Valor Econômico – O plano do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de investir US$ 2,3 trilhões em infraestrutura, anunciado na semana passada, elevou a expectativa da indústria siderúrgica brasileira de que Washington possa rever as cotas que limitam a entrada do aço nacional, impostas no governo de Donald Trump.
Marco Polo de Mello Lopes, presidente do Instituto Aço Brasil, entidade representativa das siderúrgicas brasileiras, nota que a base para um programa de infraestrutura é o aço, “mas a siderurgia americana não tem autossuficiência em matéria-prima, e precisará importar muito mais aço semiacabado”.
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Do pacote de Biden, investimentos de US$ 621 bilhões visam modernizar 20 mil milhas (cerca de 32 mil quilômetros) de estradas, 10 mil pontes, além de hidrovias, ferrovias, rede elétrica e outros. “E ele quer fazer isso com aço de fabricação americana”, comemorou o CEO do Instituto Americano de Ferro e Aço, Kevin Dempsey.
No entanto, para a agência Bloomberg os “riscos do plano de Biden são grandes de atrair mais aço estrangeiro”. Entre os maiores beneficiários poderão estar siderúrgicas do Brasil, Coreia do Sul, Vietnã e Taiwan, por exemplo, “mas não tanto as antes poderosas siderúrgicas americanas que Biden – e Trump antes dele – promete reviver”.
O aço americano é caro demais para isso, diz a Bloomberg, estimando que custa US$ 300 a mais por tonelada que o produto de outros países. “É mais caro, e a razão é truculência direta de Donald Trump, que fechou o mercado americano”, confirma Marco Polo, sem mencionar cifras.
Em todo caso, com o projeto de infraestrutura de Biden, a indústria brasileira vê chances de exportar mais mesmo com um “American First” para recuperar a siderurgia americana.
De US$ 2,3 bilhões de aço que o Brasil exporta para os EUA por ano, em média, 85% são de aço semiacabado para siderúrgicas americanas fazerem o produto final. O país já é de longe o maior fornecedor para os EUA na categoria, com 60% do total importado pelos americanos em 2020, seguido por México, com 23,3%, e Rússia, com 5,77%.
“Não faz sentido as siderúrgicas americanas, que vão ter de atender uma demanda exponencial com o plano de infraestrutura, ficarem engessadas por um regime de cotas”, diz Marco Polo. “Havendo a possibilidade de flexibilização das cotas, vamos aumentar nossa oferta para os EUA.” O executivo nota que o Brasil tem duas siderúrgicas voltadas exclusivamente para exportação, a Ternium, no Rio, e a Pecém (CSP), no Ceará, além da capacidade de Arcelor Mittal e Gerdau.
As importações totais americanas de aço diminuíram 36,7% desde 2018. Foi quando Donald Trump usou a pouco empregada Seção 232 da Lei de Expansão Comercial, de 1962, e sobretaxou em 25% o aço estrangeiro alegando que as importações ameaçavam a segurança nacional dos americanos. Trump só fez três exceções, estabelecendo cotas para o Brasil, Argentina e Coreia do Sul.
No caso do Brasil, Washington utilizou a média de importação do período 2015-2017 e fixou cota de entrada de até 3,5 milhões de toneladas do aço semiacabado sem a tarifa adicional. Já para os produtos acabados, com maior valor agregado, adotou redutor de 30% no volume importado, de forma que o Brasil pode vender no máximo 700 mil toneladas por ano.
O Instituto Aço Brasil já tinha começado a explorar com autoridades em Brasília um movimento pela revisão das cotas. Agora, entrou de vez no radar o envio de uma missão conjunta aos Estados Unidos desde que as restrições a viagens sejam suspensas.
Além do papel de fornecedor tradicional de semiacabados, a indústria quer argumentar em Washington para o que chama de “ganha-ganha”: ao mesmo tempo em que o Brasil exporta US$ 2,3 bilhões de aço para os EUA, importa de lá US$ 1 bilhão de carvão metalúrgico por ano. E quanto mais produzir aço, mais necessitará do carvão americano.
Biden terá pela frente uma dura batalha para aprovar seu plano no Congresso. Enquanto isso, a concorrência é ferrenha no mercado internacional de aço, amplificada por um “excesso monumental” de 520 milhões de toneladas na capacidade de produção global. Em comparação, a capacidade brasileira é de 51 milhões de toneladas, e superior à demanda interna.
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