Na primeira relicitação, TCU cria jurisprudência

Valor Econômico – Está nas mãos do Tribunal de Contas da União (TCU) tirar do papel a primeira relicitação entre nove concessões de infraestrutura devolvidas amigavelmente à União, pelas atuais operadoras, por terem se tornado inviáveis. Trata-se do aeroporto de São Gonçalo do Amarante (RN), nos arredores de Natal, privatizado em 2011 como uma espécie de teste para os demais terminais.

Há divergências a resolver entre o governo e o órgão de controle. Uma parte delas foi solucionada nas tratativas do Ministério da Infraestrutura com a área técnica do tribunal.

Pelo menos um ponto ficou pendente e agora subiu para o gabinete do ministro Aroldo Cedraz, que é o relator e dará encaminhamento no plenário do TCU. Ele era o responsável também pela privatização da Eletrobras, cuja análise acabou se prolongando por causa do pedido de vista e do polêmico voto de Vital do Rêgo. Virada a página da Eletrobras, Cedraz prometeu ao governo pautar o processo de São Gonçalo do Amarante nas próximas sessões.

Como é um caso pioneiro entre ativos devolvidos pelas concessionárias à União, sob a Lei 13.448 de 2017, o que for decidido pelos ministros vai servir como jurisprudência às outras empresas. Isso torna o julgamento, prestes a ocorrer, especialmente importante. As operadoras de Viracopos (SP) e do Galeão (RJ) também estão em processo de entrega das suas concessões e têm interesse direto. Cinco administradoras de rodovias seguem o mesmo caminho: Via 040, Concebra, MS Vias, Autopista Fluminense e Rota do Oeste. Em ferrovias, a Malha Oeste (controlada pela Rumo) está nessa situação.

A lei de 2017, que levou dois anos para ser regulamentada pelo receio declarado do então presidente Michel Temer em assinar um decreto e tornar-se alvo da Procuradoria-Geral da República (PGR) por supostos benefícios às concessionárias, estabelece a necessidade de indenização das operadoras atuais por seus investimentos ainda não amortizados. Elas podem desistir dos contratos, por falta de viabilidade, mas têm direito de “reembolso” por novos terminais de passageiros ou por pistas recém-duplicadas.

Segundo a regulamentação da lei, a agência de cada setor – ANTT (transportes terrestres) ou Anac (aviação civil) – deve contratar uma verificadora independente para auditar o valor calculado da indenização que será paga, com base em uma metodologia criada pelos órgãos reguladores. É aí que começa a grande controvérsia.

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No levantamento de “haveres e deveres”, de créditos e dívidas de cada concessionária com a União, chega-se a valores tidos como “incontroversos” (para os quais existe concordância entre as duas partes) e “controversos” (sem concordância). Disputas podem ser resolvidas por meio de arbitragem ou no Judiciário.

Inicialmente, os auditores do TCU queriam que a relicitação e a assinatura do novo contrato só ocorressem com os valores em disputa definidos. O problema é que arbitragens podem durar um ano e meio, dois anos ou até mais. Ficar à espera de decisão sobre isso significaria arrastar o processo. Segundo fontes, a área técnica do tribunal de contas já teria flexibilizado sua posição.

Resta superar outro ponto divergente. Dados preliminares apontam que a indenização do governo (incontroversa) para a Inframérica, atual operadora de São Gonçalo do Amarante, deve ficar em cerca de R$ 400 milhões. Para os auditores do TCU, esse valor – ainda sob análise da empresa verificadora independente – precisaria ser colocado em audiência pública e especificado no edital do futuro leilão. O governo avalia que os dois processos podem correr em paralelo. Se o relator Cedraz e os demais ministros concordarem, a relicitação poderia ocorrer no fim deste semestre. Se houver a necessidade de esperar o laudo final da verificadora e mais uma rodada de consultas públicas, para só depois incorporar esse número ao edital e voltar para avaliação do órgão de controle, fica para 2023. O Ministério da Infraestrutura acha que é um atraso totalmente desnecessário.

A outorga mínima cobrada no novo leilão de São Gonçalo do Amarante ficará perto de R$ 250 milhões. Se houver ágio, como em todos os certames realizados até agora, a União poderá arrecadar o suficiente para pagar a Inframérica com esses recursos. No mercado, teme-se o que aconteceria em caso de pouca concorrência e ausência de ágio. A indenização teria que ser quitada com dinheiro do Tesouro. Para o setor privado, é um elemento de incerteza no processo. Na visão do governo, motivo nenhum para drama.

Primeiro, porque foi criada rubrica orçamentária com esse objetivo. Não há dotação por enquanto, é verdade, devido à indefinição de datas. Bastaria um remanejamento de valores ou um crédito suplementar em projeto de lei ao Congresso Nacional. Segundo, porque o edital prevê a assinatura do novo contrato apenas quando a União pagar sua parte da indenização. Sem pagamento à concessionária que sai, não há concessionária que entra. Os recursos restantes saem, então, da outorga obtida na relicitação.

A devolução amigável de ativos propiciou um caminho bem menos traumático para o poder concedente e para as concessionárias. Nem sempre a regulação teoricamente perfeita transforma-se em melhor saída, na prática, para quem é a razão de ser de tudo isso: o usuário. Está na hora de resolver, de uma vez por todas, a prolongada novela das concessões problemáticas.

Fonte: https://valor.globo.com/brasil/coluna/na-primeira-relicitacao-tcu-cria-jurisprudencia.ghtml

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