segundo lugar, as infraestruturas brasileiras já estão sendo afetadas por eventos climáticos extremos (incêndios, secas, elevação do nível do mar, acidificação dos oceanos, pesca reduzida etc). Investir com sustentabilidade aumenta, portanto, as chances de um Brasil mais resiliente, produtivo, próspero e inclusivo.
Por fim, o setor financeiro está mais reticente a investimentos de projetos convencionais que não levem totalmente em conta os riscos ambientais e climáticos. Grupos de investidores e fundos de investimentos têm mobilizado trilhões de dólares em capitais para financiar a transição para um sistema de baixo carbono e mais resiliente nas próximas décadas.
Entre 2016 e 2018, os ativos de investimentos sustentáveis aumentaram 34% e chegaram a mais de US$ 30 trilhões no mundo. Em países como Canadá, Austrália e Nova Zelândia, mais da metade do total de ativos gerenciados são verdes, realidade para a qual se direciona o continente europeu. Estados Unidos e Japão têm 26% e 18% de ativos sustentáveis, respectivamente. Em 2019, a emissão global de títulos verdes foi estimada em US$ 257 bilhões, um recorde em relação aos anos anteriores. As previsões para 2020, antes da pandemia covid-19, eram de US$ 350 bilhões, centrados majoritariamente na Europa, América do Norte e região Ásia-Pacífico, em especial na China.
Essa tendência de retomada verde deverá se acelerar no mundo pós-pandemia à medida que os bancos e investidores institucionais passarem a completamente integrar o risco climático em seu gerenciamento de portfólio e redefinirem suas aplicações. As oportunidades não se limitam a estes mercados. A sustentabilidade já é um princípio norteador nos mandatos dos parceiros multilaterais de desenvolvimento do Brasil, como Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), Novo Banco de Desenvolvimento e agora o Asian Infrastructure Investment Bank. No Brasil, o próprio BNDES aprofundou seu papel de financiador direto de projetos sustentáveis, além de atuar como uma figura central na emissão de títulos verdes.
O Brasil pode, e deve, ser um porto seguro para atrair tais recursos: somente com investimentos sustentáveis em energia, indústria de construção civil, transporte, gestão de resíduos sólidos e eficiência energética industrial, estima-se que o país tem um potencial de gerar US$ 1,3 trilhão que poderiam apoiar novos créditos e emissões de títulos verdes.
Para que essa oportunidade se realize não é necessário reinventar a roda. Para começar, é imprescindível reforçar de forma inequívoca os mecanismos de fiscalização e o combate a atividades incompatíveis com a manutenção do capital natural do país. Dessa forma, o Brasil irá conquistar a confiança dos investidores e financiadores e do mercado no comprometimento do país com uma retomada verde. No entanto, aproveitar esta oportunidade depende também de aprimorar a governança dos investimentos em torno dos princípios de infraestrutura de qualidade, além de conectar melhor as iniciativas e os instrumentos públicos e privados.
Uma recuperação com infraestrutura sustentável não é sonho. É factível, é racional, e é uma grande oportunidade para o Brasil superar esta profunda crise e construir uma infraestrutura de qualidade e uma logística racional e consistente para um país mais competitivo, justo, resiliente e próspero.
Rogerio Studart, Adalberto Vasconcelos e Ana Cristina Barros são respectivamente Senior Fellow do WRI, CEO da ASV Infra Partners, e consultora. Foram coautores do estudo Uma Nova Economia para uma Nova Era, lançado pelo WRI Brasil e iniciativa New Climate Economy.
Fonte: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/recuperacao-com-uma-infraestrutura-sustentavel.ghtml
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