Infraestrutura: uma coadjuvante com papel protagonista

Valor Econômico (Coluna) – O Brasil ainda é um país com muitos desafios pela frente para atingir maior qualidade de vida e bem estar social, com uma lista extensa de prioridades. No entanto, uma área chave para o nosso desenvolvimento e cujos impactos transcendem o que os olhos podem ver é o investimento em infraestrutura. Apesar de muitas vezes não ter o devido destaque, o setor representa atualmente um dos maiores gargalos (e oportunidades) do país.

Abarcando principalmente as áreas de energia, saneamento, transporte e telecomunicações, o setor contribui não apenas para a geração de emprego, mas em muitos casos, via externalidades positivas, para a população. Investimentos em infraestrutura são, no geral, intensivos em capital e exigem quantidade relevante de profissionais para a realização de grandes obras, traduzindo-se em trabalho e renda para comunidades locais.

Além disso, em alguns casos o benefício social atingido vai além do objetivo original. Projetos de tratamento de esgoto, por exemplo, visam a ampliação na rede de coleta e tratamento de efluentes, mas também geram impacto na qualidade da saúde pública. A Organização Mundial da Saúde (OMS) evidenciou que, a cada R$ 1,00 investido em saneamento básico, R$ 4,00 são economizados em saúde. Outro caso é a iluminação pública: o que muitos entendem como uma questão estética e de importância reduzida frente a outros temas é na realidade um importante instrumento no combate ao crime. O Bureau Nacional de Pesquisa Econômica dos EUA realizou em 2016 um estudo em Nova York em que 40 ruas receberam 300 torres de luz. Após a instalação, os índices de homicídio, roubo e furto de carros nestas localidades caíram de 36% a 60%.

Apesar destes benefícios, segundo a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB), o Brasil investe menos do que o recomendado no setor. Entre 2010 e 2015 o investimento anual médio foi de 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB). À primeira vista, o montante em si pode parecer satisfatório, já que EUA e Itália tiveram níveis semelhantes no mesmo período. Entretanto, o principal a se considerar é que o estoque existente de infraestrutura no Brasil é menor que o de países desenvolvidos, de modo que nosso investimento deve suprir não só a reposição e manutenção da base existente, mas também a sua ampliação. Quando olhamos para países mais próximos da nossa realidade, a frustração com o nosso desempenho fica evidente: China, Índia, África do Sul, Rússia e México ficaram todos à nossa frente no período acima com 8,3%, 5,6%, 4,7%, 4,0% e 2,5% do PIB investidos no setor, respectivamente. Ainda de acordo com a ABDIB, o Brasil deveria destinar à infraestrutura 4,3% do PIB anualmente, durante dez anos, para reduzir gargalos à competitividade e aumentar a produtividade. O não cumprimento de um plano adequado compromete, por exemplo, compromissos estabelecidos como a meta de universalizar a coleta de esgoto no país até 2033, traçada pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (PlanSab) e já posta em xeque por conta de frustrações nos primeiros anos.

Apesar disso, tivemos avanços recentes, como a aprovação do novo marco regulatório do saneamento, a realização de uma série de licitações competitivas nos setores de energia e transporte e a instituição de tratamento tributário diferenciado para instrumentos de investimento dedicados ao setor, por meio das leis 12.431 (das debêntures de infraestrutura) e 11.478 (dos FIP-IEs) e a da instrução CVM 606 (dos FI-Infras). Com a redução da Selic, que teve seu mínimo em 2020 e que continua historicamente baixa, estas classes de produto ganharam força, trazendo nova fonte de investimento em projetos do tipo, especialmente por garantirem isenções tributárias para pessoas físicas. Apenas em FIP-IEs listados na B3, de 2019 até hoje o capital investido ultrapassa os R$ 5 bi e os 30 mil cotistas (muitos deles pessoas físicas), com significativo espaço para crescimento.

Mesmo assim, é importante que o que vem ocorrendo seja o prenúncio de um ciclo virtuoso para um setor que deve ser protagonista no país carente em que vivemos. Um caso de medida necessária é a proteção do status atual de veículos de investimento em infraestrutura no âmbito da reforma tributária em trâmite no congresso, uma vez que o tratamento fiscal diferenciado contribui para fomentar mais um canal de recursos para áreas de alta prioridade. Até o momento, FIP-IEs, por exemplo, não foram explicitamente tratados no texto e isso oferece um alto risco a investidores e ao desenho do investimento privado na indústria. Para que pessoas físicas e empresas continuem direcionando recursos a fim de chegarmos nos níveis recomendáveis de investimento, não basta apenas maior visibilidade, mas segurança jurídica, estabilidade regulatória e ambiente político e macroeconômico favoráveis. E, acima de tudo, que população e governo se mantenham atentos, defensores e patrocinadores de uma agenda positiva para o setor.

Eduardo Borges é vice-presidente de Infraestrutura da XP Asset

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