Do serviço de massa para a experiência do usuário

Sérgio Avelleda
é sócio-fundador da Urucuia: Mobilidade Urbana e coordenador do Núcleo de Mobilidade Urbana do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper

Um dos grandes desafios para o prestador de serviço é maximizar as sensações positivas do cliente. Gosto de mirar a experiência da Starbucks, a maior rede de cafés do mundo. Experimente, caro leitor, entrar em qualquer loja da Starbucks. Tudo ali é pensado não para você consumir café diretamente, mas, antes de tudo, para você se sentir bem. Desde a iluminação, até a qualidade do produto, passando pelos móveis e música ambiente, a ideia é te convidar a ficar o máximo de tempo por ali. Você pode ficar até sem consumir nada. Toda vez que você fizer um pedido, anotarão seu nome, e te chamarão de forma bastante pessoal. Eles querem que a sua experiência seja uma experiência única.

Fazer isso em rede de restaurantes é desafiador, mas o desafio é incomparável se pensarmos nos serviços de transporte de passageiros por trilhos. Milhares de pessoas viajando, em geral com pressa, pelas estações e nos trens, cada qual buscando destinos distintos. Pode parecer impossível transformar um serviço de massa em uma experiência personalizada.

Antes da disseminação dos telefones inteligentes, essa possibilidade era uma quimera. Não havia possibilidade de os operadores de transporte se conectarem individualmente aos seus milhões de usuários. O máximo de contato com o público eram o aviso sonoro nos trens e estações, o momento da compra do bilhete e, quando muito, uma saudação na passagem do usuário nos bloqueios.

A massificação dos telefones inteligentes, contudo, abre as portas para múltiplas possibilidades de interação com os usuários. Mas, ao mesmo tempo, a tecnologia simplificada e disseminada nestes pequenos computadores elevou a régua de expectativa do nível de experiência e da capacidade de gerenciamento de viagens. O usuário não tem mais por que esperar trem, descobrir que ele está atrasado ou o serviço degradado apenas quando chega à plataforma ou, ainda, ficar olhando mapas fixados em murais em estações.

É preciso explorar, como operador de transporte, todas as possibilidades de interação. E quanto mais informações colocarmos na palma da mão do usuário, mais cliente ele se sentirá. No longínquo 2011, quando presidimos o Metrô de São Paulo, criamos o “Direto do Metrô”. O usuário recebia no seu celular, diretamente do CCO (Centro de Controle Operacional), informações sobre as condições operacionais de cada linha, depois de ter se inscrito no sistema e informado as linhas que usava cotidianamente. Foi um grande avanço para, primeiro, permitir ao usuário ter acesso instantâneo à qualidade do serviço e, depois, para ampliar a sua confiança no Metrô, uma vez que ele sempre saberia pela própria companhia de eventuais problemas ou degradações.

Hoje, podemos e devemos ir muito além. O usuário já pode chegar à estação, ser identificado e receber mensagens personalizadas do sistema (“Bom dia Carlos! Bem- -vindo à Estação Moema! Você está indo para o Paraíso, como faz todos os dias? As linhas que você vai utilizar estão operando normalmente, sem previsão de atrasos durante a viagem. Você chegará na estação Paraíso às 08:25. Lá, se você quiser tomar um café, há a Padaria XYZ. Apresentando esse QR Code você tem um desconto de 10%). O usuário pode receber notícias sobre o seu percurso usual, ofertas de patrocinadores e informações rigorosamente personalizadas de acordo com suas preferências, identificadas por algoritmos e inteligência artificial. Ou seja, cada usuário ter um conteúdo próprio, personalizado e tratado para melhorar sua experiência, e maximizado para permitir o total gerenciamento da viagem.

Além de propiciar uma completa personalização, fundamental para assegurar a preferência do usuário pelo serviço, pode render receita não tarifária com a cessão de espaço para patrocinadores e promoções por eles oferecidas aos usuários. Tem potencial para valer muito mais do que os pouco visualizados cartazes em trens e estações.

Não podemos esquecer o potencial da “gamificação” na melhoria da experiência do usuário. Tal recurso pode contribuir para prender a sua atenção, coletar suas preferências e, ainda, ajudá-lo a compreender a complexidade do funcionamento do sistema. Operadores de transporte poderiam desenvolver jogos que cativassem a atenção dos mais jovens e atraíssem recursos via patrocinadores.

Precisamos também nos convencer a abrir os dados de localização dos trens e intervalos ou horários de partida, conforme o regime operacional, para que outros aplicativos, coletando esses dados, possam permitir ao usuário o ideal gerenciamento da sua viagem e integração com outros modos de transporte.

Vencer a concorrência com outros modos, especialmente os individuais motorizados (incluindo aqui as viagens por aplicativos), exige criatividade e uma aliança poderosa com a tecnologia. Muitas vezes, operadores públicos não detêm a flexibilidade institucional (licitações, órgãos de controle, tempo longo para tomada de decisões) necessária para implementação de soluções como as aqui propostas. Alianças com o setor privado podem ser muito bem-vindas para a implementação.

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