Banco do Brics poderá emprestar R$ 12 bi ao setor privado do Brasil em 5 anos

Troyjo considerou que a posição dos grandes emergentes é mais confortável do que as economias desenvolvidas para atravessar a forte desaceleração prevista na economia mundial — Foto: Valeriano de Domenico/World Economic Forum/ Valeriano
Troyjo considerou que a posição dos grandes emergentes é mais confortável do que as economias desenvolvidas para atravessar a forte desaceleração prevista na economia mundial — Foto: Valeriano de Domenico/World Economic Forum/ Valeriano

Valor Econômico – O financiamento do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), conhecido como o Banco do Brics, poderá chegar a R$ 12 bilhões para empresas brasileiras em cinco anos, pela nova estratégia da instituição para esse período, informou o presidente do NBD, o brasileiro Marcos Troyjo.

Significa que quase 50% dos créditos para o Brasil irão diretamente para o setor privado, comparado a 25% até agora. O resto das operações fica com o setor público.

Indagado sobre a Rússia, sócia do banco e sob sanções internacionais, Troyjo apenas disse que o banco suspendeu as operações com o país. Segundo fontes, os russos não entraram na conta no programa de empréstimos de US$ 30 bilhões para o período 2022-2026.

Por sua vez, um sócio como Emirados Árabes Unidos não busca dinheiro nesse banco, de forma que poderá sobrar mais para países como o Brasil.

Em entrevista ao Valor à margem do Fórum Economico Mundial, Troyjo considerou que a posição dos grandes emergentes é mais confortável do que as economias desenvolvidas para atravessar a forte desaceleração prevista na economia mundial.

Ele aponta boas possibilidades de aumento das exportações brasileiras para o sudeste asiático, e enfatiza que a região hoje é mais importante para as vendas brasileiras do que mercados tradicionais como Alemanha e França. Leia, a seguir, trechos da entrevista:

Valor: Cresce o risco de forte desaceleração da economia mundial. Como o senhor vê a situação dos emergentes nesse cenário?

Marcos Troyjo: Estamos em meio a uma mudança de natureza mais estrutural, que a meu ver não foi fundamentalmente abalada pela pandemia. E essa mudança reside no fato de que, se você levar em consideração o Produto Interno Bruto (PIB) medido pela paridade do poder de compra (PPP) do tradicional G7 (EUA, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Canadá), seu valor combinado é de US$ 42 trilhões. Ao passo que, se fizermos a conta em PPP do que chamo de E7, os sete maiores emergentes (China, Índia, Brasil, Indonésia, Rússia, México e Turquia), o PIB combinado deles é de US$ 53 trilhões. Quando você direciona o foco aos grandes emergentes, sobretudo aqueles de elevados contingentes populacionais, como a Índia com 1,2 bilhão de habitantes, vai crescer entre 8,5% e 9,0%; a Nigéria, com mais de 200 milhões de habitantes, vai crescer entre 4,5% e 5,0%; o Egito vai se expandir no mesmo ritmo, o Brasil e a África do Sul, mais de 2,0%. Mesmo com os eventos recentes de lockdown em muitas cidades, a China deve crescer entre 4,5% e 5,0%. De modo que, mesmo dentro dos emergentes, há uma certa diferenciação entre os de maior tamanho relativo e os de maior vulnerabilidade. Vejo que os emergentes continuam na sua transição estrutural para abocanhar uma fatia cada vez maior do PIB global. Pelo que se percebe até agora, aqueles de maior contingente populacional encontram-se em expansão mais vigorosa e situação mais favorável que as economias desenvolvidas.

Valor: Nesse cenário, os emergentes têm condições de manter esse ritmo de expansão?

Troyjo: Hoje, a economia da Índia é maior do que a do Reino Unido. Uma economia como a da China é cerca de 4,5 vezes maior que a do Reino Unido. O peso e a contribuição dos emergentes na formação da demanda global continuam muito fortes. Em anos recentes, o crescimento da China foi responsável por entre 25% a 30% da expansão do PIB global. Uma economia como a da Índia, que tem US$ 10 trilhões de PIB, medido pela PPP, com expansão robusta também conta. Podemos fazer uma associação entre esse crescimento dos grandes emergentes e uma transição mais estrutural também na formação de preços no mundo. Porque, no momento em que você tem tantos países, por exemplo no sudeste asiático e mesmo na África, crescendo a uma taxa média superior a 5% a partir de níveis de renda per capita baixos — vamos supor, por exemplo, um país que tem renda per capita de US$ 2.500 a US$ 3.000 —, se consegue crescer 5% ao longo de 12 a 13 anos, dobra a renda per capita. E a renda incremental nesse caso vai sobretudo para o consumo de calorias e investimentos em infraestrutura, o que significa uma extraordinária janela de oportunidades que se abre para países com características exportadoras como o Brasil.

Valor: A desaceleração da China pode ser compensada pela expansão da Índia?

Troyjo: Depende muito de quais são os efeitos para os parceiros comerciais da Índia. A China, por sua vez, tornou-se a maior nação comerciante, a principal exportadora e importadora do mundo. Oscilações no crescimento ou na demanda chinesa tendem a impactar um número maior de países do que a Índia. Aliás, considerando as duas maiores economias do mundo, EUA e China, para cada três países que têm a China como principal parceiro comercial, um tem os EUA como maior parceiro comercial. Ou seja, a presença da China nos fluxos de comércio é bastante elevada. Ainda com a desaceleração pontual da economia chinesa, com o lockdown em algumas cidades, dependendo do produto que se fala, o abalo não é tão grande. Por exemplo, no setor de alimentos. Em 2020, projeções para a desaceleração do PIB brasileiro eram muito dramáticas porque supunham uma forte contração da economia asiática e, portanto, da demanda chinesa. Mas, mesmo na pandemia e no lockdown, as pessoas não param de se alimentar. Em muitos casos, o investimento em infraestrutura é visto de maneira contracíclica. Isso deve compensar de alguma forma esse momento de retração chinesa. Seja por razões contracíclicas ou estruturais, ou ainda pelo consumo de alimentos que continua bastante elevado, o patamar de exportações do Brasil continuará forte.

Valor: A Rússia, um dos sócios do NBD, afunda numa enorme recessão. Isso afeta o banco?

Troyjo: A economia russa nesse momento é objeto de sanções internacionais e deverá observar contração significativa.

Valor: O NBD suspendeu operações com a Rússia. No cenário geopolítico, isso será mantido de forma duradoura?

Troyjo: Como outros bancos multilaterais, o NBD suspendeu transações com a Rússia.

Valor: Nesse quadro geopolítico, os bancos de desenvolvimento voltam a ter papel mais importante nas economias?

Troyjo: Há uma grande distância entre necessidade de infraestrutura nos países emergentes e aquilo que os bancos multilaterais de desenvolvimento oferecem. Uma estimativa é de necessidade de US$ 2 trilhões por ano, e esses bancos oferecem cerca de 7% disso. Mas essas instituições têm uma série de agregação de valor que é importante, entram por vezes em setores em que há menor apetite do setor privado, do capital de risco. Os bancos multilaterais levam efeitos multiplicadores que vão além da geração do lucro, cada vez mais definidos em termos de aspectos ambientais, sociais e de governança. Essas características devem ser fortalecidas à frente, e é importante que seja assim, porque hoje há no mundo um déficit de cooperação internacional. Nos bancos multilaterais de desenvolvimento, essa cooperação é possível em áreas onde os interesses coincidem, como mobilidade urbana ou saneamento, mesmo quando os países possuem diferentes posições geopolíticas, visões de mundo, origem civilizacional.

Valor: O NBD aprovou há pouco a nova estratégia para 2022-2026. No que ela consiste?

Troyjo: Estamos mirando um número total de aprovação de projetos de US$ 30 bilhões até 2026. Nos primeiros cinco anos, o volume de aprovação foi de US$ 19 bilhões. Estamos muito focados em qualidade e no impacto de desenvolvimento de cada recurso aprovado. Estabelecemos 30% de empréstimos para projetos não soberanos, ou seja, para o setor privado. Também temos meta de 30% para realização de projetos em moedas locais. E a meta de 40% de tudo que financiarmos associada à meta do clima, comparado até agora a 25% do que foi aprovado.

Valor: Em países como China e Índia, o setor privado costuma demandar menos crédito de bancos multilaterais. Seria o caso no NBD de empresas privadas brasileiras obterem então bem mais financiamentos?

Troyjo: Sim, há uma grande chance de financiamento ao setor privado no Brasil aumentar de maneira significativa. Isso vai ao encontro da estratégia do governo brasileiro em ter o investimentos a projetos estruturais liderados por instituições do setor privado. O banco vai fazer sete anos em julho. O Brasil poderá ter um volume total de créditos para o setor privado nos próximos cinco anos bem maior do que obteve até agora. Praticamente, metade dos cerca de US$ 5 bilhões que o NBD deve aprovar para o país até 2026. Falamos aqui de algo entre R$ 10 bilhões e R$ 12 bilhões. O grande desafio do Brasil e dos outros países é apresentar bons projetos. O importante é que os bancos multilaterais atuem em grande consonância com empresas e governos, porque os projetos têm de apresentar características que os habilitem ao financiamento multilateral. Como objetivos de ESG, a maneira na qual se faz a contabilização dos benefícios, que estejam alinhados a metas de desenvolvimento sustentável. Uma vez que esses critérios estejam comtemplados, o NBD tem todas as condições de turbinar sua presença como fonte capital de longo prazo para o setor privado no Brasil. O valor médio de financiamento aprovado por projeto do NBD tem sido de US$ 200 milhões.

Valor: Quando o NBD terá financiamento em real?

Troyjo: Já podemos oferecer projetos em real desde que amparados por instrumentos de proteção cambial. Naturalmente, sua atratividade depende da relação entre taxa de juros locais comparada à de outras praças e, claro, ao comportamento do câmbio.

Valor: O banco tem financiamento para acelerar a diversificação do comércio entre os próprios países do Brics?

Troyjo: Nosso mandato é o investimento em infraestrutura e desenvolvimento sustentável. Em sua nova estratégia, o NBD tem entre suas prioridades a chamada “trade-enabling infrastructure”. Isso ajuda na expansão dos fluxos comerciais. Além da infraestrutura, um fator que joga um grande papel no comércio entre os Brics é o perfil de complementaridade das economias. Por exemplo, o comércio entre o Brasil e a China ou entre a China e a Índia apresenta volumes impressionantes. Hoje, o Brasil está entre os países que acumulam maior superávit comercial com a China. Isso deve continuar, seja com a China e demais países asiáticos. Há ali uma combinação de grandes contingentes populacionais com rápido crescimento econômico. Isso se dá a partir de níveis de renda relativamente baixos. Em 2002, a soma do comércio entre Brasil e China foi de US$ 2 bilhões. Hoje, somando tudo o que Brasil exporta e importa para o mercado chinês, dá US$ 2 bilhões a cada 120 horas.

Valor: Pelo ritmo, essa soma de US$ 2 bilhões pode se dar a cada 60 horas em breve?

Troyjo: Sobre importações (brasileiras), é mais difícil dizer. Já quanto a exportações brasileiras, vale salientar que a China planeja importar do mundo US$ 25 trilhões em dez anos, ou seja, US$ 2,5 trilhões por ano. Com base nesse número, destaca-se que a fatia percentual do Brasil nas compras chinesas tem girado em torno de 4%. Ou seja, se o referencial é US$ 2,5 trilhões, isso dá US$ 100 bilhões. O valor é equivalente a uma reforma da Previdência a cada dois anos.

Valor: O presidente do banco do Brics é portanto bem otimista sobre a expansão do comércio com a China.

Troyjo: É realismo. E não é só com a China, é com a Ásia e, no limite, com o mundo emergente. Um mundo que precisa se alimentar, diversificar fontes de energia e expandir infraestrutura. Claro, há muito a expandir em mercados como Brasil Índia ou Indonésia. O potencial é imenso. Hoje, o Brasil já vende mais para a Malásia do que para a Itália, mais para a Tailândia do que para a França, mais para Cingapura do que para a Alemanha. O papel que esses países do sudeste asiático desempenham no destino das exportações brasileiras já é superior ao dos parceiros tradicionais.

Fonte: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/05/28/banco-do-brics-podera-emprestar-r-12-bi-ao-setor-privado-do-brasil-em-5-anos.ghtml

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