STS 10: um grande erro ou uma grande oportunidade?

Por Maurício Ferreira Wanderley, auditor do Tribunal de Contas da União e especialista em Governança e Controle da Regulação no setor de transportes. Diretor na Unidade de Auditoria Especializada em Infraestrutura Portuária e Ferroviária do TCU.

Antes de tratarmos do assunto proposto, precisamos nivelar o conhecimento dos nossos leitores sobre a realidade que será aqui analisada. Comecemos, então, com uma relação de fatos sobre o Porto de Santos e a movimentação de contêineres de/para a Baixada Santista.

  1. Os atuais terminais de contêineres no Porto de Santos movimentaram em 2022, segundo a Santos Port Authority (SPA)[1], 4.986.397 TEU, ou 2.935.593 Contêineres;
  2. Segundo a mesma fonte, o novo terminal a ser concessionado no Porto de Santos, o STS 10, vai aumentar em 2,3 milhões de TEU/ano a quantidade de movimentações de contêineres, também aumentando a necessidade de transporte entre a baixada e o planalto;
  3. Devido à estrutura das linhas ferroviárias que atendem à Baixada Santista, esse modal não é representativo na movimentação de contêineres, ficando na casa dos 4%, o que significa que algo em torno de 2 milhões de movimentações de contêineres de/para o planalto paulista, são feitas por caminhões[2], número que deverá chegar a 3 milhões de movimentações com o advento do STS 10;
  4. Hoje, a movimentação pelo modal ferroviário de contêineres na serra paulista só pode ser feita sem empilhamento da carga, ou seja, na configuração denominada Single Stack, seja por limitação na altura da catenária na cremalheira da MRS ou pelos túneis e passagens inferiores na Malha Paulista cuja altura livre de obstáculos não permite o trânsito da carga empilhada, em Double Stack;
  5. As informações divulgadas pelas concessionárias ferroviárias que transportam contêineres indicam que o transporte em Single Stack tem baixa ou nenhuma rentabilidade tornando essa opção praticamente inviável, em função, principalmente, dos dispêndios com diesel, aqui agravados pela configuração “serra acima”;
  6. As demais estruturas de acesso terrestre à Baixada Santista estão quase em colapso, sem possibilidade de crescimento compatível com o futuro nível de movimentação a partir da entrada em operação do STS 10.

É fácil verificar a partir desses fatos que, com a entrada em operação do novo terminal de contêineres, há uma séria tendência de congestionamento geral de cargas na área do Porto de Santos e da Baixada Santista causada pela quantidade de movimentações de contêineres acima das possibilidades atuais de movimentação pelos acessos terrestres disponíveis, ainda com a possibilidade real de o congestionamento se espalhar pela logística de movimentação das demais cargas tratadas pelo Porto.

Daí a pergunta: O STS 10 é um grande erro para a logística da Baixada Santista ou é uma grande oportunidade de melhoria para o tratamento logístico que é dado hoje no Brasil às cargas que podem ser transportadas pelo modal ferroviário? Essa é nossa discussão.

Para tranquilizá-los devo dizer que, na visão deste autor, essa é a melhor oportunidade que poderia surgir, mesmo que por acidente, para que se discuta e se efetive uma evolução na visão empresarial dos operadores ferroviários frente às necessidades e às possibilidades de se ter um atendimento via modal ferroviário de qualidade, e com rentabilidade, que seja especialmente desenhado para a solução de um imbróglio logístico específico e tão importante para o País.

Vejamos, então, as razões dessa convicção.

Comecemos pelo principal vilão para o transporte de contêineres em Single Stack, o custo do combustível, que é estimado em até 35% das despesas operacionais de uma Ferrovia[3] e vamos, em uma abordagem simplista, apenas para montar a nossa tese, considerar que, trabalhar nesse ofensor pode reverter o comportamento da curva de rentabilidade de uma operação em Single Stack.

Isso envolveria buscar uma melhoria sensível no custo de combustível por ton.km que, abertas todas as possibilidades existentes no mercado, atuais e em um futuro próximo, nos faz ver que já se pode considerar novas tecnologias de tração, seja a hidrogênio, híbrida diesel/bateria, a gás natural, elétricas a bateria, ou mesmo por meio de eletrificação das linhas, uma solução antiga, mas que tornou o mercado europeu de transporte ferroviário de contêineres em Single Stack viável.

Os números descortinados pelos fabricantes dessas possíveis soluções preveem reduções de até 20-25% no custo de combustível por ton.km, o que certamente torna a análise dessas hipóteses, no mínimo, interessantes, como uma das possíveis vertentes para se buscar evitar o colapso na logística da Baixada Santista.

E no que tange aos atuais operadores ferroviários? Seriam eles os protagonistas? Na nossa visão, não necessariamente.

Há aqui também a possibilidade de um novo modelo de negócio que pode ser configurado, por exemplo, para a prestação de serviços de transporte dos contêineres “serra acima”, que, aliado a pátios de recepção e distribuição de contêineres localizados no planalto paulista podem, inclusive, com o seu alfandegamento, mover a retroárea do Porto de Santos para longe das manchas urbanas da região retirando parte da pressão imobiliária e de expansão, necessária, que o porto exerce sobre as comunidades da baixada. Essa configuração já é utilizada largamente e nos principais portos no exterior, como em Roterdã e Antuérpia, conhecida como Shorthaul, uma variação das conhecidas e desejadas Shortlines.

Ainda há muito o que se analisar e pesquisar para que se construa uma solução realista para o problema exposto, mas com este curto artigo, fica aqui a provocação aos pensadores do país ferroviário que desejamos: Vamos deixar o STS 10 ser um erro, ou vamos agir para torná-lo uma grande oportunidade, para o Porto de Santos, as comunidades da Baixada Santista, o modal ferroviário e para o Brasil?

* Eventuais opiniões são pessoais e não expressam posicionamento institucional do TCU


[1] https://www.portodesantos.com.br/2023/01/11/porto-de-santos-fecha-2022-com-recorde-historico-na-movimentação-de-cargas

[2] https://sindop.org.br/noticia/5643

[3] CABRAL, W. S. E., A Eficiência Energética do Consumo de Combustível em uma Ferrovia Heavy Haul, Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Espírito Santos (UFES), Vitória, 2017

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