A aplicabilidade do seguro-garantia de 30% e a assunção da obra pela seguradora nas concessões e PPPs

Estadão (Blog) – Lucio Roca Bragança, Advogado, pós-graduado pela UFRGS. MBA em Gestão Jurídica de Seguros e Resseguros pela ENS. Secretário-Geral da Comissão de Seguros e Previdência Complementar da OAB/RS. Membro da AIDA – Association Internationale de Droit des Assurances. Professor convidado da Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul – AJURIS. Sócio do Escritório Agrifoglio Vianna Advogados Associados

Cristiano Borges Castilhos, Advogado, pós-graduado pela UFRGS. Atualmente, é Diretor Jurídico da Construtora Queiroz Galvão S.A., Membro da Comissão de Direito Público da OAB/RJ, Vice-Presidente da Comissão de Obras, Concessões e Controle da Administração Pública da OAB/RJ, Membro da Comissão Especial de Obras, Concessões e Controle da Administração do Conselho Federal da OAB e Membro do IDASAN – Instituto de Direito Administrativo Sancionador Brasileiro.

A Lei 14.133/21, chamada de Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, apresenta duas novidades visando a maior efetividade da contratação pública, que serão abordadas neste artigo: a ampliação da exigibilidade de seguro-garantia para grandes obras até o limite de 30% do valor do contrato e a possibilidade da seguradora realizar o chamado step in – a assunção da obra inacabada.

Com isso, ganha vulto o papel das seguradoras nos contratos administrativos, que terão três possibilidades ante o inadimplemento consumado da construtora: a) contratar um terceiro para terminar a obra por sua conta e risco; b) assumir a execução do projeto e finalizá-lo por seus próprios meios; ou c) indenizar o Contratante no valor total da Importância Segurada, que pode chegar aos 30%, e independe do valor do prejuízo.

Neste artigo, nos propomos a examinar se tais inovações impactam também o mercado de Concessões e Parcerias Público-Privadas (PPPs). Trata-se de questão de suma relevância econômica, já que, em empreendimentos de grande porte, tais como aqueles previstos no Programa de Parcerias de Investimentos – PPI do Governo Federal, ou nos programas de concessão estaduais, os valores de contrato superam a casa de bilhão de reais ou de dezena de bilhão de reais.

De efeito, os valores destes Contratos correspondem, por exemplo, “ao valor presente das Receitas Tarifárias e Não-Tarifárias estimadas para todo o prazo da concessão” (ANAC – Concessão dos Aeroportos: Bloco Nordeste: R$ 5,7bi; Guarulhos: R$ 17,6bi); ou, ainda, “ao somatório dos valores nominais do aporte, da contraprestação pecuniária, das receitas decorrentes da tarifa de remuneração e das receitas acessórias” (Estado de São Paulo – PPP Linha 6 do Metrô: R$ 23bi); ou, por fim, “ao somatório dos valores de investimentos previstos ao longo do Prazo Contratual” (Estado de São Paulo – PPP Rodovia dos Tamoios: R$ 3,9bi).

Do ponto de vista jurídico, a questão da aplicabilidade da nova Lei de Licitações às Concessões e às PPPs não é de simplória resposta, já que tais modalidades são regidas por leis próprias (Lei 8.987/95 e Lei 11.079/04). Para responder ao questionamento, é preciso uma visão sistêmica, para enxergar o ordenamento como um todo harmônico, em que há uma Lei Geral e também Leis Especiais, formando um ambiente de complementariedade, pelo qual a Lei de Licitações ganha destaque por regular de modo amplo o art. 37, XXI, da Constituição Federal, funcionando como marco principiológico e sistematizador de todas as licitações e contratos, tirante as contratações das Estatais.

Neste cenário, aplica-se a nova Lei de Licitações às Concessões e às PPPs sempre que for compatível, isto é, sempre que se harmonizar à natureza e peculiaridades destas modalidades, bem como quando estas Leis expressamente chamam a norma geral de compras públicas. É assim que deve ser lido o art. 186 da nova Lei, que determina a sua aplicação subsidiária às Leis 8.987/95 e 11.079/04. Porém, para chegar à conclusão específica dos temas aqui abordados, é preciso aprofundar a análise.

Examinando a particularidade do regime das Concessões, vê-se que ele não prescinde garantias, que estão expressamente previstas nos arts. 18, XV e 23, parágrafo único, II, da Lei correspondente, ainda que sem menção expressa ao seguro. Deve-se observar apenas que a exigência feita, na Lei de Concessões, às garantias se limitam àquelas precedidas de obras públicas; há ainda outra limitação, relativa ao patamar de garantia: seu valor deve ser limitado ao valor da obra.

Na prática, quase invariavelmente, a garantia de execução exigida em Contratos de Concessão prevê um patamar de garantia mais alto na fase de obras de implantação (período pre-completion), o qual diminui sensivelmente com a entrega da infraestrutura, mantendo-se em percentual mais diminuto durante de operação e manutenção dos serviços públicos. São exemplos dessa dinâmica, as principais concessões federais aeroportuárias e também as concessões estaduais metroviárias e rodoviárias.

Já a Lei das PPP se reporta expressamente à Lei 8.666/93 para disciplinar o regime atinente à prestação as garantias. Quando for revogada a Lei vigente (2 anos após a publicação da Lei 14.133/21), aplicar-se-ão as disposições da Lei nova, que regula especificamente o regime das garantias em contratos administrativos (veja-se o art. 189 da Nova Lei: “aplica-se esta Lei às hipóteses previstas na legislação que façam referência expressa à Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993”).

Outrossim, a Lei das PPPs, em seu art. 5º, VIII, é clara ao impor ao parceiro privado a prestação “de garantias de execução suficientes e compatíveis com os ônus e riscos envolvidos, observados os limites dos §§ 3º e 5º do art. 56 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993”. Daí se infere que: a) nos contratos de PPP e na vigência da Lei 8.666/93, o limite de garantia de execução do contrato é limitado a 10% do valor do contrato (art. 56, § 3º da Lei 8666/93); e b) esse limite de garantia se aplica aos Contratos de PPP independentemente da realização de obras e serviços de engenharia de grande vulto; c) passada a vigência da Lei atual, aplicam-se os novos limites e disposições previstos na Nova Lei.

Por conseguinte, tais fundamentos nos permitem expor, à guisa de conclusão, que o seguro-garantia dos frequentemente bilionários Contratos de Concessão e de PPP poderá ser exigido no patamar de 30%, admitindo-se também a cláusula de step in. É claro que, na formatação do projeto, a Administração deverá avaliar e fundamentar a conveniência e a necessidade, além de perquirir a possibilidade mercadológica destas exigências, ressalvando-se que, nos Contratos de Concessão, o percentual fica limitado ao valor das obras.

Fonte: https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/a-aplicabilidade-do-seguro-garantia-de-30-e-a-assuncao-da-obra-pela-seguradora-nas-concessoes-e-ppps/

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