Rio tem R$ 70 bi de investimentos programados e vive clima de otimismo

Poluição no Rio Pavuna, na zona Norte do Rio de Janeiro - Foto: Tércio Teixeira / Folhapress
Poluição no Rio Pavuna, na zona Norte do Rio de Janeiro - Foto: Tércio Teixeira / Folhapress

Folha de S. Paulo – Cinco mil novos postos de trabalho inauguram uma esperada onda de investimentos no Rio de Janeiro. O anúncio das vagas foi feito na última semana pela concessionária águas do Rio, uma das vencedoras do leilão de concessões de saneamento no estado.

É o primeiro impacto concreto de uma série de projetos que, pelas projeções, podem levantar a economia fluminense, que vive um período de crise e elevado desemprego desde o fim das Olimpíadas de 2016. Entre planos do governo estadual, do setor privado e das empresas de saneamento, os aportes prometidos para os próximos anos chegam a R$ 70 bilhões.

O cenário alimenta um clima de euforia entre autoridades e representantes da indústria. Especialistas, porém, alertam para a necessidade de reforço na governança para evitar os problemas vividos na última onda de investimentos, que culminaram com a prisão de dois governadores e equipamentos inacabados ou sem uso.

A concessão dos serviços de água e esgoto puxa a retomada. O leilão de abril concedeu duas áreas hoje atendidas pela Cedae (Companhia Estadual de Água e Esgoto), com investimentos projetados em R$ 27 bilhões para os 35 anos de contrato.

Com parte do dinheiro arrecadado, o governo Cláudio Castro (PL) lançou o Pacto RJ, um plano de obras públicas de R$ 17 bilhões que compreende desde projetos de infraestrutura, como a recuperação de estradas e um metrô de superfície, até a construção de escolas e hospitais.

No setor privado, são esperados outros R$ 26 bilhões, segundo a secretaria de Desenvolvimento Econômico, em propostas como a construção de uma térmica, a modernização de campos de petróleo, a ampliação de fábricas e reformas em um aeroporto na região norte.

“É um cenário que há muitos anos o estado não experimenta”, diz o secretário da pasta, Vinicius Farah. Ele ressalta que, diferentemente das iniciativas das Olimpíadas, concentradas na capital, desta vez os planos estão espalhados por todo o estado.

É grande a expectativa de geração de empregos, que pode ajudar o Rio a superar a ressaca pós-Jogos. A taxa de desemprego no estado disparou de 6,5% em 2015, auge das obras, para 15,3% no primeiro trimestre de 2019. Com a pandemia, o indicador subiu para 19,4% no começo deste ano.

Só a Águas do Rio prevê cerca de 20 mil vagas, incluindo as 5 mil fixas e outras 15 mil indiretas para tocar a expansão da rede de água e esgoto. “Daremos prioridade total à contratação em comunidades”, afirma Alexandre BIanchini, presidente da concessionária controlada pelo grupo Aegea.

Já o governo estadual fala em outros 150 mil postos de trabalho gerados no Pacto RJ, que vai usar R$ 10 bilhões do leilão de saneamento. A maior parte deles, segundo especialistas, virão no setor da construção civil, o mais afetado depois da Rio-2016.

“Os recursos da Cedae chegam em uma hora crucial, em um contexto de crise profunda. Acho difícil pensar em um timing mais adequado”, pontua o economista Marcelo Neri, diretor do centro de estudos FGV Social.

O presidente da Firjan (Federação das Indústrias do RJ), Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, aposta também na atração de grandes empreendimentos industriais motivados pela aprovação da Lei do Gás, que pode movimentar o mercado de plásticos e fertilizantes.

“Agora não são projetos de um ano ou dois”, diz. “Naquela época a gente não refletia. Fazer equipamentos olímpicos custa dinheiro, é muito bom para a construção, é fundamental para a renda, mas e no dia seguinte? Aqui estamos falando de investimentos estruturantes”.

O presidente do Rio Indústria, grupo que reúne empresários do setor, é outro que demonstra otimismo. “Quando o investidor tem que tomar decisão, a primeira coisa que analisa são as perspectivas, e o Rio começa a sinalizar oportunidades a partir do ano que vem”, afirma Sérgio Duarte.

Especialistas, no entanto, levantam alertas sobre o programa do governo. As críticas vêm pela falta de participação da sociedade na sua elaboração e pelo risco de repetir os mesmos erros do passado, impactando as finanças do estado, que é hoje o único beneficiado pelo regime de recuperação fiscal do governo federal.

“O diabo mora nos detalhes. O anúncio chega em boa hora, mas mais importante do que o plano é a gestão dele”, pondera Neri. “A preocupação não pode ser apenas com o curto prazo. Não adianta investir hoje se existir risco de prejuízos para a situação fiscal depois”, reforça Bruno Ottoni, do IDados.

O economista Cláudio Frischtak, da consultoria Inter.B, defende que a criação de fundos de investimentos com os recursos da Cedae, com a utilização apenas dos rendimentos, e não do valor principal, seria mais segura: “A governança dos nossos projetos sempre foi ruim”, reclama.

Já na área social e urbanística, especialistas apontam que os projetos, sem discussão pública, correm o risco de não abarcar as reais necessidades da população. A construção de 7.340 novas moradias, por exemplo, corresponde a apenas 2% do déficit habitacional de 480 mil domicílios no estado.

No campo da mobilidade, o engenheiro de transportes Ronaldo Balassiano ressalta que o plano não fala em integração. “É o grande problema do Rio. Se por um lado lançar novos projetos é fundamental, cadê a integração com os outros sistemas?”, diz o professor da Coppe/UFRJ. “Se o governador não for reeleito, o próximo vai manter?”, questiona.

O secretário de Desenvolvimento Econômico rebate que o aumento da arrecadação tem ajudado o estado a reequilibrar as finanças. O novo regime de recuperação fiscal também permite que verbas extras recebidas da iniciativa privada sejam usadas em investimentos, mesmo que o governo não esteja pagando a dívida com a União.

Ele afirma que o governo lançará um portal de transparência para que a sociedade possa acompanhar os gastos e que Cláudio Castro promete rigor no uso dos recursos. “Todo cidadão vai saber onde está sendo aplicado cada centavo em cada município”, diz.​

Claudia Ferreira da Cruz, professora de ciências contábeis da UFRJ, concorda que o site seja fundamental, mas ressalta que outros três órgãos serão essenciais para a fiscalização da avalanche de contratos que surgirá: o Legislativo, a Controladoria-Geral e o Tribunal de Contas do Estado.

“A assembleia precisa criar uma comissão especial para acompanhar, e a Controladoria precisa trabalhar com autonomia e quadro técnico. Se o governo não fizer diferente desta vez, o histórico de corrupção e superfaturamento pode, sim, se repetir”, alerta.

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/08/rio-tem-r-70-bi-de-investimentos-programados-e-vive-clima-de-otimismo.shtml

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*