Associação ‘lamenta profundamente’ ataques de Bolsonaro às agências reguladoras

MARIZ - PA - BRASILIA 25-03-2022 JAIR BOLSONARO Cerimônia de Regularização de Terras no DF. Jair Bolsonaro, presidente da República, durante solenidade. Foto Cristiano Mariz/O Globo — Foto: CRISTIANO MARIZ/Agência O Globo
MARIZ - PA - BRASILIA 25-03-2022 JAIR BOLSONARO Cerimônia de Regularização de Terras no DF. Jair Bolsonaro, presidente da República, durante solenidade. Foto Cristiano Mariz/O Globo — Foto: CRISTIANO MARIZ/Agência O Globo

Valor Econômico – Um dia após o presidente Jair Bolsonaro (PL) direcionar críticas à atuação das agências reguladoras, a Associação Brasileira de Agências de Regulação (Abar) divulgou nota para registrar que “lamenta profundamente” as declarações do chefe do Poder Executivo. A fala ocorreu na quinta-feira (31), durante o evento de posse de ministros, no Palácio do Planalto.

A associação frisou que “rechaça qualquer iniciativa no sentido de alterar o funcionamento dos entes reguladores, esvaziando-os de seus poderes e privando-os de qualquer possibilidade de exercer sua função”. Isso porque, mais recentemente, circula a informação de que o Congresso receberá em breve uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para transferir parte do poder de decisão desses órgãos para os ministérios.

Durante a solenidade, Bolsonaro criticou o loteamento de cargos do alto escalão nos governos anteriores e admitiu que sofre pressão nesse mesmo sentido nas indicações de nomes para compor o comando dos órgãos reguladores. Ele disse que, por diversas vezes, ainda enquanto deputado, presenciava líderes partidários negociando apoio ao governo em troca de cargos no comando de ministérios, bancos públicos e estatais.

“Muita gente que nem sabe o que é uma agência, dos interesses em jogo. Uma agência pode muito mais, muitas vezes, que o próprio ministério. E você tem que negociar o óbvio, o trivial, o básico, o elementar. Está lá para criar dificuldade para vender facilidade. Não precisa se dizer que isso nasceu no governo Fernando Henrique Cardoso”, disse Bolsonaro, em tom exaltado, referindo-se ao ex-presidente tucano.

A criação das agências reguladoras é considerada um dos principais legados do governo FHC. Surgiu para balizar o interesse público e o das grandes corporações, especialmente aquelas que assumiram o controle das antigas estatais no processo de privatização da década de 90.

Hoje, o fortalecimento institucional dos órgãos é apontado como requisito para a chegada de investimento estrangeiro. Em tese, as agências funcionam como uma barreira à intervenção de governos no funcionamento dos setores regulados. Esta posição é defendida, por exemplo, pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

“Tais atitudes denotam a absoluta falta de conhecimento, por parte do presidente e dos que o assessoram, sobre a atividade regulatória e seus benefícios para os segmentos regulados”, destacou a Abar, na nota.

A entidade informou que, entre as 62 agências reguladoras associadas – nacionais, estaduais, municipais e intermunicipais –, “não faltam exemplos de que, onde há regulação de qualidade, um dos grandes beneficiários é o próprio setor regulado”. Para a associação, “qualquer proposta de esvaziamento da atividade regulatória terá como única consequência o desgaste do próprio governo, evidenciando suas contradições internas e conduzindo o Brasil na contramão do caminho trilhado pelos países desenvolvidos”.

Para a Abar, “sem um ambiente regulatório maduro, sólido e eficiente, as decisões em relação à prestação de serviços públicos concedidos à iniciativa privada ficam à mercê de interesses políticos e dos grandes grupos econômicos, o que é extremamente danoso para a segurança jurídica, essencial à atração de investimentos ao país”.

Na gestão Bolsonaro, o país teve o início efetivo do funcionamento da Agência Nacional de Mineração (ANM), após três anos da criação no papel, e a incorporação do setor de saneamento às atribuições da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), após aprovação do novo marco legal. No ano passado, os dirigentes do Banco Central passaram a contar com mandatos fixos, inspirados no funcionamento das agências e estabelecidos pela lei que garante autonomia à autoridade monetária.

“Em um momento como o atual, em que diversos marcos regulatórios estão sendo implementados, de forma a abrir o mercado de infraestrutura para grupos internacionais privados, o que menos precisamos é de atitudes do próprio governo que enfraqueçam a regulação. Atitudes que vão de encontro, inclusive, a várias políticas públicas do próprio governo”, destacou a associação.

Na nota oficial, a Abar faz referência direta a Bolsonaro e lamentou que ele “não saiba o quanto uma regulação sólida e eficaz é importante para o crescimento do país, e principalmente para que os usuários não sejam engolidos pelos grandes grupos econômicos”. Outro trecho é dirigido ao Congresso: “Em relação ao parlamento, a quem caberá analisar eventuais propostas legislativas que visem enfraquecer as agências reguladoras, a Abar tem plena confiança no discernimento de seus integrantes quanto à necessidade de um ambiente regulatório sólido e forte no Brasil”.

Reincidente

Ao longo do seu mandato, Bolsonaro travou diferentes embates com as agências. O maior deles foi com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por divergências sobre os protocolos sanitários, liberação de vacinas e medicamentos contra a covid-19 durante a pandemia.

Mais recentemente, nas lives semanais, o presidente critica a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) pelo custo adicional imposto aos consumidores por meio da bandeira tarifária, a chamada “escassez hídrica”. Nela é feito o acréscimo de R$ 14,20 a cada 100 kilowatts-hora (kWh) consumidos no mês, para cobrir despesas da crise hídrica do ano passado.

Antes disso, Bolsonaro já havia ainda tentado impedir Aneel de reduzir o estímulo à geração própria de energia pelos consumidores que instalam painéis solares em casa, no sítio ou na empresa. O estímulo foi desenhado para dar um impulso inicial ao segmento de “geração distribuída”, formado basicamente por empresas e famílias de médio e alto padrão de renda.

Contudo, houve um crescimento acelerado desse mercado que começou a ser projetado um custo bilionário para os demais consumidores. A agência, por fim, não conseguiu enfrentar o lobby desse segmento, que ganhou a adesão do presidente, e a questão só foi resolvida com a aprovação de um marco legal sobre o tema no Congresso.

Bolsonaro já havia criticado, logo no primeiro ano de mandato, o projeto da Lei das Agências, que acabou sendo sancionado por ele. A mudança padronizou as regras e tornou mais rigoroso o processo de indicação de dirigentes dos órgãos. Na época, o presidente ironizou dizendo que assumiria o papel de “rainha da Inglaterra”, sem exercer maiores poderes sobre os reguladores.

Fonte: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/04/01/associacao-lamenta-profundamente-ataques-de-bolsonaro-as-agencias-reguladoras.ghtml

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