Valor Econômico (Opinião) – Na última década, a China assumiu papel preponderante no comércio e atração de investimentos diretos para o Brasil. Desde 2009, é nosso principal parceiro comercial. O agronegócio exportou para a China US$ 32 bilhões de janeiro a novembro de 2020, ou 34,7% do total. O país foi o principal destino de sete dos dez maiores produtos exportados pelo setor: soja, carne bovina, açúcar, celulose, frango, algodão e carne suína.
O rápido aprofundamento do relacionamento com país de história e cultura tão distintas da nossa alimentam o imaginário local com visões que nem sempre correspondem à realidade. Escreve Henry Kissinger em Sobre a China: Diferentes histórias e culturas produzem conclusões ocasionalmente divergentes. Nem sempre concordei com a perspectiva chinesa, assim como nem todo leitor vai concordar. Mas é necessário compreendê-la, uma vez que a China vai desempenhar esse papel tão importante no mundo que está emergindo no século XXI.
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A realidade da China é dinâmica e as transformações aceleradas. A seu modo, o país liderou um dos mais impressionantes processos de desenvolvimento econômico da história e retirou da pobreza 850 milhões de pessoas, segundo o Banco Mundial. O desenvolvimento da agricultura em larga escala no mundo foi essencial para alimentar a população crescente e sustentar os padrões de consumo da nova classe média. O Brasil soube adaptar as tecnologias à produção tropical, tornou-se uma potência agrícola e parceiro de confiança da China no fornecimento de alimentos. O país asiático consolidou sua posição entre os maiores produtores e exportadores de produtos agrícolas e, mais recentemente, como grande importador.
Novos desafios globais como mudança do clima, conservação e recuperação de florestas e manutenção da biodiversidade estão recolocando a agricultura no centro da discussão internacional. A China não está alheia ao processo e, portanto, nosso agronegócio precisa estar atento a estes desdobramentos, com seus desafios e oportunidades.
Maior emissor de gases de efeito estufa, com 28% do total mundial, a China surpreendeu com recente compromisso de alcançar a neutralidade de emissões até 2060. A meta está sobretudo relacionada à mudança das matrizes energética e de transportes. Além disso, como se trata de emissão e sequestro de carbono dentro do país, não afeta automaticamente as importações de nossos produtos agropecuários. A neutralidade climática, contudo, é parte de ampla mudança de mentalidade que envolve a alta liderança política do país e que tende a se espraiar progressivamente pelas empresas e atingir também os consumidores chineses.
A atenção aos problemas ambientais por parte das elites dirigentes e da sociedade chinesa foi-se desenvolvendo conforme tornaram-se evidentes os enormes impactos do crescimento econômico acelerado do país nas quatro últimas décadas. A proteção do meio ambiente é hoje apresentada como a força motriz do desenvolvimento de alta qualidade, particularmente da modernização econômica, industrial e energética chinesas.
Em 2018, o conceito de civilização ecológica foi inserido na constituição chinesa, realçando a tentativa de resolver tensões entre conservação ambiental e desenvolvimento econômico por meio de iniciativas concretas, como promoção das energias renováveis, economia de baixo carbono, reciclagem, reflorestamento e despoluição da água e do ar. O 14º Plano Quinquenal, a ser apresentado em março próximo, projeta o desenvolvimento econômico e social do país entre 2021 e 2025 com o meio ambiente como tema de primeira grandeza.
É razoável supor, a partir disto, que empresas e bancos chineses que atuam no mercado internacional passem a adotar critérios de sustentabilidade em projetos e nas relações com fornecedores e parceiros. O principal motivo seria a preocupação com a reputação das corporações, mas estes fatores têm também implicações sobre o acesso a financiamento internacional, que frequentemente envolvem critérios de sustentabilidade, bem como exigências de consumidores cada vez mais atentos ao tema. No mundo pós-covid-19, os conceitos de segurança sanitária, segurança do alimento e sustentabilidade caminharão cada vez mais próximos.
O compromisso ambiental chinês pode ser uma grande oportunidade de agregação de valor para a nossa agropecuária. O produtor capaz de atender a exigências de sustentabilidade poderá ser privilegiado. Sem deixar de reconhecer que é necessário trabalhar por melhorias contínuas neste quesito, o Brasil está bem posicionado para ser um parceiro de confiança da China no fornecimento de alimentos seguros, na escala necessária e produzidos de forma ambientalmente correta.
A Cofco International, subsidiária da maior empresa de alimentos e agricultura da China, anunciou recentemente a meta de rastrear toda a soja que compra no Brasil de fornecedores diretos até 2023. Segundo a empresa, o compromisso resulta da linha de financiamento verde superior a US$ 2 bilhões obtida junto a bancos internacionais em 2019, que prevê descontos nos juros com base em resultados de sustentabilidade. Desde o ano passado, a empresa mapeia fornecedores de soja no Brasil, Argentina e Paraguai, e afirma ter rastreado 100% da soja originada de forma direta de 25 municípios do cerrado prioritários por sua biodiversidade. Também estariam em curso iniciativas relacionadas à sustentabilidade das cadeias de café e algodão.
O caso da soja, nosso principal produto, é ilustrativo do comércio agrícola Brasil-China em geral. Nossa maior importadora do grão está adotando protocolos de sustentabilidade. É um indicativo claro de que o tema não deve ser visto como atributo de nicho ou de consumo de alta renda.
Ignorar o crescimento das preocupações ambientais da China não é uma opção. É cedo para medir o real impacto para o produtor brasileiro, mas devemos estar unidos a nossos parceiros chineses neste desafio e aproveitar a oportunidade para agregar valor ao nosso produto.
Larissa Wachholz é assessora especial da ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para Assuntos de China.
Lígia Dutra é superintendente de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Fonte: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/a-agenda-ambiental-da-china-e-a-agropecuaria-brasileira.ghtml
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