Valor Econômico – Primeiro o reconhecimento de inegável sucesso da semana de leilões na infraestrutura: grandes operadoras estrangeiras reforçando o interesse pelo Brasil e se comprometendo com investimentos de R$ 6,1 bilhões em 22 aeroportos, a concessão de uma ferrovia que será finalmente concluída pelo setor privado depois da frustrada promessa de entrega como obra pública em 2014, cinco terminais portuários arrendados com competição e bons ágios.
Depois, nas palavras de Jair Bolsonaro durante jantar com empresários, uma pitada de como a “Infra Week” pode ser analisada com a profundidade de um pires: “Os investidores estão acreditando no Brasil. Basta olhar, hoje, o leilão dos aeroportos. Não existe terra melhor do que essa. Podem me dar porrada à vontade!”.
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Recomenda-se menos ufanismo ao presidente. O estoque de capital aplicado em infraestrutura no Brasil é de 36% do PIB — outros países de renda média, como Índia (58%) e África do Sul (87%), ficam muito acima disso. O investimento anual no setor não alcança nem metade do sugerido por estudos internacionais. No ranking do Fórum Econômico Mundial, estamos na 120ª posição em eficiência do aparato legal para a resolução de disputas — sinal da insegurança jurídica.
Ainda há pouco o que comemorar: o projeto de novo marco legal das ferrovias foi apresentado em 2018 e até hoje aguarda sua primeira votação no Senado, a Lei do Saneamento carece de regulamentação quase um ano depois de aprovada, Estados e municípios ainda se aventuram em medidas absurdas como a encampação da Linha Amarela no Rio, quem sabe o homem não chegue à Marte antes de muitas capitais brasileiras expandirem suas redes de metrô.
Nos leilões desta semana, pouquíssima gente notou duas ausências. Ausências que têm muito a ver com Bolsonaro e seu jeito de governar: fundos financeiros e os chineses. Pela primeira vez, nas seis rodadas de concessões de aeroportos, o governo não fez a exigência de que os participantes fossem operadoras internacionais. Era uma ideia de abrir mais os leilões para fundos de investimentos, fundos soberanos, fundos de pensão como potenciais acionistas.
No caso dos chineses, que viviam anunciando como prioridade no país entrar na Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) na Bahia, o interesse evaporou com as seguidas hostilidades de autoridades brasileiras a Pequim. Não é uma revisão isolada dos aportes no país. O fundo de desenvolvimento Brasil-China, com US$ 20 bilhões e que foi anunciado durante visita a Brasília do primeiro-ministro Li Keqiang em 2015, virou letra morta.
A lista de “premium assets” do governo federal é cada vez mais enxuta. Restam algumas joias: a relicitação da Dutra, Congonhas e Santos Dumont, o Porto de Santos. Mas, de agora em diante, vamos cada vez mais para o osso. Para transformá-lo em uma carne de corte razoável, é preciso caprichar na modelagem econômica. Às vezes, como têm ocorrido, juntar aeroportos mais rentáveis com outros que dão prejuízo. Compartilhar o risco de demanda, assumir parte do risco cambial, pensar em concessões patrocinadas (as pouco usadas PPPs).
Há nítidos acertos: as próximas rodovias concedidas, começando da BR-153 (entre Goiás e Tocantins) no dia 29 de abril, terão vários desses mecanismos inovadores em seus contratos. Outras, como a BR-381 em Minas Gerais (a chamada Rodovia da Morte pelo número elevadíssimo de acidentes em seu traçado sinuoso), parecem mal calibradas. A duplicação da estrada só termina em 2039, pelo contrato de concessão, e isso não é nada estimulante para quem terá que pagar pedágio.
Até agora, sucesso absoluto. Mas o discurso de “não existe terra melhor do que essa” é ingênuo. Investidores querem ganhar dinheiro com suas apostas e usuários sonham com melhores serviços. Equilibrar esses dois anseios será crescentemente desafiador.
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