VLT na Zona Sul: ruas terão menos faixas para circulação de carros

O prefeito Eduardo Paes apresenta plano para expansão do VLT no Rio Beth Santos/Prefeitura do Rio/Divulgação
O prefeito Eduardo Paes apresenta plano para expansão do VLT no Rio Beth Santos/Prefeitura do Rio/Divulgação

O Globo – Anunciado nesta quinta-feira, o projeto da prefeitura para o VLT na Zona Sul prevê que corredores importantes de tráfego — como nas ruas Voluntários da Pátria, Humaitá, Jardim Botânico e Marquês de São Vicente — percam faixas para o trânsito. O maior impacto seria na Voluntários da Pátria, um dos principais eixos de tráfego e de comércio Botafogo, que seria transformada em uma “rua de serviço” atendendo apenas ao trânsito local com duas faixas para o VLT e ciclovias.

Na Rua Jardim Botânico, duas das quatro faixas ficariam com os articulados. Haveria só uma faixa em cada sentido para os veículos de passeio. Hoje, no fim da tarde, a via opera em reversível no sentido Gávea para desafogar o tráfego da Autoestrada Lagoa-Barra. Como parte do projeto, seriam feitas obras de drenagem na Jardim Botânico para tentar acabar com enchentes. A rua sofre com cheias em períodos de chuva. Outras mudanças previstas são urbanização das calçadas e reordenamento viário.

O trânsito também perderia faixas na Rua Humaitá. Já na Marquês de São Vicente, o VLT operaria em mão dupla, com uma faixa segregada da atual. A parada final ficaria próximo à PUC-Rio e ao Planetário.

— O transporte da cidade precisa se modernizar. Nós estamos iniciando o debate. Estou iniciando esse debate. No passado se discutiu se deveríamos dividir o traçado em duas partes com traçados de ida e volta em vias distintas:São Clemente e Voluntários da Pátria. Não faremos nada sem ouvir a população e com debate. Ao projetarmos os BRTs Trancarioca e Transolimpica alteramos vários pontos do projeto, como, por exemplo, para manter uma igreja — disse Eduardo Paes.

Antes de iniciar a execução do projeto a partir de 2023 com previsão de entrega em 2025, a prefeitura pretende realizar uma série de audiências públicas.

Especialista fez críticas ao projeto

O coordenador do Fórum de Mobilidade Urbana, Licínio Rogério, defendeu que a prefeitura dialogasse com o estado para tentar viabilizar a conclusão da Linha 4 do metrô. O traçado do VLT é muito parecido com a expansão Gávea-Jardim Botânico, que não saiu do papel:

— Há outras questões. Segregar o tráfego do VLT na Voluntários não faz sentido diante da quantidade enorme de acessos de garagem aos prédios. Simplesmente os trens não vão ter velocidade comercial — disse.

Paes, por sua vez, admitiu que não procurou o governador Cláudio Castro para discutir uma eventual retomada das obras do metrô. Apesar do percurso parecido com a expansão da linha 4, Paes diz não ver concorrência entre os sistemas metroviário e o que propõe:

— Entendo que o Governo do Estado tem seu planejamento. E nesse momento dispõe de recursos. Tanto que não estamos buscando implantar essa linha em cima de outras linhas. Não tenho resposta para todas as perguntas. Iniciamos o debate — disse o prefeito.

O secretário de coordenação governamental Jorge Arraes afirmou que a próxima etapa será a contratação de consultoria para atualizar os estudos de demanda, em relação ao projeto de 2015. A previsão é fazer a licitação da PPP no ano que vem.

Essa não é a primeira vez que a prefeitura anuncia um plano para expandir o VLT para a Zona Sul. Em 2015, durante a segunda gestão do prefeito Eduardo Paes, o então secretário da Casa Civil, Pedro Paulo Carvalho Teixeira, anunciou um projeto parecido. Na época, o plano previa um traçado diferente.

A ideia era esticar o VLT Carioca (que tem como uma das estações terminais o Aeroporto Santos Dumont), até o Jardim Botânico, passando também por Flamengo e Botafogo.

Estudos para esse projeto chegaram a ser feitos e serviram de base para o atual formato proposto nesta quinta-feira. Na época que a ideia foi anunciada, o VLT Carioca ainda estava em obras. O ex-prefeito Marcelo Crivella que sucedeu Paes, decidiu mantê-lo na gaveta por não considerar que seria uma prioridade.

Associações de moradores criticam projeto

A presidente da Associação de Moradores de Botafogo, Regina Chiaradia, também criticou a proposta. E diz que Paes ressuscita uma antiga ideia do ex-prefeito Luiz Paulo Conde, que no fim do século XX queria implantar um trem magnético passando pelas ruas Voluntários da Pátria e São Clemente.

— Não acredito que esse plano saia do papel. O que a população deseja e batalha há anos é pela expansão do metrô. É cada coisa. Já não tenho mais paciência para discutir essas questões.

Para o presidente da Associação de Moradores da Gávea, René Rosenclaver, em princípio, qualquer opção que tire carro das ruas é bem recebida. Mas lamenta que o prefeito não tenha procurado primeiro os moradores dos bairros para discutir alternativas:

— Não sou contra VLTs. Mas esse é um sistema de transportes mais para turistas, um serviço complementar. O que resolve é o metrô, transporte de massa, e implantarmos uma rede que se conecte com outra de forma integrada.

O projeto também é visto com reservas pelo presidente da Associação de Moradores do Jardim Botânico, Heitor Wegmann. No entanto, diz que é uma solução mais viável do que pensar que de fato a expansão da Linha 4 até Botafogo será viabilizada.

— Sempre sou cético em relação a apresentação de projetos em anos eleitorais, mesmo o prefeito não sendo candidato. O metrô tem uma série de questões técnicas porque a expansão passaria por áreas adensadas. Na Jardim Botânico exigiria possivelmente o rebaixamento do lençol freático — exemplifica.

Heitor prossegue:

— O que é preciso de fato é uma solução para retirar carros das ruas. O VLT pode ser uma opção de deslocamentos. Mas até a implantação tem que pensar em vários fatores. São necessários estudos de impacto viário, como na própria Jardim Botânico.

Eva Vider, professora da Escola Politécnica da UFRJ, destaca os mesmos pontos ao se colocar contrária ao VLT na Zona Sul.

— Há décadas o planejamento do Rio aponta que a solução para essa região é o metrô. Propor uma solução intermediária para a mobilidade urbana não é só dar um passo atrás. É desperdiçar recursos públicos.

A questão geou um imbróglio jurídico que se arrasta há mais dois anos. Hoje, o buraco escavado para a futura estação está alagado, como forma de reduzir o risco de colapso estrutural porque a obra ficou inacabada enquanto não há recursos para prosseguir o projeto até Botafogo. Há quase três anos, estado discute juridicamente como executar ao menos as obras de estabilização, uma reivindicação dos moradores, mas nada ficou definido.

Inaugurado para a Olimpíada de 2016, a Linha 4 do Metrô (entre a Praça General Osório, em Ipanema e o Jardim Oceânico, na Barra) o corredor foi projetado com sete estações. Mas as estação da Gávea, projetada em dois níveis para permitir que a Linha 4 fosse expandida no futuro até Botafogo não foi concluída. O projeto foi alvo de questionamentos do Tribunal de Contas do Estado que apontou um superfaturamento do projeto de R$ 3,7 bilhões, valor contestado pela construtora.

Em nota, a secretaria estadual de Transportes não deu prazo para qualquer intervenção na estação , seja de expansão ou estabilização, informando apenas que ”atua para atender às determinações judiciais e, assim, retomar a obra bruta da Gávea, sem onerar o poder concedente”.

A nota prossegue ”Dessa forma, estariam estabelecidas as condições para a consolidação estrutural da estação, a cargo do consórcio responsável”.

“VLTzação” dos BRTs

Em relação ao plano de “VLTizar” os corredores dos BRTs Transoeste e Transcarioca, Paes afirmou que esse não se trata de um plano de um único gestor, mas de governo. Ele diz que as calhas já existem, exigindo de fato adaptações como, por exemplo, eventualmente rebaixar o piso das estações. Ele afirmou que esse é um projeto a longo prazo, de 15 anos, depois que a frota atual de BRTs que está sendo comprada chegue ao fim da vida útil.

Para viabilizar o projeto, ele diz que avalia buscar financiamentos internacionais de instituições como o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Banco Mundial, na falta de linhas de financiamento de instituições nacionais para planos de mobilidade.

— O plano que apresentamos tem duas premissas superimportantes. A premissa um é que isso não é um plano do governo Eduardo Paes, não é uma promessa de campanha. Investimentos em infraestrutura têm que transpor governos. Ninguém vai sair fazendo obras pela cidade. É uma tentativa de fazer um planejamento a longo prazo, mais estruturante, que demanda tempo.

Paes acrescentou:

— A segunda premissa é que não perderemos a estrutura feita para os BRTs. Todos os corredores e desapropriações já foram feitas. E não vamos deixar de comprar quase 600 ônibus e reformar o BRT Transoeste.

Apesar do VLT do Centro nunca ter alcançado a demanda original do contrato, o prefeito disse que esse é um exemplo de sucesso de uma PPP. O contrato de concessão previa uma média de cerca de 250 mil passageiros ingressando no sistema nos dias úteis. No auge, antes da pandemia do Covid-19, o serviço só recebeu no máximo 120 mil pessoas. Atualmente, os trens contam com 75 mil passageiros por dia, segundo a concessionária VLT Carioca.

— É uma concessão que está dando certo. Estou agora pagando uma dívida de R$ 150 milhões com a CCR (concessionária do VLT) porque o ex-prefeito Marcelo Crivella não honrou seus compromissos — afirmou Paes.

A declaração foi uma referência ao fato do contrato do VLT como uma PPP prévia, que os investimentos privados fossem ressarcidos pela prefeitura ao longo dos anos. Na gestão passada, Crivella suspendeu pagamentos e a concessionária chegou a entrar na Justiça contra a Prefeitura do Rio.

Ao falar de Crivella, Paes também voltou a criticar os empresários de ônibus da cidade que operam o serviço em forma de consórcios:

— No BRT houve uma parceria do mal com um péssimo prefeito e péssimos empresários que destruíram o BRT. Isso não aconteceu com o VLT — disse Paes.

Procurado, o Sindicato das Empresas de Ônibus (Rio Ônibus) não se manifestou sobre as críticas nem sobre o plano de implantar VLTs na Zona Sul, em itinerários que hoje são cobertos por coletivos do Consórcio Intersul. O contrato com os consórcios só vence em 2028 enquanto que o plano para a Zona Sul é iniciar a operação dos trens em 2025. Essa questão contratual não foi um obstáculo na licitação dos ônibus de 2010 quando a prefeitura já planejava implantar o VLT do Centro (cuja operação começou em 2016). Isso porque os contratos de concessão já previam um modelo de serviços de transporte diferente na região Central.

A prefeitura, por sua vez, argumenta que o novo modelo de remuneração dos consórcios, com subsídios públicos com base na quantidade de quilômetros rodados pelos coletivos, implantado no mês passado, poderia ser adotado como estratégia para corrigir desequilíbrios contratuais com a entrada em operação dos VLTs na Zona Sul.

Com relação ao modelo de VLT nos corredores de BRT que seria empregado, isso ainda não está definido. A secretária de Transportes da cidade, Maina Celidonio, não descarta o uso de modelos diferentes. Ela observa que existem opções que podem ter uma velocidade comercial maior, como no corredor segregado da Transoeste. Mas, como no caso do Centro, tudo depende do trecho. No Transoeste (entre Guaratiba e o terminal Alvorada) e no corredor Transolímpico (liga Recreio a Dedodoro) , os coletivos circulam no limite máximo tolerado para coletivos na cidade: 60 Km\h .

O mesmo limite de 60 Km\h deve ser adotado no BRT Transbrasil, cujas obras terminam no fim do ano. No início do projeto do BRT, a velocidade máxima autorizada já foi de 70 Km\h, mas o limite foi reduzido por questões de segurança.

Em todos os casos, os estudos é que vão determinar, por exemplo, qual a velocidade comercial dos trens. A experiência do VLT do Centro mostra que elas podem variar conforme o trecho em operação, conforme a quantidade de interferências como cruzamentos e entradas de prédios. Na Zona Portuária e no Boulevard Olímpico, os trens chegam a alcançar 50 quilômetros por hora. Por outro lado, a velocidade recomendada na Avenida Rio Branco é de apenas 30 quilômetros por hora.

Mas no BRT Transcarioca (Alvorada-Aeroporto Internacional Tom Jobim), há trechos em que os ônibus não passam dos 20 Km\h. O controle da velocidade é feito por tacógrafo.

Assim como no caso dos coletivos, os trens que circulam pelo Centro também contam com limitadores de velocidade. Segundo a concessionária, os veículos poderiam imprimir uma velocidade de até 80 Km\h .

Paes lembrou ainda que no próximo dia 12, a prefeitura vai tentar licitar, pela segunda vez, a bilhetagem eletrônica dos ônibus. Em dezembro, a concorrência não teve interessados e o edital foi remodelado. Hoje, a gestão é da Riocard, controlada pelos empresários de ônibus.

— Será o dia da libertação. O fim da caixa preta — destacou.

Jorge Arraes diz que a prefeitura não pensou em converter os BRTs Transbrasil e Transolimpico porque são projetos com perfis diferentes.

— Na Avenida Brasil, o BRT Transbrasil vai ser integrado com o Terminal Gentileza do VLT no Caju. E acabaria virando uma concorrência com os trens do ramal da Supervia que passam pela região. Seriam sistemas concorrentes. No Transolímpico, ele foi implantado em uma via que tem uma concessionária que explora o serviço. Não tem sentido alterar algo consolidado — disse.

O professor do programa de Engenharia de Transportes da Coppe-UFRJ, Marcelino Vieira, diz que em algumas vias da cidade, como na Avenida Brasil, o ideal era que o projeto de fato tivesse sido concebido por trilhos, pela rapidez. Mas prevê que o sistema poderia ter problemas:

— No Centro, o VLT operaria apesar dos problemas de demanda. Mas a questão nos subúrbios é o vandalismo. Isso nós observamos ao longo dos anos nas estações e com os articulados do BRT. Me preocupa por isso esse projeto de “VLTização”. Manter o equilíbrio econômico de um sistema que é mais caro do que temos hoje — disse Marcelino Vieira.

Sobre o Transbrasil, a previsão é que a obra seja concluída no fim deste ano. Mas o projeto de integração com o Terminal Gentileza só será concluído em 2023.

Já o cronograma no VLT Transcarioca e Transoeste está dividido em três fases. A primeira delas de estudos e projetos, no primeiro semestre de 2023. Já no segundo semestre do próximo ano estão previstas a licitação e o início da implantação do plano.

Fonte: https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2022/07/vlt-na-zona-sul-ruas-terao-menos-faixas-para-circulacao-de-carros.ghtml

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