Com menor brilho das commodities, mineração cai 26%

Jungmann: “A desaceleração veio com as restrições na China, menor preço do minério de ferro e a guerra na Ucrânia” — Foto: Silvia Zamboni/Valor
Jungmann: “A desaceleração veio com as restrições na China, menor preço do minério de ferro e a guerra na Ucrânia” — Foto: Silvia Zamboni/Valor

Valor Econômico – A indústria mineral no país teve em 2022 um desempenho menos dourado que o do ano anterior, que se beneficiou do boom das commodities. Minerais e metais ainda tiveram preços elevados com a guerra na Ucrânia, mas a partir de maio houve desaceleração. Para 2023, diante do cenário de instabilidade mundial, de como ficar a economia chinesa e do problema na Europa, a tendência é repetir 2022, disse ao Valor o presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Raul Jungmann.

Ex-ministro de Segurança Pública do governo Michel Temer, político e consultor empresarial, o pernambucano Jungmann assumiu o cargo no Ibram em 1º de março do ano passado, com a missão de ampliar a visibilidade do setor e ter maior influência política e institucional. “É um gigante econômico, mas pequeno institucionalmente”, comenta.

Segundo os números que acabam de ser oficializados, a mineração no país fechou o ano com retração de 26,3% no faturamento, que totalizou R$ 250 bilhões. Em 2021, teve valor recorde de R$ 339 bilhões. “A desaceleração veio com a menor produção de aço na China decorrente das restrições por causa da política contra covid, o que levou a forte recuo no preço médio do minério de ferro, que responde por 73% da divisa de exportação do setor. Outro fator foi a guerra na Ucrânia”, disse o executivo.

Com dois mecanismos financeiros espera-se levantar até R$ 15 bi para investimentos via bolsa, como no Canadá

O ano de 2021 “foi extraordinário, com aumento no valor dos minerais e metais, em média, de 47%”. Jungmann destaca o papel importante das exportações, que atingiram US$ 49 bilhões, com peso significativo do minério de ferro. “O Brasil precisa diversificar a produção de bens minerais”, destaca o presidente do Ibram.

Jungmann defende, por exemplo, uma política para minerais considerados estratégicos, como nióbio, tântalo, lítio, grafite, e outros, que poderiam ganhar mais peso no valor da produção. E ainda para os minerais da indústria de fertilizantes (fosfato e potássio), que depende de importação.

Do total faturado em 2022, minério de ferro contribuiu com R$ 153,5 bilhões, seguido de ouro (R$ 23,9 bilhões); cobre (R$ 15,2 bilhões); calcário dolomítico, R$ 8,55 bilhões; e bauxita, R$ 5,66 bilhões) – uma concentração de quase 83% desses cinco produtos.

“A mineração brasileira é relevante, pois está entre os quatro ou cinco setores econômicos mais importantes do país”, afirma.

Com a queda no faturamento, a arrecadação da Contribuição Financeira da Extração Mineral (CFEM) também desabou – de R$ 10,3 bilhões para a casa de R$ 7 bilhões. Isso puxou para baixo, em 31,8%, a receita de diversos municípios mineradores, principalmente em Minas Gerais e Pará, que são responsável por gerar 77% do faturamento total.

Na agenda do Ibram há várias pautas importantes. Uma delas, diz, já teve avanços – a de segurança das populações vizinhas de minas e barragens de rejeitos. O país viveu dois grandes traumas: os rompimentos de Fundão (Mariana) e de Brumadinho, ambas em Minas Gerais. Das 926 barragens existentes no país, só havia, até fim do ano, três em regime de maior atenção, diz. “Houve significativa melhora no campo regulatório e por parte das empresas. Hoje, os relatórios de inspeção são assinados pelos presidentes”.

Na questão do ESG (ações para o meio ambiente, sócia-econômicas e governança) há um acompanhamento da consultoria Falconi de tornar pública a meta para utilização de energia e água e a alocação dos rejeitos gerados até 2030.

Outra frente é o trabalho de defesa da Amazônia e suas populações. A entidade vai promover em agosto, em Belém, a Conferência Internacional Amazônica e Bioeconomia, com pré-conferências em Estados e até países da região. “A floresta em pé traz benefício econômico muito maior”, diz e acrescenta que há alternativas de economia para a região, protegendo florestas e populações.

O Ibram informa que foi contra o projeto de lei 191, de mineração em terras indígenas. Qualquer atividade nessas áreas, em primeiro lugar requer a anuência dos povos originários, com livre consentimento prévio e desde que traga benefícios às populações. Cita o exemplo do Canadá.

Garimpo ilegal

Um problema crítico para o meio ambiente, com destruição de rios e florestas, que afeta a imagem do setor e do país, a atividade garimpeira ilegal do ouro – e já avança em outros minerais – tem sido alvo de combate, mas com uma solução ainda longe de ser obtida. “Nossa posição é radical com o garimpo ilegal. A atividade é crime e caso de polícia”, afirma o presidente do Ibram.

Há várias frentes para cercar a mineração ilegal, reunindo ações de órgãos – do Banco Central, Instituto Ethos e Instituto Ambiental, Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Ministério de Minas e Energia (MME) até a Receita Federal (com adoção da nota fiscal eletrônica). “Nosso foco é a cadeia do ouro, desde a exploração até a comercialização por parte de instituições financeiras (as DTVMs), que respondem por 90% da lavagem de dinheiro do garimpo ilegal”.

Conduzido pelo Ibram, foi feito um pedido de investigação e auditagem das DTVMs e foi criado um comitê joalherias e mineradoras legais na entidade. “Fomos até a Suíça, pois 50% da exportação destinada ao país é de ouro ilegal e fizemos reuniões com o governo, setor privado e ONGs”, destaca o dirigente.

Jungmann ressalva que essas ações requerem, em paralelo, uma política sócio-econômica para as populações do entorno das áreas de exploração, pois elas ficam vulneráveis à atividade ilegal.

Incentivos financeiros

A mineração no Brasil, ressalta o executivo, é carente de mecanismos de apoio financeiros para fomentar o setor. Empresa, como as junior companies, vão à Bolsa de Toronto para listar seus projetos e captar recursos para fazer a exploração de uma reserva descoberta. Não há instrumento financeiros disponíveis na bolsa brasileira: a B3 tem pouco mais de 400 empresas listadas; já a de Toronto tem, somente de mineradoras, 1400 com projetos listados.

No momento, há duas propostas elaboradas no MME – a Letra de Risco Minerário e a Cédula de Direitos Minerários. A segunda visa captar recursos para o desenvolvimento de pesquisas de áreas de mineração, pois o mapeamento dos recursos é muito baixo. Hoje se conhece apenas 4% do território.

Segundo o executivo, avalia-se que podem ser levantados com os dois mecanismos entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões, por meio de instrumentos de securitização, usando fundos (invest mining), para aproximar o BNDES do setor. “A carteira dos bancos precisa desses mecanismos de alavancagem. Não temos hoje porque o risco existe e porque há desalento no setor financeiro”, comenta.

Licenciamento ambiental

O setor visa também uma solução para a questão dos licenciamentos de novos projetos de minas: ganhar mais velocidade no processo de aprovação das autorizações. Em muitos casos, diz Jungmann, demoram anos e geram perdas de divisas. Ele cita o caso do projeto S11D, da Vale, em Carajá, que durou oito anos.

“Por causa disso, o Brasil perdeu o boom de consumo de minério de ferro da China. A Austrália que acabou ganhando: passou de uma produção de 200 milhoes para mais de 700 milhões ao ano, enquanto ficamos parados em 350/400 milhões de toneladas”.

Para o executivo do Ibram é fundamental elaborar um plano de desenvolvimento no país, que tem diversos bens minerais, ao passo que a Europa, por exemplo, já não tem mais.

Visa-se também, com isso, a ampliação das fronteiras de produção. Hoje, três quartos são gerados em Minas Gerais (40%) e Pará (37%). Além de Bahia, Mato Grosso e Goiás, a meta é avançar por outros Estados e regiões do país para se atingir a nacionalização das fontes de produção.

Sanha tributária estadual

O aumento da carga tributária sobre o setor, vinda principalmente de governos estaduais, é uma preocupação. O Ibram cita um estudo da consultoria E&Y, o qual mostra que o setor mineral brasileiro é o mais taxado do mundo e que isso retira competitividade e mercados.

Ultimamente, foi criada uma taxa estadual (Taxa de Fiscalização da Atividade Mineral), cuja arrecadação já supera a da CFEM, em alguns Estados, como Mato Grosso. Outros vão no mesmo caminho. “Não poderia existir, porque se trata de um bem que tem legislação da União”, afirma.

A medida teve o suporte do Superior Tribunal Federal (STF), que acabou definindo os pleitos estaduais e tornando a cobrança constitucional. O Ibram e as mineradoras avaliam se vão contestar as medidas na Justiça. “Toda essa majoração tributária traz insegurança jurídica para atração de investidores ao setor”, diz.

Fonte: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2023/01/10/com-menor-brilho-das-commodities-mineracao-cai-26.ghtml

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