Equipe da Revista Ferroviária visita a tuneladora que está perfurando o túnel em direção ao Norte do Rio Tietê.
Nos subterrâneos da maior cidade do Brasil, duas tuneladoras estão perfurando túneis de rocha para os trilhos da futura Linha 6-Laranja do metrô de São Paulo, que vai ligar Brasilândia até São Joaquim, num trajeto de 15,3 km e 15 estações. O chamado tatuzão é um equipamento emblemático quando o assunto é expansão metroferroviária – o que levou a equipe de reportagem da Revista Ferroviária a conhecer de perto a máquina que segue na direção Norte da linha.
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A espanhola Acciona, responsável pela construção da Linha 6-Laranja, adquiriu duas tuneladoras para fazer os trabalhos de perfuração ao Norte e ao Sul do Rio Tietê. A tuneladora Sul, batizada de Maria Leopoldina, já chegou nas futuras estações Água Branca e Santa Marina, e a tuneladora Norte, que não teve nome atribuído, já passou da estação Freguesia do Ó.
Cada equipamento tem uma missão específica, uma vez que a composição geográfica do solo é diferente ao longo do percurso. A tuneladora Norte precisa vencer um solo formado por rochas, resultando em um ritmo mais lento de perfuração, diferentemente do que ocorre com a tuneladora Sul, que segue em direção a São Joaquim e perfura um solo mais argiloso e com materiais de menor rigidez.
A equipe da RF chegou às 15h07 de 10 de abril, no poço da VSE (Ventilação e Saída de Emergência) do Tietê, o principal canteiro de obras da linha. Fernando Minguez, diretor técnico da Linha Uni, concessionária que ficará responsável pela operação da linha, acompanhou a visita. Na chegada ao VSE, na parte de cima à direita estavam dois guindastes enormes, responsáveis por transportar maquinários, alguns caminhões em circulação pelo canteiro para retirar detritos das escavações, além de mais de 80 trabalhadores.
Já à esquerda, estavam os galpões de almoxarifado nas cores laranja e branca, as mesmas da futura linha, onde são guardados os EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), ferramentas e demais itens. Os galpões estão bem próximos de onde ficam armazenadas partes das aduelas, que são as peças que compõem as paredes dos túneis perfurados pelos tatuzões.
Após alguns minutos da chegada, foram distribuídos capacetes, coletes refletivos na cor verde limão e botas, itens obrigatórios para todos que acessam a obra. As cores chamativas são propositais para a segurança, uma vez que ajudam na visualização à distância de pessoas. Os uniformes dos operários são de cor laranja florescente pelo mesmo motivo.
Às 15h30, partimos para o ponto de descida até a base do poço, que é realizado por um elevador típico de obras, todo feito em metal e fechado. Sua aparência lembra uma gaiola. A capacidade é de 26 pessoas por viagem ou até duas toneladas de peso. Dois minutos depois, chegamos a 35 metros abaixo do nível da superfície, o equivalente a um prédio de 11 andares, onde dezenas de pessoas circulavam a pé, com veículos e tratores dividindo o espaço com sanitários químicos, peças, ferramentas e outros maquinários.
Ao sair do elevador, logo à direita está a imagem de Santa Bárbara de aproximadamente 30 cm acomodada em uma caixa protegida da chuva e sol. A presença da Santa é algo obrigatório em todas as escavações, já que é conhecida por ser protetora dos tuneleiros e trabalhadores em obras feitas abaixo do asfalto.
Chegada à tuneladora
Para chegar à tuneladora Norte, é necessário um veículo especial de transporte. Enquanto o aguardávamos, em um ponto do poço saía água de forma ininterrupta, seguindo para um buraco onde era armazenada. Minguez explicou que o procedimento era fruto do processo da escavação. A água jorrada é utilizada para várias tarefas, entre elas, limpeza do local e lavagem dos equipamentos.
Às 16h06, o veículo chegou. Tratava-se de um trackless, utilizado comumente em obras de metrô não apenas para transportar pessoas, mas principalmente para levar as aduelas até a tuneladora. Embarcamos em um compartimento com capacidade para levar até 16 pessoas, onde todos obrigatoriamente precisavam estar com o cinto de segurança. O percurso em direção ao tatuzão levou cinco minutos, em uma velocidade em torno de 20 km/h. O espaço do túnel é relativamente pequeno para circulação, suportando um veículo por vez.
Às 16h13, chegamos na parte traseira da tuneladora, denominada backup, onde havia uma escada metálica do lado esquerdo para acesso. Subimos por uma escada para chegar ao andar superior do tatuzão, que possui dois níveis para acomodar toda a sua estrutura.
A tuneladora é composta de refeitório, cabine de enfermagem, esteira rolante para a retirada de material escavado, além de cabine de comando e equipamentos auxiliares. É formada ainda pela roda de corte na parte dianteira, responsável por vencer a resistência do terreno.
O diretor da Linha Uni nos apresenta, no nível superior, as acomodações e a composição com rolos do equipamento, onde ficam as mangueiras de água e cabos elétricos com comprimento total de 300 metros. É necessário, em cada turno de trabalho de oito horas, uma equipe de 20 pessoas, formada por profissionais de operação e logística, como engenheiros(as), operadores, técnicos de manutenção mecânica e elétrica, agrimensores, colaboradores de maquinaria e responsáveis nas áreas de saúde e segurança.
O trabalho no interior da tuneladora é executado na forma 24/7, ou seja, 24 horas por dia e sete dias por semana, com estes trabalhadores revezando e trocando a equipe a cada turno de trabalho completado. Paradas programadas da perfuração em solo são necessárias de tempos em tempos, sem um cronograma fixado, para manutenções de rotina.
As mangueiras responsáveis pelo fornecimento de água e eletricidade possuem um limite de estiramento por serem provisórias. Quando este limite é alcançado, todo equipamento é substituído por uma instalação definitiva, mantendo a alimentação sem interrupções, inclusive isto foi notado pela reportagem ao acompanhar o desacoplamento da mangueira de água para a troca por uma tubulação definitiva.
Outro ponto de destaque é a presença de uma célula de segurança blindada que comporta toda a equipe, permitindo que em caso de acidente, como um incêndio, eles possam se abrigar de maneira segura com oxigênio por até 120 minutos, tempo suficiente para a chegada de equipes de socorro. Pouco à frente deste compartimento seguro, existe um refeitório com ar-condicionado, contando com assentos, geladeira, micro-ondas, cafeteira e água potável.
Após caminhar mais um pouco, chegamos à cabine de operação, local onde os comandos operacionais são dados para a tuneladora escavar. Tudo é feito por uma única pessoa, em uma central com telas touch screen, permitindo além do controle, ter o conhecimento da situação em volta do equipamento, na sua parte de traseira e até no poço de acesso mais próximo.
Roda de corte
Depois de uma breve explicação da célula de segurança e dos cuidados ao se movimentar pelo equipamento, Fernando Minguez nos leva próximo à cabeça da tuneladora. Ele aponta para uma pequena peça localizada na lateral do túnel que possui um laser invisível ao olho humano, que leva informações ao computador da cabine de operações, com o objetivo de alertar sobre desvios no curso programado da máquina. O alerta serve para evitar que um erro acabe fazendo o tatuzão escavar na direção errada. Ao lado deste laser, na parede já com as aduelas inseridas, o número 251 pintado em vermelho destaca-se na cor clara do concreto.
A aduela é responsável por formar a parede de um túnel, neste caso na forma circular e são instaladas conforme o equipamento escava e avança no subterrâneo. São compostas por concreto e feitas sob medida e de acordo com as diretrizes do projeto. Na construção dos túneis da Linha 6-Laranja, cada anel deste é formado por 10 peças encaixadas lado a lado.
Às 16h36, chegamos na cabeça da tuneladora, pela parte de trás, já que a roda de corte estava em contato com o solo, pronta para, depois de nossa visita, continuar o seu trabalho. Quando ela está em operação, seus “dentes” (rodas metálicas que fazem a perfuração), giram e fazem a escavação.
O tatuzão Norte enfrenta um terreno formado por rochas. A poeira gerada seria um grande problema causado pela perfuração, se não fosse o mecanismo que injeta água na ponta do equipamento, junto da roda de corte e faz a sucção dos detritos, os despejando em um compartimento. De imediato, são transportados até o VSE Tietê por uma esteira acoplada na tuneladora, para então ser retirado por caminhões de despejo.
Depois de perfurar o terreno, uma série de macacos hidráulicos, instalados nas bordas do equipamento, exercem uma pressão sobre as aduelas colocadas anteriormente, empurrando a tuneladora para frente e abrindo espaço para a instalação de um novo anel de aduelas e do prolongamento da esteira.
Para preencher o espaço criado pela perfuração que resulta na movimentação do equipamento, veículos de transporte colocam até nove aduelas em seus compartimentos e partem em direção à tuneladora, estacionando embaixo dela. Ao chegar, o tatuzão “pega” uma aduela por vez, movimenta a peça até a posição de instalação e a gira em 90 graus, na posição correta para ser inserida automaticamente no ponto indicado.
O processo é repetido para colocar um anel completo formado por nove peças, que acontece numa média de 40 minutos. Quando a instalação termina, o trackless é retirado do local e os macacos hidráulicos voltam a fazer a pressão nas aduelas recém-instaladas, enquanto o espaço que fica entre o anel de concreto e a parede do túnel escavado é preenchido com material rígido composto de argamassa e outros produtos, evitando que as aduelas fiquem soltas ou com folga no túnel.
Caminho de volta
Na sequência, às 16h44, iniciamos a caminhada por dentro da tuneladora para embarcar no veículo de transporte e fazer o caminho de volta. No minuto seguinte, às 16h45, já estamos embarcados e a partida do transporte é iniciada, passando novamente pelo local da futura estação Freguesia do Ó, ouvindo buzina, som de maquinários e outros barulhos comuns em qualquer obra.
Quatro minutos depois chegamos ao VSE de onde partimos. Desembarcamos e observamos pela última vez o túnel nas suas duas direções (Norte e Sul). Entramos outra vez no elevador e chegamos na superfície às 16h54, com o sol do entardecer em contraste com o cenário do canteiro de obras, com parte dos trabalhadores também já encerrando suas atividades e dando espaço para colaboradores do turno seguinte.
Ao sair do elevador, retornamos até o almoxarifado, devolvendo no local o capacete, botas e coletes utilizados na visita. O percurso foi de pouco mais de 1.200 metros somando caminhos de ida e de volta.
Todo o processo de escavação nos túneis da Linha 6-Laranja foi retomado cerca de seis meses depois de um acidente que aconteceu em fevereiro do ano passado. No dia 1º daquele mês, houve o rompimento de um túnel coletor da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), pouco acima das escavações junto ao Rio Tietê, que resultou na inundação do VSE Tietê e das duas tuneladoras utilizadas pela Acciona, com mais de 170 milhões de litros de esgoto. O acidente chegou a provocar a abertura de uma cratera na Marginal Tietê.
A concessionária Linha Uni afirmou que o cronograma das obras – que tem prazo para ser finalizado no final de 2025 – não foi alterado, uma vez que os trabalhos continuaram em outras frentes. Mas, em paralelo, as duas tuneladoras acabaram ficando quase sete meses paradas, para conserto e substituição de peças.
A empresa não detalhou quais componentes das tuneladoras foram danificadas e necessitaram de reparos ou reposição, mas o processo de drenagem do esgoto, limpeza, manutenção no local do acidente levou pouco mais de seis meses. Em 31 de agosto do ano passado foi anunciada a volta dos trabalhos no VSE Tietê.
A construção da Linha 6-Laranja conta atualmente com 9 mil empregados diretos e indiretos divididos em 34 poços de obras e canteiros funcionando no sistema 24/7, ou seja, 24 horas por dia e nos sete dias da semana.
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