Pane que fechou 37 estações da SuperVia nesta segunda-feira expõe crise no sistema ferroviário do Rio

A estação da Central do Brasil Foto: Hermes de Paula
A estação da Central do Brasil Foto: Hermes de Paula

Extra – Começo da manhã de segunda-feira, e a semana começa repetindo a via-crucis que cotidianamente se impõe aos usuários do transporte público do Rio: 37 estações do ramal Saracuruna e das extensões Vila Inhomirim e Guapimirim dos trens pararam de funcionar, e centenas de pessoas tiveram que buscar alternativas para chegar ao trabalho. Desta vez, o motivo da suspensão da circulação foi um problema técnico em um dos trens, pouco depois das 5h15, na estação Vigário Geral. Mas a frequência com que os transtornos vêm ocorrendo tem como pano de fundo uma conjuntura maior: a encruzilhada financeira para manter a operação do sistema ferroviário, com uma queda de 50% da demanda de passageiros, de uma média de 600 mil por dia antes da pandemia, para cerca de 300 mil atualmente.

Com perdas que a SuperVia contabiliza em R$ 474 milhões desde março de 2020 e uma dívida acumulada de R$ 1,2 bilhão, no último dia 7 a concessionária ajuizou um pedido de recuperação judicial. De acordo com seu último balanço, apenas no ano passado o prejuízo alcançou R$ 110,7 milhões. E se as receita das bilheterias caíram 38% (de R$ 683 milhões em 2019 para R$ 424 milhões), reduziram também os custos dos serviços prestados, que incluem dos salários de funcionários a segurança e manutenção e conservação. Em 2019, tinham sido R$ 466 milhões, contra R$ 393,6 milhões ano passado (15,6% a menos).

Nesta segunda, a falha no trem que espalhou contratempos por cidades da Baixada e na Zona Norte do Rio, de acordo com a concessionária, foi um problema no pantógrafo (dispositivo no topo da locomotiva que a alimenta com corrente elétrica). A circulação foi retomada às 7h33. Mas a irregularidade nos intervalos entre um trem e outro continuou, e só às 16h a operação foi normalizada. Morador de Saracuruna, Mario Luis Matias, de 61 anos, iria para Triagem a trabalho, mas desistiu e voltou para casa.

— Não vou trabalhar hoje (ontem). Todo dia está ruim, está irregular, está atrasado. Na pandemia ainda reduziram os trens, aglomerou mais ainda. O serviço só piora — desabafou, lembra que já aconteceu inúmeras vezes de entrar na estação, e o serviço ser paralisado. — Você paga a tarifa e fica lá dentro da estação travado. Várias vezes já recebi esse papel que eles dão no lugar da passagem.

Dos principais ramais ferroviários, o de Saracuruna, segundo dados públicos da SuperVia, é o terceiro que mantém maior perda no número de passageiros nos cinco primeiros meses de 2021, se comparado com o mesmo período de 2019, antes da pandemia. Nos dias úteis, a média de passageiros deste ano foi 48,5% menor: 40.667 usuários por dia de janeiro a maio, contra 79.034 nos mesmos meses, antes de o mundo ser sacudido pela Covid-19.

Segundo têm reiterado especialistas e as próprias empresas, na raiz dessa queda — que também afeta outros modais de transporte — influenciam, além do isolamento social, fatores como o home office e o desemprego. Nas linhas da SuperVia, a maior redução na quantidade de passageiros se verifica justamente na que atravessa algumas das regiões mais pobres do Rio e da Baixada, o ramal de Belford Roxo, com trechos em regiões como Jacarezinho e Costa Barros. São 53,4% usuários a menos de janeiro a maio deste ano em comparação com os mesmos meses de 2019.

Nos outros ramais, essa queda é de 49,9% na linha de Deodoro, de 42,5% na de Santa Cruz e de 38,1% na de Japeri. Na extensão Guapimirim, o sistema tem operado com uma média de apenas 65 passageiros por dia. Moradora de Gramacho, Susy Jordão, de 56 anos, trabalha na Taquara e no Recreio, e faz parte do trajeto de trem. Além dos atrasos, ela aponta o preço da passagem como um dificultador cotidiano.

— Todo dia tem problema nesses trens. Pelo preço deveria ser melhor — disse ela, que ainda precisa pegar um BRT para completar o trajeto até o emprego.

Para os usuários, a má notícia é que a passagem vai aumentar de novo, dos atuais R$ 5 para R$ 5,90, a partir de 1º de julho. A justificativa da empresa é que se trata de uma medida para conter a crise gerada pela pandemia, “que impôs alto custo operacional e de manutenção do sistema ferroviário ao mesmo tempo em que o número de passageiros caiu”.

Outra saída que a concessionária busca para tentar equacionar seu desiquilíbrio econômico-financeiro é a tentativa de receber do Estado um ressarcimento emergencial de R$ 216 milhões correspondente à complementação dos custos mínimos da concessionária para garantir a manutenção da operação durante a pandemia. O valor é apresentado com base em cálculos da Agetransp (Agência Reguladora dos Transportes do Estado do Rio de Janeiro) que reconheceram que o sistema tem operado com uma quantidade de usuários abaixo do que deveria para pagar seus custos.

Enquanto se buscam soluções, na ponta, tem passageiro que conta já perdeu o emprego por causa dos constantes atrasos do trem.

— Tem dia que quebra, tem dia que está muito cheio, deixam a gente no meio do caminho, e tem que procurar ônibus. De vez em quando tem tiroteio e para tudo. Já perdi até emprego por causa disso. Atrasou, me demitiram — lamenta Maria da Conceição, de 62 anos, moradora do Parque São Vicente, em Belford Roxo, e que cuidava de um idoso no Largo do Machado, na Zona Sul do Rio.

Moradora de Madureira, a professora Emanuelle Melo, de 34 anos e que trabalha em Belford Roxo, diz que já sai de casa com cerca de 30 minutos de antecedência, contando o intervalo de atraso no transporte:

— O intervalo já é longo, e o normal do trem é estar atrasado Toda vez que eu chego atrasada no trabalho é por causa do trem.

A SuperVia não esclareceu o motivo dos atrasos constantes relatados pelos usuários dos ramais, apenas disse que as operações podem sofrer alterações por ocorrências externas, como furtos e vandalismo, ou por causa de manutenções programadas. Até as 19h, a concessionária tampouco havia respondido sobre questões como sua situação financeira e as dívidas do estado com a concessionária.

Fonte: https://extra.globo.com/noticias/rio/pane-que-fechou-37-estacoes-da-supervia-nesta-segunda-feira-expoe-crise-no-sistema-ferroviario-do-rio-25071276.html

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