Devolução de concessões ganha adeptos, mas ainda traz dúvidas

Valor Econômico – A devolução amigável de concessões de infraestrutura – solução criada para resolver os projetos mal sucedidos do passado – já tem forte adesão do mercado, com um total de nove processos em curso. No entanto, a relicitação dos ativos ainda é vista como um grande desafio. Atrasos no processo, dúvidas sobre o cálculo da indenização e incertezas sobre a resolução dos conflitos com os operadores antigos são algumas das preocupações apontadas por empresas e analistas do setor.

Parte desses problemas têm se materializado no caso da Via 040, da Invepar, o primeiro projeto a aderir à relicitação. O acordo, firmado em 19 de fevereiro de 2020, com prazo de dois anos, venceria nesta semana, mas uma extensão do aditivo, por mais 18 meses, será formalizada antes disso. A situação já incomoda tanto concessionária quanto credores, que reclamam da demora para a relicitação, segundo fontes.

A operadora tem pressa em se ver livre da concessão deficitária, para deixar de ter gastos com a manutenção da rodovia. Para os credores, o cenário é igualmente negativo: quanto mais tempo passa, menor a perspectiva de receber o pagamento total. O problema é que a indenização que será paga à concessionária (como ressarcimento pelos investimentos feitos e não amortizados) é “consumida” com o tempo, e são justamente esses recursos que serão usados para quitar dívidas.

Essa “corrosão” da indenização ocorre porque a empresa terá que devolver parte do valor de pedágio cobrado nos dois últimos anos – há um “excedente” na cobrança, porque a empresa, ao aderir à devolução, deixou de ter obrigações de investimento, mas seguiu cobrando a mesma tarifa. Um agravante é que a correção do excedente é feita não apenas pela inflação, mas também pela taxa de retorno do projeto. Ou seja, quanto maior a demora, maior o desconto na indenização final.

Para uma fonte, que pediu anonimato, há muita insatisfação com a demora, mas a percepção é que o atraso é compreensível, por ser um projeto pioneiro. E, apesar das reclamações, a avaliação geral é que o caminho da relicitação é muito mais vantajoso, para todas as partes, do que uma caducidade da concessão.

Fontes da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) reconhecem que o processo de relicitação pode demorar em alguns casos, indo além dos 24 meses. Porém, a avaliação é que a prorrogação prevista no decreto será mais do que suficiente para realizar o leilão – no caso da BR-040, a previsão é fazer no quarto trimestre de 2022.

Outro processo que promete turbulências é o do aeroporto de Viracopos, operado pela Triunfo e UTC. Neste caso, há um questionamento em relação ao cálculo da indenização e à segurança de que o pagamento será feito.

O governo propôs uma “divisão” da indenização em duas partes. A ideia é pagar primeiro um valor incontroverso (não questionado por nenhuma das partes) e levar todas as pendências e disputas para arbitragem – o que deverá demorar de dois a três anos.

Dessa forma, o governo consegue garantir a relicitação do ativo no curto prazo e usar a outorga do leilão para pagar a primeira parte da indenização. Se, após a arbitragem, houver valores adicionais a serem pagos, estes ficarão a cargo do Tesouro.

A proposta, porém, é alvo de questionamento. Para Gustavo Salgueiro, sócio do Galdino & Coelho Advogados e responsável pelo caso de Viracopos, a divisão vai contra a lei que permitiu a devolução amigável, de 2017.

“Um dos pilares da lei de relicitação é que a indenização seja paga pelo novo concessionário, sem onerar o Tesouro. Colocar na conta do governo é criar um dispêndio sem dotação orçamentária específica, em um momento de forte crise fiscal. Isso vai contra o que diz a lei”, afirma. Outra fonte observa que a situação cria uma grande incerteza quanto ao recebimento, já que corre-se o risco de o pagamento ser feito por meio de precatórios.

Já fontes das agências reguladoras negam que haja riscos, porque já foi criada rubrica orçamentária no Ministério de Infraestrutura para essa finalidade. Além disso, afirmam que as pendências serão resolvidas em arbitragem, sem contaminar os novos contratos relicitados.

Além dessas questões, há ainda algumas queixas pontuais em torno do cálculo da indenização. Por exemplo, a exigência de determinados documentos para que os valores sejam reconhecidos no ressarcimento. Atores avaliam que, como as normas surgiram posteriormente, haverá dificuldade para comprovar alguns gastos realizados.

Apesar de todas as incertezas, a avaliação no mercado é que o mecanismo é necessário e positivo. “É melhor que essa transferência seja feita de forma ordenada, do que com um processo de caducidade”, afirma Letícia Queiroz, sócia do Queiroz Maluf Advogados.

Fonte: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/02/17/devolucao-de-concessoes-ganha-adeptos-mas-ainda-traz-duvidas.ghtml

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