O Fundo Monetário Internacional estabeleceu a centralidade do investimento público para a retomada da economia global em seu Monitor Fiscal. Não chega a ser a redenção final dos desenvolvimentistas. Quando detalha e examina o passado, há duras lições: bons investimentos do Estado têm grande impacto, mas em grande medida fracassam e não são nada simples de conceber e executar.
Em Investimento público para a recuperação, o FMI inverte a lógica de economistas ortodoxos, como, por exemplo, Paulo Guedes, e aponta que choques de inversões do Estado produzem forte reação da demanda e podem, em vários casos, mostrar o compromisso de governos com o crescimento e estabilidade. Ao melhorar a confiança, estimula o investimento privado que, de outra forma permaneceria cauteloso em investir. Diante de colapsos da demanda, é o Estado que tem de arrastar o setor privado, quando puder.
As coisas se complicam muito a partir daí. Investir é diferente de gastar, exige planejamento, prioridades e experiência. Se o investimento visa obter resultados a curto prazo, como agora na pandemia, para reduzir o exército de milhões de desempregados, requer muito discernimento. Os resultados do aumento dos investimentos podem ficar bem abaixo das expectativas, adverte o FMI.
O mero fato de mostrar que o Estado está disposto a gastar parece elevar os custos das obras executadas como que por encanto. Os aumentos de custos são maiores, assim como os atrasos, quando os projetos são aprovados e executados em um momento em que os investimentos se aceleram.
A necessidade de enfrentar os efeitos da pandemia não apaga a memória de que atrasos e aumentos de preços são generalizados em obras públicas. Em 2.200 projetos financiados pelo Banco Mundial, cobrindo 110 países emergentes e em desenvolvimento, 40% deles saíram mais caro que o estimado e 75% não terminaram na data planejada.
Aceleração de investimentos são acompanhados por surtos de corrupção, algo que dispensa explicações no caso brasileiro, e essa não é a única fonte de desperdícios. O levantamento indica que um terço dos recursos gastos em infraestrutura foram perdidos. O FMI sugere que governos se concentrem em projetos que estão à mão, boa parte deles de manutenção do estoque de capital público, pois grandes projetos de infraestrutura requerem pelo menos 5 anos de preparação.
Idealmente, os governos deveriam ter disponível um pipeline de projetos que pudesse ser executado em dois anos. Parece óbvio, mas não é – basta ver que desde o PPI do governo Temer até hoje são sempre as mesmas obras que surgem das gavetas, quando se quer anunciar algum plano, e voltam para elas depois (sim, a Ferrovia Norte-Sul ainda é uma delas). De 63 países submetidos a avaliação de gerenciamento, mais da metade não tem rol de projetos pronto.
O problema não é insolúvel: uma pequena força tarefa de especialistas poderia rever a relação de grandes obras e escolher as mais viáveis, ou estabelecer prioridades entre as que estão em execução. O fast tracking de projetos, como faz a Austrália, poderia remover muitos obstáculos usuais, desde que sob vigilância e transparência.
Mas que projetos priorizar? O FMI julga que são os que reduzam a probabilidade ou impacto de futuras crises, incluindo pandemias, mudanças climáticas e digitalização. Um critério essencial, ainda mais agora, é o da criação de empregos. Pesquisa conduzida com acadêmicos e burocratas do G-20 constatou, por exemplo, que os gastos em infraestrutura de energia limpa, melhoria da eficiência energética em prédios e criação de espaços verdes têm grandes multiplicadores de longo prazo. Investir em adaptação climática tem altos retornos, frequentemente ultrapassando os 100%, aponta.
Avaliação em 27 países avançados e 14 emergentes, por duas décadas (de 1999 a 2017), indicou que projetos em saneamento e água podem criar 8 vagas por US$ 1 milhão investidos, ante 7 em eletricidade, 5 em estradas e 2 em escolas e hospitais – no caso dos emergentes. Investir em energia limpa, no curto prazo, é intensivo em trabalho. Com o marco regulatório aprovado no Brasil, o saneamento poderia então desempenhar papel relevante na recuperação do emprego.
Baseado em um ranking do Fórum Econômico Mundial com as economias avançadas mais eficientes em investir, o FMI concluiu que investimentos públicos têm multiplicador fiscal (quanto R$ 1 de gasto público gera de consumo em outros setores) de 0,8 no primeiro e de mais de 2 em um horizonte de longo prazo. Não se trata de regra e há senões: esses multiplicadores podem ser quatro vezes menores no caso de países mais baixos na classificação. É o caso do Brasil.
Um choque de 1% do PIB nos investimentos poderia aumentar em 0,9 a 1,5% o emprego em dois anos, e seu multiplicador seria superior a dois após esse período. No Brasil, porém, todo o investimento público foi reduzido a 1% ou quase isso no orçamento de 2021.
Há um impasse dramático. Um governo de um Estado quase quebrado não tem dinheiro, ou vontade, de investir e aposta que se nada fizer o setor privado o fará, enquanto que o setor privado, reticente, não investe. Investir pode ser ouro de tolos, como tem sido muitas vezes no Brasil. É muito complexo e dá trabalho. Mas no país não é exceção que se discutam primeiro os recursos para depois se ir atrás de projetos viáveis (que frequentemente não existem).
Ficamos então sem nada, perdidos, sem rumo, à beira do caminho do desenvolvimento.
José Roberto Campos é editor executivo do Valor
Fonte: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/investir-e-legal-mas-nao-e-facil.ghtml
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