Receita: um risco para os projetos brownfield?

Valor Econômico – Projetos brownfield são aqueles realizados para se somar a algo já existente, remetendo à implantação física em lugares em que já havia anteriormente instalações, principalmente em projetos de expansão. Os projetos nessa categoria são os que mais recebem/receberão investimentos no Brasil nos próximos anos.

Como exemplo, podemos citar as prorrogações antecipadas de contratos de concessão ferroviária, a renovação do contrato de distribuição de gás canalizado de São Paulo, a nova licitação da Rodovia Presidente Dutra (principal do país), os muitos projetos de saneamento básico após o marco legal do setor com destaque para a concessão dos blocos no Rio de Janeiro, os projetos de concessão/privatização de aeroportos e portos organizados, entre outros exemplos.

Todos os projetos ora mencionados têm papel fundamental para a retomada econômica, redução do custo Brasil e geração de empregos, bem como os casos dos setores de saneamento básico, ferroviário e portuário, por exemplo, podem representar importante mudança de paradigma da forma como esses projetos e investimentos foram executados até então.

Na legislação do Reidi, não existe a limitação sobre a suspensão da contribuição ao PIS/Cofins apenas para novas obras

Por esses benefícios, especialmente para os países em desenvolvimento, a implantação e ampliação da infraestrutura possui alguns incentivos tributários, dentre eles o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento de Infraestrutura (Reidi).

O Reidi foi instituído pela Lei nº 11.488/07 para fomentar implantação e expansão das áreas essenciais para desenvolvimento da economia do país, em suma esse regime permite ao investidor a suspensão do pagamento das contribuições sociais sobre o faturamento (PIS e Cofins). Tem-se claramente a importância do Reidi como política de incentivo econômico, especialmente para retomada após a pandemia.

Importante destacar que o Reidi é destinado à: “implantação de obras de infraestrutura nos setores de transportes, portos, energia, saneamento básico e irrigação”, conforme estabelecido no artigo 1° de sua lei criadora nº 11.488/2007. Verifica-se que o legislador federal determinou que toda as obras de infraestrutura, em determinados setores, poderiam ser enquadradas dentro do regime.

Contudo, em contramão ao quanto disposto pela legislação federal, a Receita Federal (RFB), em uma interpretação um quanto míope do dispositivo, editou a Solução de Consulta Cosit n° 133, de 14 de setembro de 2021, na qual foi firmado o entendimento de que o Reidi só seria aplicável em “novas obras de infraestrutura” e que não haveria “amparo legal para sua utilização na reforma, melhoria ou ampliação de infraestrutura já implantada, nem na restauração ou manutenção de ativos locados”. Sendo esse entendimento ratificado pela RFB na Solução Cosit n° 181, de 7 de dezembro de 2021, no qual repete-se, ipsis litteris, o trecho ora reproduzido, havendo menção expressa à Solução de Consulta Cosit n° 133.

Em toda a legislação dedicada ao Reidi não existe a limitação sobre a suspensão da contribuição ao PIS/Cofins apenas para “novas” obras de infraestrutura. Nesse sentido, o vocábulo “implantação”, que pode levar à interpretação equivocada de algo novo, do dispositivo legal destacado refere-se à obra e não ao projeto.

Nesse cenário caberia indagar se o chamado overhuall (que basicamente seria uma reforma típica de projetos brownfield) de uma unidade geradora de energia com intuito de aumentar sua capacidade de geração, não seria tão importante quanto à instalação/construção de uma nova unidade?

Com efeito, apesar das consultas em si serem muito específicas (aproveitamento de Reidi em obras de manutenção de usina termelétrica arrendada), pelo entendimento adotado cria-se a insegurança dele ser expandido para todos os projetos classificados como brownfield, uma vez que, como vimos acima, por definição, não são definidos em sua essência como “novos” projetos e possuem justamente o objetivo de “reforma, melhoria ou ampliação de infraestrutura já implantada”.

Diante disso, importante esclarecer que a RFB não tem competência para definir sobre quais projetos, independentemente do tipo, podem ser beneficiados pelo Reidi, sendo esta atribuição exclusiva do ministério responsável pelo setor favorecido (apesar de ratificar isso em suas respostas, a RFB, nos dispositivos, parece ignorar tal premissa). Contudo, cabe à RFB a fiscalização sobre a suspensão dos tributos, o que gera preocupação no mercado especialmente com vários marcos e projetos já em curso ou mesmo para futuros investimentos.

Além disso, considerando os casos concretos que geraram as soluções de consulta, a impressão que fica foi de que a RFB não teve o cuidado necessário para adoção dos vocábulos, desconhecendo os impactos e a incerteza jurídica que podem surgir nos projetos de infraestrutura que estão por vir, não ficando, assim, clara qual será sua postura sobre os contribuintes que desenvolvem projetos brownfield.

Assim, como consequência prática, esse novo (e equivocado) entendimento, se confirmado irrestritamente, tem potencial de impactar profundamente nas modelagens financeiras assumidas, bem como poderá representar em contingências tributárias e pleitos de reequilíbrio econômico para os projetos em andamento.

Por Luis Claudio Y. Vatari e Felipe Lisbôa

Luis Claudio Yukio Vatari e Felipe Lisbôa são, respectivamente, sócio da área tributária de Toledo Marchetti Advogados, mestre em direito tributário pela FGV-SP e LLM em direito tributário pelo Insper-SP; e associado da área de projetos & construção de Toledo Marchetti Advogados, bacharel em direito pela UFRJ e pós-graduado em direito empresarial pela PUC-Rio

Fonte: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2022/03/24/receita-um-risco-para-os-projetos-brownfield.ghtml

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