Valor Econômico – Importante instrumento de estímulo ao investimento, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) entrou em uma nova fase a partir do governo Temer, que se consolidou no mandato do presidente Jair Bolsonaro. No período, o banco encolheu em termos de participação nos empréstimos tomados pelas empresas, que passaram a se financiar mais no mercado de capitais.
Em 2013, no governo Dilma, a instituição chegou ao pico de R$ 190 bilhões em desembolsos, número que caiu para R$ 64 bilhões em 2021 e deve ficar próximo desse volume este ano. Com Bolsonaro, o BNDES passou a priorizar projetos com impacto social e ambiental, como as concessões do saneamento.
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O banco tem, no entanto, outros desafios. O repique inflacionário pós-covid elevou os custos dos financiamentos do BNDES atrelados à Taxa de Longo Prazo (TLP), o que reabriu um debate sobre o futuro desse indexador. Outros pontos de atenção para o BNDES passam pela venda de participações acionárias em empresas e pela continuidade da devolução de empréstimos ao Tesouro Nacional.
O Valor apresenta os principais pontos na agenda do BNDES a partir de 2023. Veja abaixo:
Qual será o foco do BNDES no próximo governo, seja Lula ou Bolsonaro?
Em um eventual governo Lula, a tendência é que o BNDES ganhe mais espaço como instrumento de indução do investimento pelas empresas. O discurso da campanha de Lula é que o foco estará nas micro, pequenas e médias empresas. Não se repetiria, porém, pelo menos não nos mesmos moldes, o incentivo que houve para as grandes companhias nos governos petistas, quando foram concedidos empréstimos a taxas subsidiadas. Exceções podem ser projetos específicos voltados para questões ambientais ou sociais.
“A política de campeões nacionais funcionou quando o país era a 6ª maior economia do mundo e as empresas precisavam ganhar escala para conquistar mercados externos. Mas a situação agora é outra. As empresas estão fragilizadas, em particular as pequenas, que sofreram com a pandemia”, disse o economista Guilherme Mello, assessor econômico da campanha de Lula.
A expressão campeões nacionais passou a ser usada para designar criticamente setores e empresas escolhidos pelos governos petistas para receberem apoio financeiro do BNDES.
O plano de governo de Bolsonaro, apesar de não citar o BNDES nominalmente, fala em direcionamento e priorização da atuação dos bancos de desenvolvimento para projetos e atividades não atendidos de forma adequada pelo mercado, com foco em inovação. O plano sugere, assim, a ideia de continuidade da gestão que vem sendo realizada no mandato de Gustavo Montezano à frente da instituição.
Desde 2019, o BNDES seguiu na trilha aberta no governo Temer de ser um banco com porte menor do que teve nos governos do PT em termos de concessão de crédito. O BNDES encolheu para cerca de um terço do tamanho que tinha em 2011 em termos de crédito direcionado para as empresas. Focou-se em projetos de impacto social e ambiental e na estruturação de projetos de infraestrutura para a União, Estados e municípios. Assumiu também a modelagem de projetos de privatização, expertise que o banco sempre teve mas que foi reforçada.
Como fica a carteira de ações de empresas participadas?
Uma das principais mudanças do BNDES no governo Bolsonaro se deu na carteira de renda variável, que concentra ações de empresas nas quais o banco é sócio. Na carteira há ações de Petrobras, Eletrobras, Copel. Cemig, Embraer, entre outras. Com mandato dado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, o BNDES passou a vender ações. Se desfez de parte dos papéis de Petrobras, vendeu toda a posição em Vale e Suzano, para citar as principais. A política de venda de ações da carteira deve continuar se Bolsonaro for reeleito.
Não está claro o que um eventual governo Lula faria com a carteira da BNDESPar, mas o ex-presidente tem criticado publicamente a venda de algumas empresas no governo Bolsonaro, como a BR Distribuidora.
A discussão sobre o que fazer com a carteira da BNDESPar é importante na estratégia global a ser definida para o BNDES em 2023, seja qual for o governo eleito.
Vai se mudar a Taxa de Longo Prazo, a TLP?
A Taxa de Longo Prazo (TLP), principal indexador dos financiamentos do BNDES, é outro tema relevante para o futuro do banco. A TLP foi instituída em 2018, no governo Temer, para substituir a Taxa de Juros Longo Prazo (TJLP).
Foi uma iniciativa para trazer o custo dos empréstimos do banco para uma realidade de mercado uma vez que a TJLP embutia subsídios e era definida de forma discricionária pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
A TLP é uma taxa baseada na NTN-B de cinco anos e o aumento da inflação na pandemia aumentou o custo dos empréstimos baseados nesse indexador. Reabriu-se assim uma discussão sobre o que fazer com a TLP.
Se Bolsonaro for reeleito, é possível que nada mude na taxa. Mas se Lula ganhar há chances de o tema voltar à discussão. O que está em jogo é se o BNDES pode ser competitivo emprestando a custo de mercado ou se o banco precisa de algum subsídio nos empréstimos que concede ao setor produtivo.
O que acontece com as devoluções ao Tesouro Nacional?
Em um cenário de eleição de Lula, é possível que o banco de fomento arrefeça um pouco o calendário de devolução, acredita Lazzarini, do Insper. O saldo desses empréstimos chegou aos R$ 500 bilhões, dinheiro que lastreou operações de crédito do banco com juros subsidiados nos governos do PT. Essa dívida vem sendo quitada desde 2015, parte dela de forma antecipada, antes do vencimento, e tem sido importante fonte de recursos para o governo federal. Se Bolsonaro ganhar, a tendência é que continue a pressão por devoluções do banco ao Tesouro.
O BNDES pode ficar menos transparente?
Ao longo dos anos, o próprio banco criou uma estrutura de avaliação de suas operações, incluindo uma análise de impacto dos projetos. Além de justificativas técnicas, os dados dos empréstimos estão todos disponíveis ao público na internet. Uma eventual revogacão dessas medidas será considerada um retrocesso, diz Lazzarini. Não é de se esperar, porém, que isso aconteça. “Para o eleitorado de mais baixa renda, vale mais a pena pensar em medidas mais direcionadas como o Auxílio Brasil”, afirma.
O incentivo do BNDES às empresas pode mudar a partir de 2023?
O próximo governo, seja o de Bolsonaro ou do petista Luiz Inácio Lula da Silva, será pressionado pelo Congresso a acabar com o teto de gastos, na visão do professor titular do Insper, Sérgio Lazzarini. “Como o Bolsonaro compôs [uma aliança] com o Centrão, não me estranharia que tivesse iniciativas para aumentar subsídios industriais, o próprio [ministro da Economia] Paulo Guedes está falando de incentivos à indústria”, afirma.
Para o especialista, poderiam ser criadas novas linhas de crédito à indústria, ainda de forma marginal. No caso de Lula, a avaliação do professor é a de que há um entendimento de que é melhor continuar vendendo as participações minoritárias em empresas e apoiar empreendedores.
Em entrevistas recentes, Lula defendeu que o BNDES volte a ser um banco de desenvolvimento. “Estamos discutindo financiamento em infraestrutura através do instrumento de garantia soberanas, atraindo investimento privado para financiar as grandes transições energética, ecológica e digital”, disse Guilherme Mello.
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