O Globo – Paulo Sousa, presidente da Cargill no Brasil, vê um momento positivo para o agronegócio nacional, com alta nos preços de matérias-primas agrícolas, mas não tem dúvidas ao apontar a questão ambiental como o maior problema do setor.
Para o executivo da multinacional americana que é uma das maiores comercializadoras de commodities no mundo, o Brasil não precisa desmatar para ampliar sua produção de alimentos.
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Em entrevista ao GLOBO, ele diz que a questão ambiental prejudica a imagem de empresas brasileiras e adverte que só há um caminho para evitar a perda de mercados no exterior: coibir o desmatamento ilegal. Ele critica produtores agrícolas que desprezam a agenda ambiental pensando em só exportar para a China. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Como o senhor avalia o atual ciclo de alta de preços das ‘commodities’ no mundo?
Este atual ciclo das commodities agrícolas está com bons preços, trazendo um bom crescimento da economia no Brasil. O país está muito bem posicionado para tirar proveito deste momento. Mas a tendência é que este ciclo de commodities seja mais curto que o anterior, que foi de 2008 a 2012, quando houve um choque de oferta, com quebras de safras importantes.
Agora o que estamos vivendo, mesmo em plena pandemia, é um choque de demanda, com a China recuperando-se da crise, aumentando a demanda por soja, e muitos países que estavam com medo de desabastecimento na pandemia fazendo um pouco de estoques. Isso puxou os preços.
E os produtores brasileiros reagem com muita rapidez ao estímulo de preço. Já tivemos uma safra recorde no verão e projetamos um novo crescimento da área plantada de 2021-2022.
Um ciclo menor que o anterior pode limitar a capacidade do setor de impulsionar a economia brasileira?
Não podemos contar que o agro vai estar sempre carregando o Brasil nas costas, claro que não. Mas a eficiência do agro brasileiro é gigante. A natureza foi muito bondosa com o país, há vantagens comparativas do Brasil em relação a outros países agrícolas muito fortes.
Mas isso não significa que teremos o ritmo de crescimento do ano passado e deste ano para sempre. O agricultor responde aos sinais de preço. Se isso muda, o produtor também vai dar o sinal esperado, pisar um pouco no freio de seu crescimento, mas isso ainda não está no radar.
No ciclo anterior se falava que o agronegócio era muito eficiente da porteira para dentro, mas perdia “da porteira para fora” , ou seja, com logística e infraestrutura. Como está agora?
A nossa eficiência da porteira para dentro continua gigante, o produtor brasileiro é empreendedor, aberto à tecnologia, investe. Mas o que mudou muito, ainda bem, foi da porteira para fora.
Houve muito investimento em infraestrutura para a exportação de grãos, a abertura de novos portos, a BR-183 se tornou finalmente trafegável no trecho entre Cuiabá e Santarém, houve um ganho gigante na capacidade de hidrovias do chamado Arco Norte. Houve mudança no controle de ferrovias, o que deixou o setor mais eficiente.
Como estão os investimentos da Cargill no Brasil?
Não divulgamos valores, mas os investimentos serão feitos para a busca de eficiência e competitividade, desde melhorar nossas capacidades de embarque e desembarque de armazéns, portos, fábricas. E uma grande parte também na digitalização de processos.
O Brasil é grande exportador de commodities, mas fraco em produtos processados. Qual a dificuldade em deixarmos de ser o celeiro para sermos o supermercado do mundo?
O Brasil tem que ser o celeiro e o supermercado do mundo. É possível ser os dois. O setor de carnes do Brasil é muito competitivo, exporta para o mundo inteiro. Mas e na lavoura? Temos algumas barreiras, uma delas é a questão tributária, que tem uma complexidade ímpar.
Se um produto do estado A for processado no estado B, vai gerar cobrança de ICMS, fora a questão do PIS-Cofins. Precisamos de uma mudança tributária para resolver estes desequilíbrios.
Como a crise hídrica está afetando o agronegócio?
A perda do agro já está dada na safrinha de milho e de algodão. Para a safra do próximo verão, cujo plantio começa em 15 de setembro, ainda é difícil prever como serão as chuvas. Como tudo indica que teremos uma área plantada recorde e, se o clima permitir, mais uma safra recorde. Mas ainda está muito cedo para prever.
Como a Cargill, uma empresa global, é pressionada no Brasil pelos recordes de desmatamento e queimadas?
O maior problema do agronegócio brasileiro hoje é a imagem internacional. A reputação nem sempre é justa, mas infelizmente não estamos emitindo sinais de que as coisas não são tão feias quanto podem parecer. Este é o grande problema. Há sim uma preocupação muito grande do consumidor em relação à emissão de carbono, com desmatamento e queimadas.
Há ainda muita preocupação sobre conversão de biomas, principalmente na Amazônia e no Cerrado, e também em relação à conservação da água. No Brasil, apesar de termos alguns protocolos, como a moratória da soja, que evita que o grão seja plantado em área de desmatamento recente, a história contada acaba sendo diferente no exterior.
Não temos que plantar soja na Amazônia: o mundo não quer isso e o Brasil não precisa disso. A Agricultura de Baixo Carbono, iniciativa do Ministério da Agricultura, é uma atitude muito boa, que pode ajudar na imagem do país. Mas, para mudar de verdade a imagem do setor, é preciso parar com a delinquência que acontece, em pequena parte no agronegócio, mas em grande parte fora do agro, que é o desmatamento.
As empresas estão assumindo obrigações que são do governo?
Temos um problema criado porque nós, brasileiros, aprovamos em 2012, com nossos canais políticos, o Código Florestal, e, nove anos depois, ele não está ainda totalmente implementado. Essa é a raiz do problema de reputação do Brasil.
Se o Código Florestal estivesse totalmente implementado, com clareza do que é área de conversão de bioma legal ou ilegal, o problema não deveria existir ou seria muito mais fácil de ser enfrentado para buscar o desmatamento zero.
Se não temos o Estado brasileiro cumprindo seu papel de inibir e coibir a ilegalidade, acaba que o consumidor faz pressão sobre seu fornecedor, e o fornecedor tem que suprir esse desejo do comprador.
Países europeus já estão deixando de comprar derivados de soja…
Realmente a exportação de grão de soja do Brasil para a Europa não é tão grande, mas o farelo de soja é bem relevante naquele continente. Muitos falam: vamos esquecer a Europa, exportar só para a China, onde a questão ambiental não é tão preponderante.
Mas diversas dessas empresas de exportação, de comércio, de transporte, são da Europa, têm compromissos globais com seus clientes de combate ao desmatamento. A Europa tem grande parte da tomada de decisão do comércio global, e é questão de tempo para que todo o mundo tenha o mesmo nível de exigência ambiental, inclusive o consumidor brasileiro.
É uma miopia ficar neste jogo de priorizar a China e não vender para a Europa. É uma visão de curto prazo e falta de compreensão do problema. O mundo mudou, as mudanças climáticas são uma realidade que precisa ser combatida, e, no Brasil, isso passa pelo fim do desmatamento.
O Brasil deteriora sua imagem ambiental. Os concorrentes estão no caminho inverso, melhorando a reputação?
Nós estamos perdendo a guerra de imagem, mas não porque os outros estão fazendo melhor. Nós é que estamos fazendo pior. Se você olhar com lupa, vai ver muita agricultura super sustentável no Brasil, com tecnologia. O problema é que tem uma pequena minoria que comete erros e crimes, e isso fala muito alto.
Mas o problema é que estamos falando de commodity, um mercado onde o que importa é o preço. O que se busca é que o Brasil tenha uma lei que proíba desmatamento e que o padrão brasileiro tem de ser soja produzida apenas de forma legal. É isso que o Brasil está devendo ao mundo.
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