Sérgio Avelleda
é sócio-fundador da Urucuia: Mobilidade Urbana e coordenador do Núcleo de Mobilidade Urbana do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper
O paciente leitor desta coluna está em posição extremamente privilegiada em relação ao seu escriba. Quando ler este artigo já saberá quem triunfou nas eleições de 30 de outubro, enquanto quem o escreve ainda desconhece. Essa diferença do tempo em que se escreve do tempo da publicação, além do privilégio dado ao leitor, também permite ao escritor o direito de sonhar.
Sonhei, em primeiro lugar, que o resultado das eleições foi respeitado, os vencedores comemoraram e os derrotados se conformaram em ocupar o importante espaço da oposição. Democracia se faz com situação e oposição, mas, principalmente, com respeito ao procedimento e às regras do jogo.
Depois, no meu devaneio, eu vi o novo presidente anunciando a recriação do Ministério das Cidades, atribuindo- lhe a tarefa de elaborar, com a participação do Congresso, dos Estados, Municípios e, principalmente, da sociedade civil organizada, as políticas públicas federais em favor das cidades, onde já vive a imensa maioria da população brasileira. Também recebeu a atribuição de coordenar e monitorar todas as ações federais de impacto urbanístico.
Como sonhar não custa nada, eu vi, no mesmo anúncio, o presidente eleito noticiando as secretarias do Ministério, órgãos de relevância institucional. Ele informou também a recriação da Secretaria Nacional de Mobilidade Urbana, que voltará a ter a responsabilidade de liderar as ações do governo federal no campo da mobilidade urbana, e assegurou que o seu ocupante será um técnico com sensibilidade política para liderar a elaboração de políticas engajando todos os envolvidos.
Aliás, o presidente eleito pediu desculpas pelo fato de o assunto não ter sido tratado na campanha eleitoral. Mas declarou que, enquanto publicamente se discutiam temas religiosos e de costumes, sua equipe estava em campo preparando um disruptivo programa em favor da mobilidade urbana. Disse ele que, a seu ver, os temas do acesso nas cidades, do transporte público sustentável e inclusivo, da segurança viária, da mobilidade ativa, não eram apenas uma responsabilidade das cidades. Afirmou o presidente que, na visão do seu governo, a mobilidade urbana também seria uma tarefa federal. E estabeleceu que o governo iria se empenhar em viabilizar investimentos a fundo perdido, apoio no custeio do transporte público sustentável, suporte técnico para as cidades e concessão de empréstimos dos bancos federais para projetos específicos.
Mas o que me causou verdadeiro entusiasmo, enquanto meu inconsciente exibia o meu sonho, foi o anúncio que o presidente fez sobre a CBTU. Sustentou que nenhum dos seus postos de liderança seria usado como moeda de troca para apoio no Congresso Nacional. Esses postos seriam ocupados por empregados de carreira da própria CBTU ou especialistas trazidos dos operadores metroferroviários de todo o Brasil. E garantiu que finalmente um plano de investimento ambicioso, para recuperação da malha ferroviária urbana de transporte de passageiros, sob responsabilidade do Governo Federal, seria implementado. E, onde fosse viável, parcerias com os Estados e com o setor privado seriam uma opção para concretizar a recuperação e a modernização dos sistemas. Cheguei a ver Recife, Natal, Maceió, João Pessoa e Belo Horizonte como verdadeiros canteiros de obras de via permanente, instalação de novos sistemas de sinalização, reformas nas estações, e trens novos, fabricados no Brasil, sendo entregues e comissionados.
Por falar em trens, o presidente anunciou um plano de recuperação da indústria ferroviária do Brasil. Revelou que já estava negociando um empréstimo com um consórcio de bancos de fomento internacionais para viabilizar a compra de centenas de trens que seriam cedidos, em comodato, aos sistemas metroferroviários de todo o Brasil, mesmo aqueles de titularidade das cidades. Disse que já tinha reunido as necessidades de novos trens de todos os sistemas e que iria viabilizar uma compra em larga escala, obtendo redução de custos. O único requisito: que os trens fossem fabricados no Brasil, gerando empregos, renda e desenvolvimento do parque industrial no nosso território. Os Estados e operadores privados receberiam cartas de crédito e ficariam responsáveis por encomendar as customizações para cada um dos seus sistemas.
Finalmente, o presidente comunicou que iria priorizar a construção de uma rede de trens de passageiros conectando as principais cidades brasileiras. E, como prova do seu compromisso, divulgou a minuta dos atos que assinaria no primeiro dia de mandato, destravando em definitivo o primeiro trem de passageiros intermunicipal, o que vai conectar São Paulo a Campinas. Em seguida mostrou o plano de conexão de São Paulo ao Rio de Janeiro, aproveitando estudos já realizados. O passo seguinte seria a conexão entre as duas cidades e Belo Horizonte e, a partir daí, uma rede que alimentasse esses sistemas e possibilitasse não só viagens mais rápidas, seguras e confiáveis, mas uma nova forma de ocupação do uso do solo, redimensionando as possibilidades de viver, produzir e consumir ao redor desses novos eixos.
Foi nesse momento que, lamentavelmente, despertei do sonho, olhei no relógio e vi que era hora de me levantar e sair para o trabalho. Saí à rua e vi meu país dividido e tenso, às vésperas das eleições.
Naquele dia, sonhando acordado, imaginei que, depois de publicado este artigo, algum leitor paciente, que chegou até o seu final, escrevera para a revista e se dissera impressionado: o autor da coluna não é um articulista. É um profeta.
Como disse acima, sonhar não custa nada.
Um “sonho” maravilhoso frente a uma triste realidade dos transportes e da mobilidade urbana brasileira. Infelizmente não é prioridade para os governantes, visto que, eles não precisam do transporte urbano. E a população, … bem … continua sendo tratada como carga.
Um dia, espero que não demore, vamos acordar e ver que não era sonho e sim uma realidade. Que nossos governantes acordem para esta realidade que só trará benefícios para a nossa população e para o País.