
Valor Econômico – O maior canal de contágio dos efeitos da crise da chinesa Evergrande no Brasil deve ser pela exportação, sobretudo de minério de ferro. Principalmente em razão de preços altos, a commodity é a que tem mais impulsionado a recuperação da exportação brasileira em 2021. As dificuldades da grande incorporadora imobiliária da China podem acelerar o já esperado processo de ajuste de preços para o minério e assim pressionar para baixo os valores exportados pelo Brasil. Ainda assim analistas esperam um superávit robusto e recorde este ano na balança comercial brasileira.
Tatiana Prazeres, senior fellow na Universidade de Negócios Internacionais e Economia, em Pequim, diz que em razão do porte da Evergrande e seu endividamento, além da importância do setor de imóveis e construção, deve haver uma desaceleração da economia chinesa em algum grau, com efeito para países cujo comércio tenha maior exposição à China, como é o caso do Brasil. Os chineses absorvem hoje 34% da exportação brasileira, segundo dados oficiais.
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O grau de desaceleração do país asiático, diz Tatiana, irá depender da esperada atuação do governo chinês para não haver risco de contágio a outros setores e para honrar pequenos credores e compradores de imóveis.
José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) lembra que os principais itens da pauta de exportação brasileira à China são soja e minério de ferro. A demanda do grão, porém, tem menor elasticidade e por isso o principal impacto deve ser no minério ferro. Outra questão são os preços, para os quais já se tinha um cenário de ajuste para o segundo semestre do ano. A commodity metálica atingiu em maio cotação recorde, o que impulsionou a exportação.
Enquanto as exportações totais brasileiras avançaram 37,4% de janeiro a agosto deste ano contra igual período do ano passado, os embarques de minério de ferro cresceram em ritmo muito maior, de 127,3%. Nesse compasso mais intenso, a commodity ganhou fatia maior na exportação brasileira, com avanço de 10,4% para 17,2% do ano passado para 2021, sempre considerando os mesmos oito meses.
Com o desempenho, de janeiro a agosto deste ano, o Brasil exportou US$ 32,4 bilhões em minério de ferro, já ultrapassando os US$ 25,8 bilhões embarcados no ano passado inteiro.
Foi a China que deu o ritmo do avanço, já que dois terços do minério de ferro exportado pelo Brasil tem como destino o mercado chinês. Os embarques de minério de ferro rumo ao país asiático no acumulado até agosto atingiram US$ 20,5 bilhões, também ultrapassando os US$ 18,5 bilhões do ano de 2020 inteiro.
Os dados oficiais de exportação brasileira mostram que o preço é que pesou para o avanço do minério de ferro. Embora os valores totais embarcados do item tenham mais que dobrado de janeiro a agosto deste ano em relação a igual período de 2020,, o volume atingiu 233,35 milhões de toneladas e aumentou apenas 10,8% em igual período, o que deixa claro o efeito dos preços.
Antes de o caso Evergrande bater nos mercados esta semana, o preço do minério de ferro já vinha sofrendo ajustes. Castro, da AEB, destaca que esse efeito aparece nos dados oficiais de exportação de setembro. Na primeira semana de setembro o preço médio do minério de ferro exportado estava a US$ 153 a tonelada, baixando para US$ 130 a tonelada na segunda semana e, no período seguinte, para US$ 124 a tonelada. A quantidade exportada em setembro deste ano, compara Castro, com média diária de 1,35 milhão de toneladas, está abaixo dos 1,78 milhão de toneladas também de média por dia últi de igual mês do ano passado.
“Há duas coisas que estão andando paralelamente [na China] e que não começaram com a Evergrande, mas tem repique na empresa”, explica o economista Livio Ribeiro, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
Uma, aponta Ribeiro, é o conjunto de políticas de ajuste prudencial do governo chinês no mercado imobiliário tanto do lado da oferta quanto do lado da demanda que estão culminando na desaceleração mais pronunciada da empresa neste momento. Há também, lembra, uma consolidação do setor siderúrgico chinês, numa política de longo prazo em desenvolvimento também neste momento.
“O quadro resulta numa retração do setor imobiliário chinês, com uma discussão forte sobre se haverá crise de confiança, e numa queda na demanda siderúrgica, o que deve levar preços de minério para baixo”, indica o pesquisador do Ibre.
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, diz que o ajuste de preços já esperado no curto prazo para o minério de ferro deve se acelerar com o caso Evergrande, o que pode levar a revisões de projeções de balança comercial. Vale ressalta que não são esperadas quedas de preços a níveis dramáticos e sim uma acomodação a patamares mais próximos dos habituais, num processo de devolução da grande alta a que se chegou no decorrer do primeiro semestre deste ano.
“O ciclo de preço de commodities pode ser mais curto do que se imaginava, mas de qualquer maneira o câmbio está bastante depreciado e dá sustentação aos preços em reais”, diz Vale. Para este ano, diz, mesmo com revisões de projeção, a expectativa é ainda de superávit comercial robusto, com novo recorde, ainda que em níveis abaixo do esperado mais ao início do ano.
Castro também aponta que deve haver novo recorde, lembrando que o atual é de superávit de US$ 56 bilhões, já considerando os ajustes metodológicos feitos pelo governo federal. No cenário atual, a AEB projeta superávit em torno de US$ 60 bilhões.
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