Valor Econômico – O peso das companhias de commodities na bolsa e na balança comercial brasileira; o ciclo de aperto de juros avançado em relação a outros países; e a possibilidade do Brasil atrair o fluxo antes destinado à Rússia explicam boa parte desse movimento.
Ao se observar o MSCI ACWI, principal referência do desempenho de ações tanto de mercados emergentes como de países desenvolvidos, o indicador registra uma queda de 7,72% no ano. O MSCI dos Estados Unidos tem recuo de 8,17%, enquanto o índice referente à Europa cai 9,96%. Já o MSCI de países emergentes tem perda de 5,04%, sendo que o indicador da da Rússia despenca e acumula uma perda de 60% no ano.
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Já o MSCI do Brasil sobe 19,43%, em uma performance que resulta tanto da valorização das ações e, principalmente, do câmbio. Afinal, o indicador é medido em dólar, que cai 9,84% ante o real no acumulado do ano, o que coloca a moeda brasileira como a de melhor desempenho no mundo.
O anúncio da fornecedora global de índices MSCI de retirar a Rússia de seus índices de mercados emergentes deu apoio ao desempenho dos ativos brasileiros ontem. Com a exclusão dos ativos russos a partir da próxima semana, um vácuo é criado no índice da MSCI de mercados emergentes. “Ou seja, o simples e automático rebalanceamento da carteira do referencial já ajuda os ativos locais, assim como a valorização das companhias brasileiras”, observa o economista-chefe do Banco Fibra, Cristiano Oliveira.
O profissional também vê espaço, inicialmente, para que o câmbio continue a apreciar entre emergentes enquanto o conflito no Leste Europeu se arrasta. Depois disso, com um diferencial de crescimento econômico grande e favorável aos Estados Unidos e um Federal Reserve (Fed) mais ativo no ciclo de aperto monetário, Oliveira acredita que há uma tendência de valorização do dólar mais à frente.
Rali das commodities contribui para uma demanda ainda maior por ativos brasileiros e ajuda real a subir
O pregão de ontem ajuda a comprovar o momento favorável para os ativos do país. O Ibovespa destoou do mau humor externo e ficou parado, ao fechar em queda de apenas 0,01%, negociado aos 115.165 pontos. Já o câmbio teve um novo dia de apreciação – o dólar recuou 1,55% e terminou a sessão de ontem cotado a R$ 5,0260.
A percepção de que o Brasil vai se beneficiar da valorização de commodities como petróleo, minério de ferro, alumínio, além de insumos agrícolas, é a principal razão para esse quadro positivo. E também ajuda a sustentar os bonds de empresas brasileiras negociados no exterior.
Segundo as contas de players desse mercado, o chamado “spread over Treasury” de todos os papéis subiu no mercado secundário, refletindo a queda dos juros dos títulos do Tesouro americano. Essas taxas caem porque a guerra entre Rússia e Ucrânia aumenta a busca por ativos mais seguros. Esse spread, ou seja, a taxa de retorno exigida pelo investidor acima do juro dos Treasuries subiu entre 0,7 e 0,8 ponto percentual no caso de bonds de dez anos de emissores da América Latina. Já em relação aos papéis brasileiros, o aumento foi bem menor, entre 0,3 e 0,4 ponto.
“Existe uma visão de que a valorização das commodities poderá melhorar até mesmo o desempenho fiscal do país pela via da arrecadação”, diz o executivo de um banco de investimentos, sob condição de anonimato.
O economista-chefe da Western Asset no Brasil, Adauto Lima, lembra que o país é identificado como um player exportador de commodities e, assim, no momento em que a correlação entre os termos de troca e o câmbio voltou a surtir efeito, o rali das commodities também contribui para uma demanda ainda maior por ativos brasileiros, o que deixa o real mais apreciado.
Outro fator apontado por Lima que ajuda na apreciação do câmbio é o movimento das curvas de juros. “O BC aqui mostrou um compromisso de baixar a inflação e trazer o IPCA para a meta no horizonte relevante. Quando se olha para a curva de juros, é possível notar que ela está descorrelacionada com os outros ativos”, diz. O economista, assim, acredita que nos níveis ainda maiores de juros precificados pelo mercado, “o Brasil fica ainda mais atrativo para arbitragem, ou seja, é uma confluência de fatores que tem ajudado esse desempenho superior do real”.
A Western projetava a Selic em 12,5% no fim do ciclo, mas Lima diz que é preciso reconhecer que o quadro mudou. “Entrou um choque muito grande e de incerteza elevada, já que estamos falando de uma guerra e você não sabe por quanto tempo ela vai durar e quanto tempo vai demorar para normalizar”, diz. Assim, para ele, o nível de 12,5% para o juro básico “não parece fazer o efeito que se imaginava” ao se observar o balanço de riscos do BC para a inflação.
Assim, analistas acreditam que o efeito nocivo da alta das commodities está no aumento da inflação, que “já está dado”. Entretanto, o fato de o BC estar à frente no ciclo de elevação da Selic é algo avaliado como positivo, já que pode diminuir a necessidade de uma resposta ainda mais agressiva da política monetária.
Não por acaso, a GAP Asset mantém posições vendidas em dólar, ou seja, aposta na depreciação da moeda americana em relação ao real. “A moeda brasileira teve uma performance estelar e é um movimento que vem desde o início do ano”, afirma Bernard Tamler, gestor internacional da GAP.
Para ele, um dos fatores mais importantes está no movimento das taxas de juros, já que novas elevações na Selic devem acontecer e isso pode acabar atraindo mais recursos para o país. “Nós precisamos lembrar também que a grande alta do dólar no passado foi, em parte, por causa da taxa de 2%, que prejudicou a nossa moeda. A reversão disso, então, beneficia o real.” Assim, Tamler vê espaço adicional para apreciação do câmbio local.
“E o Brasil é um grande país emergente e que tem liquidez. Outros países, como Colômbia e Chile não têm a liquidez do Brasil. Como nós temos características de ter um mercado líquido e de fácil acesso, isso beneficia a gente neste momento”, diz Tamler.
Para os analistas do Itaú BBA, a exclusão da Rússia dos índices de mercados emergentes pode ser boa notícia para a América Latina. O banco estima que, mantida a fatia de 9,33% da região no índice geral de emergentes, a América Latina poderia ter um fluxo de US$ 2,12 bilhões com a exclusão russa. Só para o Brasil, o fluxo seria de US$ 1,34 bilhão.
“A exclusão da Rússia resultará em saídas de US$ 5,9 bilhões de investidores passivos e US$ 21,2 bilhões de investidores ativos. Normalmente, analisamos apenas os fluxos de investimentos passivos, pois eles devem seguir os pesos atuais do índice, enquanto os investimentos ativos não precisam – mas dado que a Rússia será praticamente removida do índice, acreditamos que é importante mostrar também os fluxos potenciais ativos”, diz o Itaú BBA.
O banco lembra que nas últimas duas décadas tanto o Brasil quanto o México foram claramente perdedores, em relação a outros mercados no índice da MSCI. Por outro lado, mercados como China, Taiwan e Índia ganharam mais participação. “Claro, isso significa que historicamente a comunidade de investimentos parece ter favorecido os países asiáticos sobre os latinos, o que tem sido a norma nos últimos dez anos. Dito isto, acreditamos que um argumento poderia ser feito para a região da América Latina, que agora tem uma oportunidade interessante de reconquistar participação.”
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