Impasse entre Economia e RS trava a venda de estatal

trensurb

Valor Econômico – Um impasse entre o Ministério da Economia e o Rio Grande do Sul travou a privatização da Trensurb, estatal que opera a rede de trens de passageiros na região metropolitana de Porto Alegre.

O governo Jair Bolsonaro qualificou a companhia no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) em 2019, com a intenção de privatizá-la. Depois de anos de estudos, finalmente ficou pronto o modelo para a venda da empresa, que é deficitária e precisou de R$ 870 milhões em subvenções do Tesouro Nacional para fechar as contas no período 2017-2020.

Além da transferência da titularidade dos serviços da União para o Rio Grande do Sul, prevê-se uma concessão por 30 anos e a alienação societária da Trensurb, que tem 43 quilômetros de extensão e um total de 22 estações.

O Valor apurou que o Ministério da Economia se comprometeu com um aporte de R$ 800 milhões, por meio de crédito extraordinário, que requer o envio e a aprovação de um projeto de lei pelo Congresso. Outros R$ 400 milhões viriam do futuro controlador privado. O dinheiro seria investido na modernização da rede e na aquisição de novos trens.

A equipe do governador Ranolfo Vieira Jr. (PSDB), no entanto, rejeitou a modelagem. A alegação é que existem grandes riscos de desequilíbrio econômico-financeiro do contrato no futuro e a conta ficaria inteiramente nas mãos do Palácio Piratini. Sem acordo com os gaúchos, a privatização da Trensurb não tem como avançar.

“Não é má vontade da nossa parte”, rebate o secretário extraordinário de Parcerias do Rio Grande do Sul, Leonardo Busatto. Ele lembra que não há divergências ideológicas em torno da desestatização da Trensurb e que o governo Eduardo Leite-Ranolfo Vieira teve uma agenda importante de privatizações – com as vendas da Sulgás, da CEEE-D, da CEEE-T e agora da companhia de saneamento Corsan. “Do ponto de vista técnico e dos órgãos de controle, a modelagem [da Trensurb] realmente não se sustenta.”

Entre auxiliares do ministro Paulo Guedes, o clima é de insatisfação com o governo estadual, que está sendo visto como pouco cooperativo na tentativa de solucionar o impasse. Para amenizar o risco de desequilíbrio, a Economia resolveu ir além dos R$ 800 milhões e destinar mais R$ 200 milhões – totalizando então R$ 1 bilhão em aportes – para a criação de um “colchão de demanda”.

Pela cláusula, o futuro controlador privado arca integralmente com potenciais prejuízos se o fluxo de passageiros for até 20% inferior ao projetado nos estudos de demanda. Se a frustração for mais forte, acima de 20%, a diferença seria coberta por essa conta específica de R$ 200 milhões.

Nem isso, porém, convenceu o entorno de Ranolfo. Diante do tempo escasso para percorrer todos os trâmites necessários, a Secretaria Especial de Desestatização do Ministério da Economia já excluiu a Trensurb da lista de privatizações ainda possíveis em 2022, deixando um sabor amargo no time de Guedes. A avaliação é que retomar o projeto em 2023 dependerá, essencialmente, da composição de forças políticas em Brasília e Porto Alegre.

Para o secretário Busatto, há três problemas diferentes em torno da modelagem apresentada. Uma é a “fragilidade” dos estudos, que foram contratados pelo Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Segundo ele, em vez de uma pesquisa aprofundada de origem e destino, houve um estudo simplificado e que já começa de forma equivocada: projeta-se uma movimentação de passageiros, no primeiro ano do contrato (supostamente 2023), equivalente à de 2019 – desconsiderando uma pandemia no meio do caminho.

Outro ponto apontado por Busatto é o “colchão” de R$ 200 milhões para cobrir frustrações de demanda. Hoje, afirma, a Trensurb transporta 40% menos de passageiros do que antes da pandemia. A cláusula de compartilhamento de risco seria acionada já no começo das operações privadas e o dinheiro alocado pela Economia seria consumida em três ou quatro anos, diz o secretário. “Depois, o governo do Rio Grande do Sul herdaria o drama.”

Em terceiro lugar, acrescenta Busatto, um relatório técnico do Tribunal de Contas do Estado (TCE) – ainda não divulgado publicamente – reconheceria a insuficência e inadequação dos estudos. Sem aval do órgão de controle, haveria desconforto dos gestores em seguir adiante com a privatização. “O mais sensato é recuar algumas casinhas no tabuleiro e refazermos os estudos. Pode parecer perda de tempo, mas ganhamos em segurança.”

O governo federal tem sido cobrado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) a transferir para os Estados a responsabilidade por operações de mobilidade urbana. A União gere, além da Trensurb, a CBTU – que detém redes de trens de passageiros em cinco capitais.

A privatização da CBTU Minas, que foi segregada das demais operações, está mais adiantada e só depende de aval do TCU para ter seu edital publicado. A expectativa do Ministério da Economia é fazer o leilão ainda em 2022.

No caso da CBTU Minas, a União está fazendo um aporte de R$ 2,8 bilhões – já aprovado pelo Congresso – na empresa. Esse dinheiro serviria não apenas para a modernização da linha 1, mas para a construção da linha 2 do metrô de Belo Horizonte. O governo estadual entrará com outros R$ 400 milhões na equação.

A intenção do Ministério da Economia é concluir a privatização neste ano, transformá-la em uma operação de referência no setor e fazer disso uma “isca” para outras administrações estaduais que apresentam resistências.

Além do Rio Grande do Sul, o governo de Pernambuco tem feito objeções à modelagem para privatizar a CBTU Recife, que vai exigir um aporte federal de mais de R$ 3 bilhões. A rede tem 71 quilômetros de extensão.

Fonte: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/07/08/impasse-entre-economia-e-rs-trava-a-venda-de-estatal.ghtml

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*