Nexo – O Brasil vive em 2021 um momento de recuperação econômica. Os dados do primeiro trimestre do ano mostram que essa retomada tem sido impulsionada pelos bons números da agropecuária e da indústria extrativa.
Ambas atividades são favorecidas em 2021 pelo boom de commodities no mercado internacional. Com alta demanda global e preços crescendo, os produtores brasileiros de bens primários – como soja e minério de ferro – têm elevado suas exportações.
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Neste texto, o Nexo explica o que é esse boom e o que está por trás dele. O Nexo também conversa com economistas para entender como esse movimento pode impactar o crescimento da economia brasileira no curto e no médio prazo.
O que é o novo boom de commodities
Commodities são mercadorias com pouco valor agregado e quase sem diferenciação – que podem, portanto, ser negociadas globalmente sob uma mesma categoria. Minérios metálicos, grãos, algodão, açúcar, madeira, carne e petróleo são alguns exemplos de commodities.
A expressão boom de commodities se refere a um ciclo de alta nos preços dessas matérias-primas no mercado internacional. Desde meados de 2020, os preços desses bens estão crescendo – superando até os níveis anteriores à chegada da pandemia do novo coronavírus.
O gráfico abaixo ilustra esse movimento ao mostrar a evolução do índice CRB, da Thomson Reuters/CoreCommodity, um dos principais medidores do preço das commodities no mercado internacional.
Quais produtos estão em alta
As commodities podem ser divididas em diferentes categorias, como agrícolas e minerais. Os agrícolas englobam culturas como soja, milho, algodão, açúcar. Os minerais vão desde o minério de ferro até o petróleo, passando pelo cobre e o ouro.
Em 2020 e 2021, a alta de commodities minerais e metálicas tem sido considerável. O produto com principal alta nesse grupo é o minério de ferro, cujo preço mais que dobrou do final de 2019 até maio de 2021.
124% foi a alta acumulada do preço do minério de ferro de dezembro de 2019 a maio de 2021, segundo o Banco Mundial
Do lado das commodities agrícolas, dois produtos se destacaram nesse período: a soja e o milho. Nesse intervalo, os dois grãos tiveram alta, respectivamente, de 68% e 83%.
O que está por trás do boom
Felippe Serigati, coordenador do mestrado em Agronegócio da FGV-EESP (Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas), afirmou ao Nexo que há, desde 2020, fatores estruturais que impactam o mercado das commodities como um todo.
A recuperação das economias após a queda com a chegada da pandemia é um deles. “A partir do segundo semestre de 2020 – mas com mais intensidade em 2021 –, observamos a demanda no mercado internacional se recuperando com uma intensidade cada vez mais acelerada, por causa da vacinação, que tem avançado, e das muitas políticas de estímulo”, diz Serigatti ao Nexo.
Além disso, o professor da FGV cita a alta disponibilidade de dólares como uma das razões por trás do aumento dos preços das commodities. “O excesso de dólar que, naturalmente, faz com que o dólar passe a valer menos”, diz Serigati. “Como todas essas commodities são precificadas em dólar, se o dólar passa a valer menos, para se manter no mesmo valor, o preço dessas commodities precisa subir”.
Por fim, o economista também afirma que há desequilíbrios do lado da oferta que também têm pressionado os preços internacionais de commodities, como a disrupção de diversas cadeias globais de produção. Com isso, o fornecimento de alguns insumos e matérias-primas ficou comprometido, encarecendo os produtos.
As commodities ‘brasileiras’ no boom
O professor da FGV ainda aponta que há produtos específicos que estão subindo com mais força neste ciclo, por motivos variados. É o caso, por exemplo, do minério de ferro, segundo produto com maior peso nas exportações brasileiras (15% de tudo que o Brasil vende para fora). A matéria-prima do aço está em alta com a recuperação chinesa e os investimentos em infraestrutura feitos ao redor do mundo durante a pandemia – em especial nas grandes potências globais, como EUA e China.
A soja – mais importante produto de exportação do Brasil, com 19% de participação nas vendas ao exterior – também tem sido beneficiada pela China, junto com o milho. Esse movimento está ligado à redução dos rebanhos suínos chineses por causa de uma peste que se instalou no país em 2018 e 2019 – e que também tem ajudado a elevar as exportações brasileiras de carne.
“A peste suína africana obrigou os chineses a sacrificarem uma fração relevante de seu rebanho suíno em 2018 e 2019. Agora, a China está num esforço de recompor seu rebanho suíno. A criação de rebanho está sendo feita agora em um processo mais industrial, e os porcos estão comendo ração, que é feita de grãos. Por isso aumentou a demanda chinesa por grãos. Para o Brasil, isso foi ótimo: ao mesmo tempo que aumentou a demanda pelas nossas carnes, também aumentou a demanda pelos nossos grãos – em especial a soja”, diz Serigati ao Nexo.
O boom de commodities dos anos 2000
O ciclo de 2020 e 2021 é o mais forte movimento de alta das commodities desde o grande boom dos anos 2000, que foi de 2004 a 2011, aproximadamente. Durante esse período, o único momento de queda mais forte das commodities ocorreu na crise global de 2008.
O boom da década de 2000 foi puxado pelo crescimento acelerado de países emergentes – em especial a China. Com as economias desses países aquecidas, a demanda pelas commodities – que suprem as cadeias de produção de bens industriais e alimentos – disparou.
O longo ciclo de alta das commodities dos anos 2000 favoreceu a economia brasileira, e é amplamente apontado por economistas como um fator que foi importante para impulsionar o crescimento do país durante essa década. A década de 2000 foi, para o Brasil, a década de maior crescimento desde os anos 1970.
As diferenças de 2021 para os anos 2000
Para Serigati, o boom de 2021 difere em alguns pontos daquele dos anos 2000. “Ali, a China estava chegando no mercado internacional, crescendo a 10% ao ano. Hoje, não é mais isso, e o crescimento da China é mais equilibrado e em cadeias mais sofisticadas”, diz. Além disso, o professor da FGV afirma que os estoques de commodities estavam mais baixos no ciclo anterior, o que pressionava ainda mais os preços.
Por fim, Serigati também afirma que o ritmo acelerado do novo crescimento dos mercados das commodities dificilmente se sustentará por tanto tempo como nos anos 2000. “A elevação que tivemos neste ciclo até agora foi muito intensa – mesmo porque tivemos uma pandemia no meio do caminho. Não vimos isso no ciclo anterior”, diz o professor da FGV. “Não tem como este ciclo ter a mesma duração do que teve o ciclo anterior”, completa.
Ricardo Carneiro – professor de economia da Unicamp e ex-diretor do Brasil no BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) – diz ao Nexo que o contexto da economia brasileira também é muito diferente em 2021 na comparação com o ciclo dos anos 2000. “No governo Lula [2003 a 2010], o primeiro impulso do crescimento veio do setor externo. Mas a situação hoje é mais complicada que nesse período”, afirma Carneiro.
Como o Brasil pode aproveitar o novo boom
Carneiro destaca ao Nexo a importância das exportações de commodities para impulsionar o crescimento da economia brasileira em 2021. O professor da Unicamp, no entanto, não acredita que o boom seja capaz de levar, por si só, a um ciclo sustentado de crescimento econômico: “é relevante, é importante, mas com tendência a declinar e com impacto limitado”.
“Para fazer a recuperação sustentada, você precisa, em algum momento, que isso [a alta das commodities] seja acompanhado pelo crescimento da demanda agregada doméstica – ou seja, consumo e investimento”, diz Carneiro. Para o professor da Unicamp, “com essa situação, precisaríamos de um programa mais substancial de gasto público para recuperar a economia. Mas não acho que vai acontecer”.
Serigati concorda que “as commodities ajudam, mas sozinhas não têm como dar aquele impulso para a economia brasileira”. No entanto, entende que a receita para atingir um crescimento sustentado a médio e longo prazo é outra: “Pensando em médio e longo prazo, o caminho são as grandes reformas. Do lado macro, é necessário melhorar a questão fiscal e aumentar a eficiência do setor público; do lado microeconômico, é necessário melhorar o ambiente de negócios e facilitar o processo produtivo dentro do Brasil”, diz o professor da FGV.
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