Em conjunto com organizações da sociedade civil, o MPF (Ministério Público Federal) enviou ontem uma representação ao TCU (Tribunal de Contas da União) pedindo a suspensão cautelar do processo de privatização e a proibição da licitação da Ferrogrão, ferrovia que liga Sinop (MT) a Itaituba (PA), com impacto potencial sobre 48 territórios de povos indígenas.
O governo brasileiro se recusa a consultar os povos afetados, mesmo tendo recebido pelo menos oito pedidos de associações indígenas e duas recomendações do MPF, além de ter se comprometido a respeitar os direitos previstos na Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).
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Segundo o MPF, o planejamento do governo desconsidera totalmente os impactos sobre os indígenas, que já foram detectados pelos primeiros levantamentos, e viola direitos reconhecidos nacional e internacionalmente desses povos.
Os estudos até então realizados (…) poderão legitimar grandes e irreversíveis danos ao meio ambiente e às populações indígenas, quilombolas e tradicionais, bem como à ordem urbanística das cidades pelas quais a ferrovia se estenderá, ou mesmo poderá camuflar a inviabilidade econômico-financeira do próprio empreendimento, diz o documento.
Levantamentos iniciais apontam impactos potenciais sobre o conjunto de terras do povo Munduruku, nas regiões do médio e Alto Tapajós; sobre as terras dos povos Panará, Kayapó e Kayapó Mekragnotire, no sudoeste do Pará; e sobre seis terras indígenas no Mato Grosso, incluindo áreas de povos isolados e o Parque Indígena do Xingu.
Esses impactos incluem invasões das terras indígenas, aumento do desmatamento, evasão das aldeias para centros urbanos e até o aumento do alcoolismo entre jovens indígenas.
É inconstitucional, inconvencional [sic] e ilegal a exclusão da participação das comunidades afetadas, uma vez que a análise desses aspectos sociais pode justamente inviabilizar a execução do projeto, ou seja, acarretar grandes prejuízos financeiros, a ponto de tornar o empreendimento pouco atrativo para os investidores, ponderam as entidades.
Além do MPF, assinam o documento o Instituto Socioambiental (ISA), a Associação Iakiô, do povo Panará, a Associação da Terra Indígena do Xingu (Atix), o Instituto Raoni, do povo Kayapó, o Instituto Kabu, do povo Kayapó Mekragnotire.
Entenda o caso A ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), responsável pelo projeto da ferrovia, assumiu em 2017, durante uma audiência em Brasília, o compromisso de realizar a consulta prévia aos indígenas antes de enviar o processo de concessão da Ferrogrão ao TCU para análise.
A promessa foi feita pelo então presidente da agência, Alexandre Porto, que disse que o governo iria obedecer o que a Organização Internacional do Trabalho exige. Posteriormente, o compromisso foi reiterado em documento que consta do processo de concessão.
As consultas nunca foram realizadas e, em 13 de julho de 2020 o Ministério da Infraestrutura encaminhou para análise do TCU o processo de concessão da Ferrogrão, também chamada EF-170.
Ao mesmo tempo, também tramita o processo de licenciamento ambiental da ferrovia junto ao Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), e há previsão para que a licitação seja feita no final do ano, com emissão de licença prévia no primeiro semestre de 2021.
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